terça-feira, maio 16, 2006


Latins e selecções

Antunes Ferreira
Uma chatice. Monoculus inter caecus rex. Os Romanos sempre nos tramaram, até nos ditados. Foi o que se viu com as ânforas; foi o que se viu com o templo de Diana em Évora; foi o que se viu com o latim, fosse ele erudito ou bárbaro. Pensa a gente que ao citar «Em terra de cegos, quem tem um olho é rei» está a dar uma de arremedo de culto, ou, pelo menos, de menos analfabeto. Não está, definitivamente. Pelo sim, pelo não, vá de consultar as páginas azuis do Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e pumba! Lá está a asserção latina que encima esta nota.

Perdigão perdeu a pena, não há mal que lhe não venha. O velho Luís Vaz é que a sabia toda. Embora ele fosse mais de amores, a verdade é que, neste particular ou seja neste caso que se observa, a citação do Vate sempre seja de encomiar. Quanto mais não seja, e ainda que a despropósito, convêm não esquecer que se trata do Camões, a quem os calinos chamaram um dia o Príncipe dos Poetas e ainda hoje é assim apelidado.

Permitam-me que vos confidencie, aqui muito à puridade: ele não merecia, muito menos merece, um tal tratamento. Se esganou as meninges para poetar Os Lusíadas, não foi para que o apodassem de Príncipe. O Carlos da Inglaterra é que é, com Camilla ou sem, mas, sobretudo, sem Diana. E a mãezinha dele parece que quer que ele continue a sê-lo, ainda que esta valha mais do que o bilhete postal. Se o Eusébio era o Rei, apesar dos tremoços, então que será o Camões?

Injustiças – quem as não tem?

A História e a Literatura estão cheias de injustiças. Quase toda a gente aplaude o João Pinto Ribeiro, cabeça dos 40 conjurados que levaram ao colo o duque de Bragança até ao trono. Não concordo. Palmas a sério devia ter levado o Miguel de Vasconcelos – e foi o que se viu no antigo Terreiro do Paço.

Os restauradores tiveram, inclusive, direito a nome na segunda praça de Lisboa, logo a seguir ao Rossio. Quando, em meu modesto entender – e sem que ponha em dúvida a boa fé dos que até hoje têm dado o seu beneplácito a estas honras e mordomias – os defenestrados deviam ter sido os membros do grupo pró Bragança. E não nos esqueçamos que a Doña Luísa de Gusmán era espanhola. Então, que estranha independência foi essa com um rei que dormia com o(a) inimigo(a)?

Mas isso são discorrências a latere. Estas viagens circun-navegantes que o autor empreende as mais das vezes só servem para espalhar uma certa confusão. Delas, pouco se aproveita, para não dizer nada. Assim, antes de voltar aos rifões e adágios, penso que (já que foi citada) cabe aqui a rima camoniana do Perdigão – que não tinha nada a ver com o saudoso hoquista campeão do Mundo. Tanto quanto se sabe – e os meandros da História são, por vezes, labirínticos e insondáveis.

Ah poeta!


Perdigão perdeu a pena
Não há mal que lhe não venha.

Perdigão que o pensamento
Subiu a um alto lugar,
Perde a pena do voar,
Ganha a pena do tormento.
Não tem no ar nem no vento
Asas com que se sustenha:
Não há mal que lhe não venha.


Quis voar a uma alta torre,
Mas achou-se desasado;
E, vendo-se depenado,
De puro penado morre.
De queixumes se socorre
Lança no fogo mais lenha:
Não há mal que lhe não venha.



O Luís zarolho era realmente, um primor. Sou do grupo dos que gostam mais do homem dos sonetos & correlativos, do que do empolgante histórico e, ainda por cima, premonitório da desgraça. Ou seja, o Camões lírico é, para mim, muito mais saudável do que o Épico. De novo se perfilam os que torcem o nariz. Não se amofinem. Eu também gosto do Scolari e não alinho no gang dos que criticam a opção pelo Costinha em detrimento do afastamento do Quaresma. Luis Felipe escolheu - está escolhido. Portugal pode perder - Scolari está f...perdido!

Pois está visto que os ditados são heranças – mais umas – dos antepassados provenientes da Roma Augusta. E, ao citar-se um mais, ou outros, de novo surge a latinada. Os 23 do Sargentão para o Alemanha 2006 são como o vestido ou a pescada que antes de o serem, já o eram? Pois que sim. Seja. A divulgação da convocatória foi a montanha que pariu um rato? Ou seja, mons murem peperit. Sacanas de Romanos.

Resta, assim, muito pouco no que a isto concerne. Depois da tempestade vem, sempre, a bonança. Isto é: post nubila, Phoebus. E como um sujeito precisa de ganhar a vida, deixe-me eu de equações e latinórios e deite-me, eu também ao trabalho. Primum vivere, deinde philosophari. Que o mesmo é dizer primeiro deve ganhar-se a vida; só depois vem a conversa. Ou, mais comezinhamente: serviço é serviço, conhaque é conhaque. Isto é que está uma merda – com os Romanos. Não me safo dos gajos.

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