terça-feira, maio 02, 2006

O vaco holandês


Antunes Ferreira
Quando se fala da Holanda, vem à flor da memória a trilogia clássica: diques, tulipas e vacas. Os neerlandeses costumam também enfatizar os polders. Mas isso é lá com eles, que lhes faça muito bom proveito. Já basta o que basta, sintetizado num aforismo calino: Deus criou o Mundo; os holandeses criaram a Holanda. Ora os ditos polders são os terrenos conquistados ao mar.

Daí que também se diga que se há povo que não goste de meter água, o holandês é o primeiro de todos. A não ser assim, o território, pelo menos em boa parte, nomeadamente os polders era um ai que lhes dava, engolidos uma vez mais pelo Atlântico, que nestes preparos não é de modas. Por algum motivo o Países Baixos. Logo, ou eles, súbditos da rainha Juliana, ou eu, oceano.

Conheço a Neederland de ginjeira. Não adianta contar aqui a minha aventura – já lá vai quase meio século – por terras abaixo do nível do mar. Mas, se há coisa que me ficou e está e estará na memória é o facto de ter então visto, pela primeira vez, as vacas ruminando a branco e preto, produtoras encartadas de leite e exportadas para tudo quanto é sítio no Mundo por imposição láctea.

Temos, entre nós, dois treinadores de futebol holandeses. O senhor Ko Adriaansen, do FCP e o senhor Ronald Koeman, do Benfica. Dois estilos e duas personalidades completamente diferentes. O que o primeiro tem de gentleman, tem o segundo de asno. Por todo o urbe é assim: porque bulas não haveria de ser para estes dois nórdicos em Portugal?

Quanto a Adriaansen – estamos conversados. Ganhou, é o campeão. Muito se discutiu a sua filosofia de jogo, o seu sistema táctico, a sua coragem, até. Ganhou a Liga, ponto. Fruto de uma persistência e de um empenhamento notáveis, até já diz muitas frases em português, o que nos satisfaz o ego e leva a que, apesar do pesar, os portistas já o aceitem e o aplaudam. Longe vão os tempos dos estúpidos e espúrios ataques ao carro dele.

Já o da Luz pode ir limpar as mãos à parede. Não contente com a série de equívocos em que tem andado metido desde que chegou ao clube da Segunda Circular, o homem ainda se dá ao luxo de cometer baixezas e bolçar escarros como aconteceu no sábado que passou. Os seus, dele, comentários abstrusos sobre os golos do rival leonino são, no mínimo, mal-educados.

Há, até, quem os rotule de acintosos. Se calhar, com carradas de razão. Se o dito técnico não é parvo, disfarça muito bem. Se é mal intencionado e tenta insinuar perfídias sobre os defesas do Rio Ave – há local e sede própria para que responda por essas enormidades – os tribunais. E, já agora, há que o dizer: o senhor Koeman ainda não se deu ao trabalho, por certo impossível para um cérebro mini como o dele, de tentar arranhar a língua de Camões.

O seu castelhano de três-ao-pataco continua a usá-lo para expelir as enormidades que são conhecidas. Não se trata aqui de fazer comparações com Trapattoni ou Camacho. Esses ainda se tentaram pelo portuñol, numa compromisso que se pode entender. E lá foram debitando o que tinham de afirmar, com algum gozo, mas também com alguma consideração por parte de nós, tugas.

Olhando para a face rosada e bronca do sôr Ronald vem imediatamente a talhe de foice o ar supina e beatificamente inexpressivo das ruminantes manchadas originárias da sua terra. O homem não é, porém, uma vaca. É, sim, um vaco. Este é um neologismo que assumo sem penar ou vergonha. Um vaco. Que me perdoem os restantes holandeses: logo este nos havia de calhar. Em sorte? Em azar. Há horas...

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