quarta-feira, maio 03, 2006

Autópsias

Antunes Ferreira
O Eduardo é que é o culpado desta estória? Nada. Ele até é engenheiro de coisas ligadas à electricidade. Então porquê a citação do nome de um sujeito honesto e cumpridor que tem como apelido Salvado Penha? Pronto. Lá começam as perguntas embaraçosas, a que sempre apetece responder – o que é que vocês têm com isso? Mas, no caso em causa – e fala-se de advogado – tenho de confessar que foi o engenhocas electricista que me mandou a estória envelopada em imeile que tinha outras, e que outras.

O caso passou-se no Brasil. Podia ter sido neste canteiro à beira-mar plantado (mas onde é que eu já vi isto?), no Ruanda, na Islândia, no Algueirão ou na Austrália ocidental. É um evento universal, com cabimento onde quer que seja. Amigos causídicos & correlativos: não vos abespinheis. Não existe aqui nenhuma intenção ínvia, muito menos córregos traiçoeiros. Juro.

Mau. Quem jura mais mente, segundo corre por aí há tempos imemoriais. Ultrapasse-se, porém, a adversativa que também é dubitativa, e siga-se em frente, que se vai fazendo tarde. As barras dos tribunais são, frequentemente, escorregadias e até traiçoeiras. Nunca um cidadão se deve aproximar delas, muito menos fazer parte do seu recheio, por receio.

Recado ao Armando

Já me esquecia. Como será que o meu cunhado Armando, o Fernandes, classificará estes rabiscos? Fiquei entusiasmado com o comment que o chateauguayiense publicou neste blóguio, mas, em paralelo, um tanto intrigado. Eu, que nem sou de intrigas, adito. Que quererá o informático na retrete – está bem de ver, em francês – dizer com tudo aquilo?

Ao correr das teclas, não posso também deixar de te transmitir, cunhado amigo, que, pelo menos, eu estou contigo. Não tenho procuração para representar o Povo, por isso quedo-me pela afirmação pessoal, informal e intencional. Daí que te informe que tens um outro caminho para estares presente com assiduidade neste travessa do ferreira. Mandas-me o escrito por imeile – e eu posto-o imediatamente. Sem qualquer censura, abrenúncio, t’arrenego Satanás.

Remediado, julgo, o esquecimento aliás lamentável, retorno à estorinha. Aprouve-me. Nestas tramitações imílicas descobrem-se amiúde motivos para que um se compraza com o que lhe remetem. É uma esmagadora maioria, que aureoleia o ego de quem escreve, ainda que também existam as mensagens acintosas, as mal intencionadas, as inconvenientes et cetera.

Vera Cruz

Um juízo em terras de Vera Cruz, portanto. Julga-se um crime de homicídio perpetrado por um homúnculo de óculos com lentes redondas e pequeninas, aros camuflados, de tartaruga. Assassinado, um negão, enorme, de manápulas de estivador, uma besta de força que, porém, não resistiu ao golpe esmagador no alto da moleirinha agora desfeita.

A arma fora um candeeiro de banquinha de cabeceira, bronze maciço sem abajur, empunhado pelas mãozinhas bem tratadas do pequenote. Se o Taborda, meu colega da Escola Mouzinho da Silveira, abastecedora de vários liceus da capital, por ali estivesse, desfecharia o chavão anedótico: «Anão, anão, mas com um ganda par de c...»

É um caso típico de homossexualismo. Ciúmes de alcova soturna, embirrações contínuas, agravamento da relação à mistura com roupa suja que baste. Já está praticamente resolvido o caso. O julgamento não é, apenas, um pró-forma porque é nele que se decidirá da sorte do réu, os seja da pena, certamente maior e mais ainda pelos agravantes do estrangulamento, quiçá premeditado.

Iniciada a audiência, procede-se à ajuramentação das testemunhas, dos agentes da polícia de investigação, do médico forense, dos peritos em dactiloscopia e mais que haja. O promotor público adianta as suas razões, aliás pouco aliciantes, pois que tudo está claro e a claro, não há corredores labirínticos, nada.

Checar tudo

O advogado de defesa, oficioso, rata sábia de muitas comarcas e até distritos judiciais, representa a sua rábula, fingindo que acredita no depoimento do seu constituinte, alheando-se, tanto quanto lhe é possível, das punições antecipadas que se podem ler nos rostos dos presentes, talvez mesmo do próprio magistrado presidente.

O defensor contra-interroga o médico legista: Doutô, antes di fazê a autópsia, o senhô checou o pulso da vítima?
O médico, secamente: Não.
Advogado: O senhô checou a pressão arteriau?
O perito, no mesmo tom: Não.
O jurista : O senhô checou a respiração?
O esculápio, sem se alterar: Não.
Advogado : Então, é possíveu qui a vítima estivesse viva quando a
autópsia começou?
O galeno, sintético: Não.
O defensor oficioso: Como o senhô podi tê essa certeza?
O doutor, farto e bem farto: Porque o cérebro do cara estava metido num frasco com fórmóu, sobre um armário branco, ao lado da mesa de operações, pô.
Advogado : Mas ele poderia estar vivo mesmo assim?
Testemunha: Sim, é possíveu qui ele estivesse vivo e cursando Direito em
algum lugar!!! Tem genti pra tudo...

Daqui lanço um apelo à digníssima Ordem dos Advogados para que não veja no tema qualquer intenção vilipendiosa, pois apenas se trata de piada, aparentemente com alguma... piada. Se, porém, subsistirem dúvidas, que me absolvam por falta de intenção de achincalhar quem quer que seja. O pedido, respeitando as formalidades necessárias, aqui fica ao Bastonário – e Presidente da Assembleia-Geral do nosso Sporting. Faça-se justiça.

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