Há processos e possessos...
Antunes Ferreira
Foi a Dona Chica, em véspera do fim-de-semana prolongado – Viva o Dia do Trabalhador! Viva! – que enunciou um quase trocadilho que achei porreiraço. Referia-se a Senhora, alentejana de cepa – lembrei-me agora, ao correr da pena, que o vinho alentejano está cada vez mais caro – a advogados e tribunais, a causas e assim. Não citou a petição inicial nem o direito do contraditório, porque isso já fia mais fino. E ela, inteligente e esperta, não sendo jurista, muito menos qualificada, ficou-se pela afirmação. O processo do possesso.
Palavra de honra que gostei. De tal forma que lhe pedi autorização para utilizar o termo em escrevinhadela. Dado que ela ma concedeu, aqui vai. Vai, mas vai devagarinho, ou não fosse a autora-inspiradora nada e criada para alem do Tejo. Aponte-se: as pressas normalmente dão bota. Mais: se forem pressas apressadas, é aventá-las pela janela. É que também temos as presas, só com um s; mas aí depende da pena. Se ela for maior, não há pressa que valha.
Abro aqui mesmo uma parentética, sem autorização prévia e vossa. A minha Mãe era de Portalegre. Precisando: nascera na freguesia da Maia, concelho do Porto, como então era e constava da certidão narrativa de nascimento dela. Mas, com 11 meses, os meus Avós transplantaram-na para a cidade da Serra de São Mamede. Daí dizer convictamente que era alentejana do Alto, fazer azevias de grão e batata-doce no Natal e ter sido aluna de um tal José Régio.
Perante tal circunstância, julgo que tenho igualmente uma meia costela portalegrense. Corrijam-me se o raciocínio é esconso. Façam o favor de. Mas há mais. A minha primeira filha adaptada (eu não disse adoptada, mas não gosto da palavra nora, cheira-me sempre a mula a andar à roda) Margarida é de Estremoz; a família materna da esposa do meu Paulo, o segundo descendente, que é a Veva, é de… Portalegre.
Mal parecia, portanto, que por aqui começasse com as anedotas dos compadres. Que, de resto, andam muito ocupados a plantar alhos nas beiras das estradas. Disseram-lhes que faz bem à circulação e daí. Encerro neste preciso momento a dissertação sem tino. Fecho, por conseguinte, o parênteses.
Expulsar Satanás
Dito e feito isto, volto ao que me trazia. O processo do possesso. Esconjurar o mal e expulsar o demo são atributos de sacerdote que se preze. Para que tal se verifique é preciso, antes do mais, arranjar um possesso, de preferência um daqueles de que o satânico não quer sair nem que venha a mulher da fava-rica. Que é o que não falta praí. Só no Rossio, a qualquer hora é um rebanho permanente.
Arregimentado o moçoilo deverá ele apresentar atestado de se encontrar no estado de possuído – e devidamente autenticado por duas testemunhas idóneas. Numa qualquer Junta de Freguesia obtém-se o documento, devendo, para o efeito, esperar-se uma semanita, coisa pouca. A informatização, por vezes, tem coisas… Reserve-se o cidadão, como nas receitas culinárias.
De seguida, fica sempre bem conseguir-se um advogado que já esteja inscrito na Ordem do senhor presidente da Assembleia-Geral leonina. Se se pretende realizar um processo a sério, o causídico é absolutamente imprescindível. Para a sua captura, utilize-se os mesmos método e local da anterior acima descrita. Volte a reservar-se o jurista.
Venha o exorcista
Falta tão só o exorcista. Não confundir com O Exorcista, filme de 1973 realizado por William Friedkin, inspirado no livro de terror homónimo, escrito por William Peter Blatty. O que se pretende é um pastor de almas com a especialidade respectiva. Alcança-se. Para tal, proceda-se uma outra vez à incorporação do clérigo na praça citada.
Depois, bom, depois, é só desencadear o processo do possesso, com a assistência do togado e tendo o cónego como protagonista. Se mo permitem, relembro que no caso da fita houve uma sucessão de adaptações. O mister William II, realizador, agarrou-se que nem lapa à rocha ao mister William I, autor do best-seller, que, por sua vez, se baseou num caso verídico verificado em 1949, em que um jovem adolescente americano fora submetido a um exorcismo que durou dois meses, dois.
Estas coisas têm que se lhe diga. E, com a celeridade da justiça lusitana, contem-se os meses, agrupem-se estes em anos e por aí adiante. Ao fim de um decénio temos, sem falsos preconceitos, e se não prescrever, um verdadeiro processo do possesso. A quem são devidas horas extraordinárias, desde que previamente solicitadas e registadas em livro próprio.
Então sim, convenientemente encapado e cozido a fio de sisal eis aqui o verdadeiro, o único, o que não tem, nem pode ter similares, processo do possesso. Patrocinado pela Liga dos Exorcistas Encartados e a editar pela Livraria Jurídica & Religiosa, nihil obstat. E apresentado na II Vara Judicial. Quid juris?
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