sexta-feira, fevereiro 23, 2007



BARÓMETRO MARKTESTE

O PS reforça maioria
e Sócrates popularidade


Antunes Ferreira
A Comunicação Social dá hoje relevo aos resultados do Barómetro da Markteste para o DN e a TSF, do corrente mês. Escreve a este propósito a Jornalista Paula Sá no matutino da Avenida da Liberdade um artigo noticioso, do qual me permito transcrever alguns trechos. Desde já agradeço, quer à autora, quer ao jornal, onde já tive o prazer e a honra de trabalhar.

O dia 11 de Fevereiro, que deu a vitória ao "sim" no referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez ditou o ritmo do Barómetro da Marktest do corrente mês. Os socialistas, que se bateram pela alteração ao Código Penal no que diz respeito ao aborto, conseguem reforçar a maioria absoluta, passando dos 43% nas intenções de voto obtidas no primeiro mês do ano para os 47%, mais dois pontos do que obtiveram nas legislativas de 2005. Curiosamente, é o eleitorado masculino o mais rendido ao partido de José Sócrates, por comparação com o feminino.

O secretário-geral dos socialistas e primeiro-ministro - que foi considerado pelos opinion makers como o grande vencedor do referendo, devido ao seu empenho na causa - consegue mesmo a proeza de duplicar a subida do PS no índice de popularidade dos líderes, ao arrecadar mais oito pontos percentuais na consideração dos portugueses auscultados.

Ao invés, o PSD, que não teve uma posição oficial neste combate político, embora o seu líder acabasse por fazer campanha pelo "não", (…) desce um ponto percentual nas intenções de voto relativamente ao mês anterior, ao quedar-se nos 27%. Menos um ponto percentual do que o PSD conseguiu nas últimas legislativas.


O partido de Ribeiro e Castro (CDS/PP), que tinha vindo a subir inexplicavelmente nas intenções de voto desde o final do ano passado, (…) sofre agora uma queda relevante, ao passar dos 8% para os 5%. Neste caso, a descida poderá justificar-se pelo fenómeno de arrastamento do resultado da consulta popular e nunca por qualquer nova divisão interna. Tanto mais que Paulo Portas, que tem vindo a movimentar-se nos bastidores no sentido de avançar para a liderança do partido, também fez campanha, discreta é certo, pelo "não".

(…) O PCP e Bloco de Esquerda sofrem uma pequena oscilação. O primeiro ganha um ponto percentual (dos 9% para os 10%), o segundo desce esse mesmo ponto (dos 8% para os 7%). O que quer dizer que o empenho de Jerónimo de Sousa na campanha da consulta popular não trouxe grandes dividendos ao PCP. O líder comunista sofre mesmo um tombo no índice de popularidade.

(…) Pior resultado apresentam os bloquistas, que também se envolveram na campanha. Os tempos de antena do BE foram os mais assertivos na defesa da despenalização a bem da dignidade das mulheres. O eleitorado não parece ter reconhecido este esforço e o BE desce um ponto percentual relativamente ao Barómetro de Janeiro. Mas Francisco Louçã, que tem vindo a cair no índice de popularidade - em Janeiro descia três pontos no ranking de popularidade dos líderes e em Fevereiro volta a descer mais dois pontos -, ainda se mantém à tona, ou seja, num nível positivo de reconhecimento público.

«Sosseguem», portanto, os que dizem ser o governo socialista a maior desgraça que podia ter acontecido ao nosso País. Esses arautos do pessimismo podem – se o quiserem fazer – anotar estes resultados, ainda que lhes causem azia ou dores de cabeça, ainda que os abominem. Tantas vezes já o escrevi, mas repito-o sem qualquer pejo: os Portugueses, afinal, confiam no Executivo chefiado por José Sócrates e dar-lhe-iam até, se as eleições se realizassem agora, uma maioria absoluta mais… absoluta.

Não sou eu, por consequência, quem embandeira em arco – se assim acontece, são os cidadãos deste País. A quem os arautos da desgraça e os saudosistas de outras eras e outro regime auguravam a queda mais abissal. Os velhos do Restelo serão sempre assim: sentados, para não se cansarem muito, predizem, qual Profetiza de Delfos, as desgraças que descortinam quanto mais não seja no horizonte. Têm falhado.

Quer isto dizer que Portugal já atingiu um patamar de bater palmas? Só um tonto o faria. Eu, que não me considero completamente assim, registo os resultados e congratulo-me com eles. Não porque sou filiado e velho do Partido Socialista (N.º 1033…), mas porque desejo para o nosso Portugal as melhores e maiores felicidades.

Porque quero para os meus netos (os meus filhos são já crescidotes…) um País mais desenvolvido, onde o bem estar seja ambição concretizada, onde se viva com maior satisfação, onde se tenha orgulho de viver. E parece que vamos avançando no que concerne a esse desiderato. Passo a passo, devagarinho, mas aparentemente de forma sustentada. O que quer dizer que todos nós temos de acelerar. Milagres não existem. Trabalho, produtividade, qualificação, pertinácia são a chave do sucesso. Que temos direito a alcançar.

Por agora, fico-me por aqui. Os dados da Markteste são significativos. As sondagens e os inquéritos valem o que valem, mas, de qualquer forma, indiciam sempre qualquer coisa. Para os que gostam dos resultados um só pedido: continuem a seguir em frente e aumentem a velocidade. Para os que não gostam: não comam. Ponham na beirinha do prato. Estão no seu direito. Deles, obviamente.

domingo, fevereiro 18, 2007


O ano do Porco- ou porco?

*祝你豬年笑口常開
Que o Ano o mantenha sorridente, apesar de tudo
的一年行好運 ,快快樂樂 ,身體健康 ,事業有成
Boa sorte, felicidade, saúde e sucesso



Antunes Ferreira
Diz a lenda mais antiga da China que Buda, antes do Nirvana, chamou todos os animais para uma grande festa de despedida. No entanto, e apesar do aliciante, apenas vieram 12. Então, o Senhor, decidiu agraciar esses apoiantes e deu o nome de cada um, pela sua ordem de chegada, aos 12 anos que se seguiriam. Rato, Boi, Tigre, Coelho, Dragão, Serpente, Cavalo, Cabra, Macaco, Galo, Cão e Porco foram os contemplados. Tudo começou assim.

Mas, as coisas não ficaram por aqui. Além destes animais, que estão na base dos signos do Zodíaco Chinês, consideram os asiáticos que, para se complementar os horóscopos há que juntar-lhes cinco elementos da Natureza: Metal, Água, Madeira, Fogo e Terra. Enquanto o animal «regente» muda todos os anos, o elemento muda apenas de dois em dois. Logo, ciclos de 60 anos que se foram sucedendo até aos nossos dias. Hoje inicia-se, assim, o ano do Porco do Fogo.

É a maior festa chinesa, o ano novo lunar. As comemorações transbordam para as ruas; os panchões, o fogo de artifício, os pratos especiais, as bebidas mais refinadas, a alegria mais eufórica pintada a vermelho enfim, são, mais que obrigatórias, imprescindíveis. E, desde logo, não apenas no antigo Império do Centro. Veja-se a quantidade de chineses que se dispersaram pelo Mundo em diáspora imensa. Eu, que já assisti às festas na China e em diversas comunidades chinesas, posso atesta-lo.

Daí que se preveja que 2007 vai ser um ano fértil em eventos para comemorar. Este Ano do Porco do Fogo será tempo para assinalar os 200 anos da 1ª invasão francesa, de Junot, os 100 anos da criação dos escuteiros, os 50 do Tratado de Roma que criou a CEE e do aparecimento da televisão em Portugal, ou ainda os 50 anos do Sputnik e da criação da piña colada.

O Diário Digital publica hoje um curioso trabalho produzido pela Revista Macau, cuja síntese foi distribuída pela Lusa. O reinado do Porco tem significados assaz diferentes para os principais políticos portugueses. Ideia original, que há que saudar. De acordo com ela, 2007 parece mais favorável a Cavaco do que a Sócrates. Transcrevo, a esmo, algumas passagens do artigo.

Nascido a 15 de Julho de 1939, Aníbal Cavaco Silva é do signo Coelho e, segundo, as previsões dos almanaques chineses no trabalho, recebe «influências favoráveis» que abrem o caminho do sucesso, neste ano em que os nativos de Coelho «terão a visão e a determinação necessárias para alcançar os objectivos que definirem» e se tornarão «poderosos» se aceitarem desafios.

Com menos energias positivas e mais trabalho - ainda que, neste particular, será «provavelmente a área com maiores potencialidades», referem os almanaques - parece estar José Sócrates, do signo Galo.

No campo político poderá contar com a «ajuda» do seu «rival», Marques Mendes, igualmente Galo - os dois nasceram, respectivamente, a 06 e 05 de Setembro de 1957. E os astrólogos chineses lá têm as suas razões…Mesmo assim, para o primeiro-ministro, «apesar de previsíveis obstáculos e rivalidades, há a registar o surgimento do “homem nobre”». Mas fica o aviso: «os nativos do Galo devem preferir o sucesso real e discreto ao sucesso espectacular, já que este último atrairá rivalidades».

Quem não tem em perspectiva um ano muito positivo é Ribeiro e Castro, nascido a 24 de Dezembro de 1953 e, por isso, nativo de Serpente, que será o signo «mais desafiado ao longo de 2007». Deste modo, o líder do CDS/PP vai ter de continuar a estar com a maior atenção, já que «alguém vai querer impor-se e condicionar o destino dos nascidos sob o signo da Serpente».

Para Francisco Louçã, de 12 de Novembro de 1956 e portanto pertence ao signo do Macaco, o ano pode não ser «formidável, mas será animado» no campo sentimental com «muito convívio e muita festa» embora «pouca capacidade para controlar a evolução dos acontecimentos». 2007 será também um ano de «criatividade» para os nativos do Macaco como o líder do Bloco de Esquerda e, segundo rezam as previsões, o «seu valor profissional será reconhecido». Apesar das previsões positivas aconselha-se discrição «já que o excesso de exposição atrairá problemas».A vida, se for demasiado agitada poderá desequilibrar as «energias vitais».

Jogando «em casa», Jerónimo de Sousa, nascido a 13 de Abril de 1947, vai enfrentar o Ano do Porco num ambiente de incerteza. No campo sentimental, o líder do PCP poderá ter um ano marcado pela mudança. Mas, veja-se, «para os que vêm de uma experiência difícil, a mudança poderá significar o fim dos problemas»; mas a possibilidade de um acontecimento «seriamente negativo será pequena», referem as previsões.O campo do trabalho é o que oferece «maiores potencialidades» e se os nativos do Porco não cederem a dificuldades e mantiverem a serenidade e a confiança «o que parecia inicialmente um problema se transformará, em pouco tempo, em oportunidade e boa sorte».

Os dados estão lançados. 2007 para nós já começou a 1 de Janeiro. Hoje, para os chineses entra o ano do Porco do Fogo. Neste campo das previsões, já lá dizia o portista João Pinto, «só no fim do jogo». Frase que se tornou apologética pela ironia, mas que, bem vistas as coisas… pelo seguro ainda é o melhor…

sábado, fevereiro 17, 2007





Muito mais do que cachaça
* Ninguém – a não ser os próprios brasileiros – levava muito a sério o investimento do país do Carnaval na produção de etanol.

Mónica Bello

Há uns anos, aterrava-se numa cidade brasileira e os sentidos eram invadidos por um estranho cheiro amargo-doce que, ao contrário do que se poderia esperar, não se encontrava no fundo de um copo de cachaça. Nos anos 90, a indústria automóvel europeia (e norte-americana) mantinha-se empedernida, conservadoramente dependente do petróleo, surda aos avisos sobre os efeitos do aquecimento global e a anos-luz dos motores movidos a álcool. Ninguém – a não ser os próprios brasileiros – levava muito a sério o investimento do país do Carnaval na produção de etanol.

No espaço de uma década, tudo isto mudou e aquilo que era considerado um exotismo, está, hoje, promovido a um dos maiores negócios do novo século – sobretudo depois do grande “empurrão” dado pelo presidente norte-americano no discurso deste ano do “Estado da Nação”, em que Bush estabeleceu a meta de reduzir em 20% o consumo nacional de gasolina nos próximos dez anos. Ou seja, diminuir para 1/4 as importações do petróleo provenientes dessa zona do mundo incontrolável, que dá enormes dores de cabeça e se chama Médio Oriente. Nos EUA, a chamada presidencial pró-etanol não ficou sem resposta, até porque vão chover ajudas aos produtores nacionais de combustíveis mais “limpos”. E da indústria automóvel chegou também um sinal. Uma semana depois do discurso de Bush, as séries Indy arrancaram em Daytona para uma época 2007 “100% etanol”. E se os 650 cavalos de cada um destes Honda V8 de 3,5 litros não se queixam dos vapores alcoólicos, sobram poucos argumentos para a não reconversão da generalidade da indústria dos automóveis de trazer por casa.

No Brasil, maior produtor e consumidor mundial de etanol, a rainha deste novo “ouro verde” é a cana-de-açúcar. Com plantações que cobrem 2,35 milhões de hectares, a produção alimenta três indústrias: a do açúcar, a da energia eléctrica e a do álcool, sendo responsável, ainda, por 6% de todos os empregos do país. É o futuro. Ou é isso, pelo menos, que pensam os multimilionários do costume: ao café e algodão brasileiros, George Soros juntou no ano passado o etanol, Bill Gates investiu em três novas fábricas de etanol e os fundadores do Google também já anunciaram a intenção de seguir pelo mesmo caminho. Ali ao lado, no Peru, com as plantações de cana, de novo, nas mãos dos privados e um acordo de comércio livre assinado com os EUA, sucedem-se os investimentos – espanhóis, norte-americanos e brasileiros. E o panorama repete-se mais a Norte, na Colômbia e República Dominicana.

Quase 500 anos depois do português Martim Afonso de Sousa ter levado a cana-de-açúcar para a América do Sul, não deixa de ser irónica a ausência dos grandes investidores portugueses da energia (onde o Governo de Sócrates mantém a última palavra) neste novo filão do comércio mundial. EDP e Galp têm aumentado a presença no Brasil. Mas, até agora, sem açúcar.

Imperdível mas perdoável

Ora pronto. Mais um a juntar ao de baixo… De novo o blog da nossa Embaixada em Brasília. Daí que, reincidente e contumaz, o que me resta é, tão-só, repetir o que ali digo no que concerne a agradecimentos. Mas também, aplaudir a Mónica Bello (
mbello@economicasgps.com) que aborda uma questão de uma tão grande importância – e fá-lo de forma simples, informada e compreensível para o comum dos mortais. Parabéns Mónica. E, por extensão, ao Diário Económico, onde ela é gente importante. Ao qual não pedi autorização para esta transcrição. Penso que estou perdoado. A.F.



Lisboa - a mais segura da Europa

* Lisboa é a capital mais segura da Europa, segundo uma pesquisa realizada pelo grupo Gallup para o Instituto de Pesquisa Inter-regional de Crime e Justiça das Nações Unidas (UNICRI).

Ao invés de recorrer aos dados disponibilizados pelas autoridades policiais, a pesquisa incluiu entrevistas com 1200 cidadãos de cada cidade sobre as suas experiências. Das pessoas interrogadas em Lisboa, apenas 10% revelou ter sido vítima de delitos comuns. A percentagem foi a mais baixa da União Europeia e Lisboa foi seguida por Atenas e Budapeste (13%) e por Madrid (14%). Em Portugal, os crimes contra imigrantes estão também entre os mais baixos.

A pesquisa revela ainda que 15% da população europeia foi vítima de um crime comum em 2004, o que representa uma queda em relação ao último estudo efectuado em 1995, quando o resultado foi de 21%. Mais informações sobre Lisboa e outros destinos em Portugal em http://www.visitportugal.com/

O blog da Embaixada
O blog da Embaixada de Portugal no Brasil continua a tarefa a que se propôs de forma excelente, persistente e sempre mais completa. O Travessa do Ferreira tem-se socorrido muitas vezes dele, como hoje acontece. E não podia deixar de o registar e acentuar, pois que recorrer a ele torna-se quase obrigatório. A selecção que é feita pela equipa chefiada pelo Chico Seixas da Costa e o permanente empenho posto nos temas que relacionam os nossos dois Países, levam a que, até, despreze outras fontes de informação. O caso acima é paradigmático. Muito obrigado, Amigos.
A.F.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007




Jardim e os tomates

Antunes Ferreira
O inefável Alberto João Jardim está – como costuma estar – ao ataque! Franco atirador, não se pode dizer que seja um sniper. Falta-lhe habilidade, subtileza e pontaria para tal, ele que dispara a peito aberto. Como bom zulu que se preza de ser, vê-lo apontar ao alvo com arco e flechas grandes seria normalíssimo.

Desta feita e a propósito do referendo sobre a IVG, Alberto João diz que os portugueses do Contenente não têm testículos. Podia ter dito tomates ou mesmo…, a sua língua desbragada é capaz de tudo. Parece, no entanto, que falou apenas em falta de testículos. Para quê? Para dizer que o resultado do referendo à interrupção voluntária da gravidez (IVG) não é vinculativo. Ele sim, ele tem-nos e no lugar. Se não o acentuou, pensou-o. Logo, prometeu levar a sua posição – contra a aplicação da futura lei na Madeira – até ao Tribunal Constitucional.

Antes, ou seja, em declarações aos jornalistas depois de ter votado no referendo, no Funchal, afirmara que "se o Estado legislar a favor disso [do sim], vai ter que dar dinheiro à Madeira, nós não estamos preparados, nós não temos dinheiro porque fomos roubados. Quem nos tirou dinheiro vai ter de pagar".

Ora bem. Entre a população capada e a massa que lhe falta por ter sido «roubado», sem especificar porquê, o homem continua a virar-se contra o poder central e a dar as cambalhotas necessárias para que o crime, o seu crime, compense. Entre ameaças e chantagens, ele continua imparável. Até já fala em eleições antecipadas para a Região. Não me restam dúvidas: os pobres de espírito julgam normalmente que conquistam o reino… da asneira.



Liberdade, Segurança
e Terrorismo


José Augusto Sacadura
A guerra contra o terrorismo desencadeada pelo mundo ocidental após os trágicos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 tem vindo a dar relevo crescente à vertente securitária, alterando o equilíbrio social que tradicionalmente vigora no binómio “liberdade/segurança”, fundado no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Trata-se do interminável conflito entre os valores da liberdade e da segurança. A necessidade de lutar com maior eficácia contra o horror do terrorismo global acaba inevitavelmente por impor a adopção de medidas e a utilização de mecanismos que são, teoricamente, susceptíveis de pôr em risco ou de causar dano às liberdades fundamentais.

Não se discute a utilidade prática da retenção de dados de tráfego, no âmbito da prevenção criminal ou da investigação policial. A mesma encontrava-se já prevista, justamente desde os atentados de Madrid de 11 de Março de 2004, no plano de acção da União Europeia contra o terrorismo.

Também é indiscutível a enorme utilidade das técnicas de vigilância como instrumento de prevenção criminal, de auxiliar da investigação policial e para recolha de meios de prova dos crimes cometidos. Mas é lícito recear as consequências da respectiva utilização abusiva, designadamente para fins atentatórios das liberdades individuais.

Por outro lado, é fácil reconhecer que é nos períodos de maior insegurança social, marcados pelo terrorismo ou por outras formas de criminalidade mais violenta que se torna mais fácil fazer adoptar essas e outras medidas de cariz securitário, mais rigorosas e musculadas.

Será hoje possível a uma democracia lutar com eficácia contra o terrorismo “total” respeitando, ao mesmo tempo, os direitos dos cidadãos, inerentes a um Estado de Direito? Como poderão esses Estados fazer face a este “novo terrorismo” que procura fazer o maior número possível de vítimas, sem renunciar, ao menos parcialmente, aos direitos fundamentais de que se reclamam paladinos? É que a vulnerabilidade dos regimes democráticos perante o terrorismo, em grande medida resultante das liberdades que proporcionam e cujo exercício as democracias tornam possível aos cidadãos não deverá levá-los a reacções excessivas. A questão está em saber se poderão os Estados democráticos escapar a tal excesso.


O último patamar da barbárie

Em causa está a análise de diversas questões, girando, todas elas, à volta da necessidade de lutar com eficácia e sem desfalecimentos contra organizações e actividades terroristas que se aproximam desse último patamar da barbárie, que é o “terrorismo “total”, e, ao mesmo tempo, de respeitar os direitos fundamentais da pessoa, trave mestra das nossas democracias assentes no primado do Estado de direito.

Nesta procura de conciliação entre os valores da segurança e da liberdade, importa ter presentes, por um lado, o princípio da necessidade ou da proibição do excesso, e, por outro, os procedimentos respeitantes à harmonização prática dos direitos fundamentais em conflito ou em colisão.
Sendo inquestionável que os Estados democráticos têm o direito, que é também um dever indeclinável, de proteger as respectivas colectividades mediante a adopção das medidas mais eficazes e adequadas para o combate ao terrorismo, isso não invalida, porém, a crítica que devem merecer os procedimentos que, à luz daquela luta, se revelem desnecessários, excessivos ou desproporcionados.

Todavia, a acção dos serviços de polícia ou de informações e o funcionamento dos mecanismos de cooperação internacional podem revelar-se insuficientes para fazer frente ao terrorismo, em termos de prevenção ou no respectivo combate. Tornar-se-á então, porventura, necessário recorrer a medidas excepcionais, tais como o reforço dos controlos pessoais, as escutas telefónicas ou a intercepção das telecomunicações, a vigilância do correio electrónico, a limitação das deslocações dos cidadãos considerados perigosos, a introdução de tribunais de excepção, a generalização da figura do “arrependido”.


Ponderando acerca das medidas de ingerência na vida privada, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) admite que a luta contra o terrorismo permite a utilização de métodos específicos: “As sociedades democráticas encontram-se ameaçadas nos nossos dias por formas muito complexas de espionagem e pelo terrorismo, de modo que o Estado deve ser capaz, para combater eficazmente essas ameaças, de vigiar sob segredo os elementos subversivos que operem no seu território”.

E prossegue: “O Tribunal deve, portanto, admitir que a existência de disposições legislativas visando conceder poderes de vigilância secreta da correspondência, das comunicações postais e das telecomunicações é, perante uma situação excepcional, necessária numa sociedade democrática à segurança nacional e/ou à defesa da ordem e à prevenção das infracções penais”.

O Tribunal admitiu também que a utilização de informações confidenciais é essencial para combater a violência terrorista e a ameaça que pesa sobre os cidadãos e sobre todas as sociedades democráticas. Isso não significa, porém, que as autoridades de investigação tenham “carta branca” para deter suspeitos para interrogatório, sem sujeição a qualquer controlo efectivo por parte dos tribunais internos ou pelos órgãos de controlo da Convenção, sempre que decidam afirmar que ocorre uma infracção terrorista.


A “eliminação física”

P
or outro lado, deve entender-se que o artigo 2º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem não exclui que a utilização intencional de uma “solução de eliminação física” possa ser justificada se for absolutamente necessária para prevenir certas formas de crimes. Isso deve ser, no entanto, efectuado em condições estritas por forma a respeitar o mais possível a vida humana, mesmo a respeito das pessoas suspeitas de preparar um ataque terrorista.

Analisando esta matéria, o TEDH observou o seguinte: “Assim sendo, para determinar se a força utilizada é compatível com o artigo 2º CEDH, o Tribunal deve examinar com muita atenção (...) não só a questão de saber se a força utilizada pelos militares era rigorosamente proporcional à defesa de outrem contra a violência ilegal, mas também se a operação anti-terrorista foi preparada e controlada pelas autoridades de forma a reduzir ao mínimo, na medida do possível, o recurso à força destruidora (force meurtrière)”

Parece concluir-se que estas recomendações não terão sido observadas no âmbito da operação anti-terrorista realizada em Londres pela polícia inglesa, após os atentados terroristas de Julho de 2005, de que resultou a morte de Jean-Charles de Menezes, um cidadão brasileiro inocente.

Receio, porém, que, num cenário de terrorismo global ou de destruição maciça (mass killing, mass murder), caracterizado pela procura do “máximo efeito letal” possível, os Estados sejam incapazes de controlar a medida da sua resposta, balizando-a nos termos expostos. Na verdade, temo que o respeito pelas regras da proporcionalidade e da proibição do excesso apenas possa ter aplicação enquanto o “terrorismo total” for uma simples ameaça, embora preocupante e séria. Mesmo assim, que dizer do transporte de prisioneiros em voos clandestinos ou de práticas de interrogatório ou de tortura desumanas e intoleráveis?

É legítimo, assim questionarmo-nos sobre o que acontecerá se uma manifestação terrorista subsumível ao conceito de “terrorismo total” vier, um dia, a concretizar-se. Nesse caso, será de recear que os ordenamentos jurídicos e policiais das democracias atacadas se munam de medidas de natureza excepcional muito graves, quiçá, radicais, impostas pelo pânico e pela urgência da situação. Queira-se ou não, haverá que admitir como muito provável que, num tal cenário de barbárie, os direitos fundamentais não deixarão de ser restringidos ou violados.

Mas não nos iludamos: entre as cinzas do apocalipse terão ruído também os fundamentos da própria democracia.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007




"Brasil real..."
* Uma entrevista inquietantante em O Globo

Arnaldo Jabor volta, por direito próprio, a este blog. Desta feita, na sua coluna ele publicou uma entrevista dada ao diário brasileiro O Globo por um criminoso conhecido por Marcola**, que é o chefe dos "gangs" brasileiros que puseram S. Paulo a ferro e fogo e que se encontra preso. Leia-se com a maior atenção e com muito cuidado, pois o assunto é terrível. Para quê mais comentários? Como sempre, respeito a expressão e a forma de escrever no Brasil. A.F.

- "Você é do PCC?"*

- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível... vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias. A solução que nunca vinha... Que fizeram ? Nada. O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos morros ao amanhecer", essas coisas... Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto... Leio Dante na prisão...

- Mas... A solução seria...

- Solução? Não há mais solução, cara... A própria ideia de "solução" já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento económico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma "tirania esclarecida", que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC...) e do Judiciário, que impede punições.

Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até Conference Calls entre presídios...) E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do país. Ou seja: é impossível. Não há solução.

- Você não tem medo de morrer?

- Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar... Mas eu posso mandar matar vocês lá fora... Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba... Estamos no centro do Insolúvel, mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração... A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala... Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em "seja marginal, seja herói"? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né?

Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante... Mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem.

Vocês não ouvem as gravações feitas "com autorização da Justiça"? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, Internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.


- O que mudou nas periferias?

- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório. Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no "microondas"... Ha, ha...

Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de três-oitão. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.

- Mas o que devemos fazer?

- Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas... O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas.

O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, "Sobre a guerra". Não há perspectiva de êxito... Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete antitanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí... Pra acabar com a gente, só jogando bomba atómica nas favelas... Aliás, a gente acaba arranjando também "umazinha", daquelas bombas sujas mesmo... Já pensou? Ipanema radioativa?

- Mas... não haveria solução?

- Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a "normalidade". Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco... na boa... na moral... Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês... não têm saída.

Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: "Lasciate ogni speranza voi che entrate!" "Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno. "

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* PCC – O Primeiro Comando da Capital é uma organização de criminosos existente no Brasil, criada para supostamente defender os direitos de cidadãos encarcerados no país. Surgiu no início da década de 1990 no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, local que acolhia prisioneiros transferidos por serem considerados de alta periculosidade pelas autoridades. A organização também é identificada pelos números 15.3.3; a letra "P" é a 15ª letra do alfabeto português e a letra "C" é a terceira. Hoje, é comandada por presos e foragidos principalmente no Estado de São Paulo. Vários ex-líderes estão presos (** como o criminoso Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo Marcola, que cumpre sentença de 44 anos, principalmente por assalto a bancos, no presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes e ainda tem respeito e poder na facção). O PCC conta com vários integrantes, que financiam acções ilegais em São Paulo e em outros estados do país. (Wikipedia)







À VOLTA DO ANO

Fevereiro

Maria Lúcia Garcia Marques
Assim à primeira vista, Fevereiro parece um mês mal amanhado, diria mesmo um mês falhado, dado que manigâncias contabilísticas lhe roubaram dois dias e ele ... ficou-se! Como diz o Rifoneiro, “Fevereiro coxo, em seus dias vinte e oito” e, crítico: “Fevereiro, o mais curto mês e o menos cortês” e insinua: “Fevereiro trocou dois dias por uma tigela de papas”.

Mas aqui, atenção!, há forte injustiça gastronómica porque (digo eu) “Fevereiro, dente no fumeiro”! e aí temos a apoteose dos enchidos – uma boa morcela da Guarda, bem “torrada” mai los grelos e a batata duma horta ribeirinha; um chouriço e umas febras no braseiro da lareira a envolverem a noite do lar em cheiros capitosos ... Um mês assim merece mais do que ficar entalado entre dois confrades, a modos de charneira de almanaque.

E é por isso que Fevereiro tem a sua graça quando lhe desaba o Carnaval, nos seus brilhos e enganos, breve reinado do Faz-de-Conta ardendo no meio de plumas e ouropéis, em corsos e desfiles a alardear um gozo de encomenda mais ou menos desesperado. Toada de um “Orfeu Negro” a morrer na 4ª feira ...
Eu não gosto do Carnaval, como não gosto dos contos de fadas azul-céu porque não são nem verdadeiros, nem definitivos, nem seguros – são falsas passagens anestesiantes por cima do que verdadeiramente a carne vale ... E ela, mesmo sem disfarces, tem perfume e sabor. É concreta e estimulante. Sorve-se e guarda-se como o sumo de uma laranja. A laranja é a glória dos frutos e o triunfo de Fevereiro. No seu surrealismo militante, Paul Éluard globalizou: “A terra é azul como uma laranja “. Eugénio de Andrade casou-a com o Universo: “Na laranja o sol e a lua / dormem de mãos dadas” (in Antologia Breve) e hierarquizou assim uma sua cosmogonia:

“Inventar a cor primeiro
das laranjas
depois o sol escorrendo dos
lábios
só depois o trevo só depois
a neve”
(in Rente à fala)

E este frio último, fixando como um verniz a intensidade do quadro, veste Fevereiro como uma luva. Lembra um desenho de Cruzeiro Seixas, ou o “Samba de uma nota só”, ou o final de Casablanca. Lembra-me as tirinhas de casca de laranja cristalizada, envoltas em chocolate, da saudosa Ferrari, a desfazerem-se-me na boca.

Porque Fevereiro é-me assim: agridoce, adstringente e breve!

quarta-feira, fevereiro 14, 2007




A ALICE VIEIRA NÃO TEM CURA

Pezinhos de Coentrada

Antunes Ferreira
Bom. Não quero que julguem que transformei este blog num pulverizador de incenso, muito menos num queimador de mirra, ou até num discurso de elogio eterno e total. Elogio a sério, mesmo, mesmo, mesmo a sério, como diz o Ricardo Araújo Pereira, só há um – o da loucura. Do senhor Erasmo de Roterdão, que o escreveu em 1509 e o publicou em 1511. O Elogio da Loucura, (em grego Morias Engomion, Μωρίας Εγκώμιον, em latim Stultitiae Laus) é considerado um dos mais influentes livros da civilização ocidental e um dos catalizadores da Reforma Protestante, diz a Wikipedia que parece estar em risco de morrer. Estas merdices não acontecem só em Portugal.

Porquê este intróito? Ultimamente quase só tenho escrito bem de obras literárias diversas. E digo quase porque uma excepção abri para um coiso qualquer da Babilónia, livro intragável, na minha modesta opinião do senhor doutor António Lobo Antunes. Mas, há mais a quem vai sair a bola negra. A começar pelo senhor António José Saraiva. Preparem-se.

Desta feita, porem, aqui estou a dar testemunho de gratidão a outra autora que durante uns anos comigo acamaradou no Diário de Notícias. A Alicinha Vieira. Abro aqui um pequena parentética. Naquele jornal de tão grande história e de tamanhas tradições reuniu-se uma plêiade de cultores da arte de bem escrever que, não fora o plágio, quase me atrevia a chamar-lhe a ínclita geração literária. Desde a Alice ao Zambujal, desde o Dacosta ao João Aguiar, havia de tudo – e bom. A ovelha negra era um gordo de óculos e barba, cujo nome não indico por puro falso pudor.

Não me canso de o dizer e escrever. Até porque adoro alinhavar (mal, por certo) umas quantas palavras em frases com algum sentido e correcção q.b.. Só que estes senhores gajos são de outra galáxia, eu sou um ínfimo estagiário de ajudante de auxiliar de praticante da escrita. O Camões diria miserando. Eu, não, pela razão apontada no parágrafo anterior.

Vamos a factos. Foi mais uma corrida contra relógio, na verdadeira acepção do termo. Corrida deitada, que em pé cansa muito. Meti olhos a caminho nos Pezinhos de Coentrada e só parei no fim, desculpem-se o pleonasmo. Porem, foi assim mesmo. Ninguém foge ao seu destino, cantava a Amália Rodrigues, mas neste caso o destino nem marcou a hora. Esta passou, passou, passou-se. Sentença de julgamento sumaríssimo: culpada. A Vieira, Alice. Reincidente, aliás.

Já me lançara uma primeira isca, nesses tempos heroicos do DN, com uma tal Rosa, minha Irmã Rosa. Que era literatura infantil e tal, que ia ganhando tudo o que eram prémios a tal escrita destinados e assim, que não fazia mal a ninguém e por aí fora. E eu, enganado. Engoli isca, chumbo, linha, carreto e cana telescópica. Só me safei do peixe porque detesto suchi. Foi a minha primeira directa com a Alice Vieira, salvo seja, que me perdoe o Mário Castrim onde quer que esteja, não se veja aqui maldade nem pecadoras intenções.

Claro que ofereci a Rosa a tudo que era criancinha mais ou menos crescidota. Os meus netos, de colheita muito mais recente, têm o livro, oferecido pelo tal gajo gordo, de óculos e barba. E os direitos da autora a aumentarem. No entanto, e pese embora essa estória do vil metal (que sabe bem e muito porque é com ele que compro mais livros e coisas assim), a Minha Irmã Alice, maila Rosa, tudo mereceram e merecem. E merecerão, oxalá por muitos anos e bons.

Estes Pezinhos são deliciosos. E a coentrada, perfeita. O estilo leve da Alice lê-se, devora-se e apreende-se sem necessidade de quaisquer tábua de siglas, glossário ou nota explicativa. Uma enorme escritora como a Alice é, não precisa de quem lhe divida as orações tal como no nosso tempo se fazia ao pobre do Zarolho. De resto, ela nem é muito de orações, é mais de corações.

Se me pusesse aqui a citar as estórias, as crónicas, os apontamentos que constituem o livro, entrava por um campo minado de se lhe tirar o chapéu. A inveja é péssima. E lá ficava a Rita a perguntar-se porquê a azia do taxista matinal a considerava eu uns furos acima da Marta almoçareira, ou por que bulas a tia Mafalda me enchera o papinho em detrimento da tia Clara.

Ná, não me meto nessa. Apenas te mando, Alice, um queijo (até rima com beijo que é muito prosaico) e um agradecimento. Ambos telúricos.

terça-feira, fevereiro 13, 2007




DACOSTA CONTINUA

Máscaras de Salazar

Antunes Ferreira
Um sujeito já não está para estes trotes. Mas, diz-se que o homem põe e o deus dispõe. A ser assim, fui eu próprio que me meti nestas alhadas e nada de choramingueiras. Está feito, está feito. Mas não perfeito. Porque em boa da verdade há tempos para fazer e tempos para desfazer, há horas para trabalhar – infelizmente – e horas para destrabalhar. Há momentos de concentração e há momentos nos campos de. E não venham com aquela do Arbeit macht Frei que o Adolf mandava pespegar às portas desses mesmos campos. O trabalho dá a liberdade? Onde é que já se viu isso? O bom povo usa dizer que o trabalho dá saúde; então – que trabalhem os doentes, acrescenta um bom Amigo.

Vem este prolegómenos a propósito de umas directas em que me tenho embrulhado. Já nestas colunas apostrofei devidamente alguns dos desencaminhadores militantes que a tal me têm levado. Não querendo cair no repetitivo parvalhão, vamos ao que me trouxe aqui e neste momento preciso.

Trata-se da quinta leitura, de fio a pavio, das Máscaras de Salazar que o meu Amigo Fernando Dacosta já leva na 16.ª edição. É obra, meninos, é obra. Não apenas as dezasseis edições, mas a leitura número cinco que estou a terminar. E com a quase garantia de que a obra se vai tornar livro de mesinha de cabeceira. Para já – já está na poole position.

O Fernando, que já tive a sorte e o privilégio de ser meu companheiro de trabalho, não escreve muito bem; tem uma escrita divina, fluida, saborosa, que me maravilha e encanta. A mim e a uma grande quantidade de cidadãos. E nem seriam precisos os prémios literários que vai coleccionando para assim se concluir. Aliás, o Dacosta também compila edições esgotadas, outro atestado de culpa e com circunstâncias agravantes.

Recordo-me, estávamos os dois labutando quotidianamente no Diário de Notícias, quando o tipo ganhou o Grande Prémio do Teatro RTP com Um Jipe em Segunda Mão. Ainda íamos no princípio dos abraços de felicitações e, toma!, vem o Prémio da Associação Portuguesa de Críticos. Continuávamos a congratular-nos e, já que não há duas sem três, junta o Prémio Casa da Imprensa. Nem tivemos tempo para arrumar a euforia. O gajo é lixado.

Porém estas Máscaras de Salazar são «muitíssimo especialíssimas»… Se não conhecesse de longa data o Fernando, perguntar-me-ia onde tinha ele ido arranjar tempo, paciência e pertinácia para registar um tal acervo de informações sobre o ditador de Santa Comba. Mas, o Dacosta é assim. Está sempre, em simultaneidade, a fazer 235,6 coisas, qual delas a mais complicada. Excepto, claro, o escrever - que lhe deve ter nascido com o primeiro dente de leite.

Já o fiz a celebridades, até mesmo a personalidades, muitas vezes por educação, nunca a contra-gosto, porque não gosto de mentir. Tenho de te agradecer, meu Amigo Fernando. Porque, para alem de já neste curto espaço de tempo ter confirmado as Máscaras como livro de cabeceira – com alguns, poucos, mais – tenho de te pedir que continues a parir obras destas – primas? Tias? Madrinhas? – mas que não me lixes as noites que, segundo se afirma um tanto despudoradamente, se fizeram para dormir.

Fizeram? Mas vem de lá um tal Fernando Dacosta – e está tudo tramado.



Sismos & sismos

Antunes Ferreira
Para quem não anda muito a par destas coisas, é conveniente relembrar aqui o Senhor Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras e marquês de Pombal. Nos tempos em que havia criadas, em minha casa servia a Olívia que perguntava quem era aquele marquês do pombal e se era verdade que uns gajos mal enjorcados davam trigo roxo às avezinhas do tal pombal. O que é que ele tinha feito para lhe botarem o nome numa praça daquele tamanho?

Ciganos ou comunistas, quem sabe, acrescentava a Senhora Ângela, uma espécie de como quem diz mas não exactamente que fazia de tudo um pouco no segundo esquerdo da Rua Filipe da Mata, 122, ainda lá está o prédio, pintadinho e arranjadinho, ao invés dos desgraçados edifícios que por aí andam a cair aos bocados à espera de que um abanão a sério lhes resolva de vez os problemas de esqueletos metalico-osteoporóticos, canos de esgoto colestrólicos e azulejos dermatóticos profundos e crónicos.

Ontem foi dia de são terramoto (ou terramoto são, saudável, pacífico, desarmado, ineficaz, insípido) por estas paragens portugas e, ainda, umas quantas espanholas. O que é muito bem feito, ninguém as mandava estarem aqui encostadinhas à malta, à espera que um sismo a valer enterre o rectângulo a ocidente, a fim de que Badajoz, Salamanca, Huelva, Cáceres … e até Olivença (aqui a história tem que se lhe diga) venham a ter praias atlânticas do mais alto coturno. Isto de vizinhos é como os melões: só depois de se abrirem é que se lhes vê os podres – e as pevides.

Notícias do abalo

Rezaram os meios de comunicação que um sismo de magnitude 5,8 na escala aberta de Richter, o maior sentido nos últimos 30 anos em Portugal continental, fez tremer o país de norte a sul, sem provocar danos pessoais ou materiais. O abalo registou-se às 10:36 e teve o epicentro a 160 quilómetros a sudoeste do Cabo S. Vicente, no Algarve, e foi principalmente sentido no centro e sul de Portugal.

Em Lisboa, uma fonte do Regimento Sapadores Bombeiros disse que não receberam nenhum pedido de ajuda, mas apenas telefonemas para saber notícias do sismo. No Algarve, uma fonte da Protecção Civil de Faro adiantou que o sismo foi sentido em toda a província, mas não houve registos de danos ou vítimas.
No Alentejo, o abalo foi registado em concelhos do distritos de Beja e Évora, bem como em vários concelhos dos distritos de Santarém e Leiria, confirmaram os respectivos Centros Distritais de Operações de Socorro (CDOS).

De acordo com as autoridades, não existe qualquer indício de danos e os relatos apontam para um sismo de breves segundos, que poderá ter sido imperceptível para algumas pessoas. O sismo alcançou a magnitude de 4 na escala aberta de Richter na Andaluzia, chegando mesmo a sentir-se em edifícios mais elevados de Madrid. Fontes do Instituto Geográfico Nacional (IGN) na capital espanhola referiram que não se registava um abalo tão forte na Andaluzia há mais de dez anos.



E o túnel do Pombal?

É assim. Vivemos sobre uma fractura da crosta terrestre da qual não me ocorre o nome. Justifica uma visitinha ao Google. À mais pequena abanadela, pode-se gritar pelo Sebastião, já que pelo Gregório tem significado e conotações completamente distintos. Temos a mania de dizer que são os açorianos os maiores especialistas na matéria. Não são. Veja-se a notícia cuidadosamente elaborada na Lusa. Os bombeiros lisboetas apenas receberam telefonemas para saber notícias do sismo. Quem disser o contrário, mente com quantos dentes tem na boca, incluindo os cariados e os obturados. Somos uns bacanos.

Nestas coisas de tremores há os brincalhões que citam a doença de são Vito. Não me parece bem. Um destes dias estes herejes ainda se arriscam a um pãozinho de Mafra feito de trigo roxo. A vingança de pombal. Já que do Pombal ela só teria razão face ao famigerado túnel que lhe roubou o nome e que não há meio de ser inaugurado. Semelhantes só as obras de Santa Engrácia ou as do metropolitano do Terreiro do Paço, ainda que as primeiras já tenham sido concluídas.

Livre-nos deus-nosso-senhor de um epicentro subterraneo-tunelar. Então é que haveria eleições intercalares para a CML, por mais que o Senhor Carmona diga que não. Então é que aconteceria um terremoto ali para as bandas da Praça do Municipio. Então é que desejaria que ele fosse eficaz.

domingo, fevereiro 11, 2007




A promulgação





Nuno Brederode Santos
OPINIÃO - DN de 2007/02/11
O Presidente da República promulgou a Lei das Finanças Regionais. E fê-lo "dissipadas que foram as dúvidas de constitucionalidade" e "após cuidada ponderação dos diversos interesses em presença".

Para uma resposta de circunstância e orgulho ferido foram convocados novos heterónimos de Alberto João Jardim: no caso, além da Fama (que, a tê-la, é má), os deputados Miguel Mendonça (também presidente da Assembleia Legislativa) e Gabriel Drumond. Pudemos assim ver a elite do jardinismo comparar Cavaco a Pôncio Pilatos e acusá-lo de "receio" perante o Governo (que é "mentiroso e caloteiro") e de "deslealdade" para com os madeirenses (que "o elegeram"). Entre muitas mais acusações, só não houve uma palavra para retomar as insinuações independentistas e as ameaças de demissão de Jardim para provocar eleições.

Filmado pela televisão no Funchal, um transeunte de bom trajo e melhores falas justifica a decisão de Cavaco, sublinha que ele é insuspeito porque até "é do mesmo partido" e conclui, desdramatizando, que a verba da discórdia nem é assim tão grande: bastaria o Governo Regional deixar de subsidiar o "seu" jornal e os clubes de futebol da Madeira. Vi nisto auspícios para os três grandes problemas que nos estão colocados.

O problema de Jardim foi a surpresa de finalmente encontrar no Governo central uma atitude de firmeza: nunca lhe respondeu por palavras (Sócrates fê-lo na Madeira, mas enquanto secretário-geral do PS), mas não cedeu no exercício das suas competências. Mas foi também aquele que aqui escrevi em 26 de Março do ano passado: "Talvez um dia Jardim perceba que a eleição de um Presidente oriundo do PSD (no caso, aquele a quem bondosamente tratou por "Sr. Silva") pode não ter sido um episódio feliz da sua vida".

O problema da Madeira é a renovação a prazo de uma equipa dirigente formada no caciquismo, na impunidade, na demagogia, na irresponsabilidade, na retórica independentista, no desbragamento verbal e na total ausência de solidariedade, institucional e nacional. E mesmo que hipoteticamente na oposição, este problema não se resolve, sem delongas e custos escusados, enquanto o PSD o encobrir e não se empenhar também na solução.

Finalmente o problema de Portugal: o que esperam os ansiosos da regionalização (administrativa) enquanto a imagem que dela tem o eleitorado possa aparecer marcada pela Madeira de Alberto João Jardim?


As flores do Jardim

Antunes Ferreira
Trago hoje a estas colunas a habitual crónica que o meu Amigo Nuno Brederode Santos publica aos domingos no Diário de Notícias. Uma outra vez o faço sem curar de autorização prévia para assim proceder. Mas pelo quotidiano da Avenida da Liberdade ainda há boa gente que se recorda de mim e dos 16 anos que ali trabalhei – e vivi. Relevam-me, portanto, estou certo, mais esta falta. Obrigado.

E, antes do mais, um abraço e uma anotação. O primeiro vai direitinho para o Nuno, Homem da Cultura e autor insigne de uma prose que sabe bem ler – e faz bem ler. Sabes, Nuno, a admiração que desde sempre por ti tenho. Sabes como devoro o que escreves, como aplaudo a tua idoneidade, como admiro a tua finíssima ironia. Por tudo – muito obrigado.

A anotação. Lutador de muitos combates em prol da Democracia e da Liberdade, Nuno Brederode Santos tem hoje, neste domingo 11 de Dezembro, a acompanha-lo um resultado histórico no referendo sobre a IVG. O SIM venceu por margem convincente. Não sei qual terá sido o sentido do voto do meu Amigo Nuno, ainda que o presuma. No entanto, impunha-se-me a anotação.

Há um ano tinha prometido a mim mesmo e aos que me acompanham, quer na feitura, quer na leitura deste blog que não voltaria tão depressa ao senhor da Madeira. Ele, de resto, tudo faz para que não o ignorem. De charuto em punho e logo após a promulgação pelo Presidente da República da Lei das Finanças Regionais, ei-lo, de forma alvar, a desancar o Chefe do Estado.

De quem, aquando da eleição dissera maravilhas. De quem, igualmente, tempos antes também, quando ainda Cavaco era primeiro-ministro, dissera cobras e lagartos, chamando-lhe em tom de ironia caricatural o “Senhor Silva”. Ao dr. Alberto João não se pode negar a habilidade. Não se trata de equilibrar uma bola colorida na ponta do nariz, como uma foca bem viva; trata-se, sim, de imitar na perfeição um outro animal, desta feita sem vida: um cata-vento.

Já uma vez aqui me perguntei: a Madeira é um jardim, como cantava o saudoso Max, ou é o Jardim, como cantam os apaniguados dele, o patrão?

O processo político português tem momentos complicados, momentos desgastantes, momentos inquietantes e momentos hilariantes. Os que o Dr. João Jardim protagoniza são um potpourri de todos eles. É obra.

Avisaram os mandados pelo dr. Jardim que irão recorrer aos tribunais, e o primeiro deles será o Constitucional. Não sei se terei ouvido mal ou lido ainda pior. Por vezes custa a crer. Então não foi consultado justamente o Tribunal Constitucional pelo Presidente da República, antes da promulgação, para que, se fosse caso disso, fossem dissipadas eventuais dúvidas sobre a constitucionalidade da Madeira?

E não foi, ainda, o próprio Palácio de Belém que anunciou a promulgação após ter obtido do mesmíssimo Tribunal Constitucional a opinião necessária e suficiente para que essas eventuais dúvidas desaparecessem?

Sendo assim c’os diabos: o dr. Jardim quer que o TC volte com a palavra atrás para o safar a ele próprio dum berbicacho de que foi o autor? O dono da Madeira pretende que os juízes constitucionalistas façam horas extraordinárias para darem o dito por não dito? Mesmo sem cabimento de verba para o efeito?
Quid juris, prof. Teixeira dos Santos? Um destes dias, ainda assistiremos ao dr. Alberto João, devidamente acompanhado pelos seus instrumentistas a cantar o «ó tempo volta pra trás» do António Mourão.

Ai, dr. Jardim. Está-se a acabar o volumoso euro-adubo suplementar provindo do «Contenente» para que continuasse a fazer flores - entre a informação e o futebol. E um jardim sem flores é como uma guitarra num enterro. Salvo seja.





Gripe com homem

António Lobo Antunes
Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte, nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.


Coisas das celebridades

Antunes Ferreira
Quando nós andávamos no Lyceu Camões – é assim com y que está inscrito no frontão do edifício – já o António Lobo Antunes fazia perceber que seria um Mestre na arte de escrever. Digo-o com o à vontade suficiente, pois que, uma dos melhores professores que tive, a Maria Helena Lucas (mais precisamente três: a Clélia Marques, da minha quarta classe, ela, Maria Helena, nos anos do liceu e o Marcelo Caetano, na Faculdade de Direito. Que tinha tanto de bom docente como de péssimo examinador, de inteligente como de falso, de exigente como de intransigente e que toda a vida foi um político manhoso, meandroso e subserviente, até chegar ao desastre final como «chefe do Governo») dizia eu, a Maria Helena Lucas declarara na sala da minha turma que ou ele ou eu… Modéstia é o me não falta.

Eu, saí o que saí. Escriba canhestro, ainda que legível q.b.. Ele, grande autor, editado em não sei quantos países e em todos os continentes, hipotético prémio Nobel (despeitado) e por aí fora. Isto porque, no princípio de uma carreira brilhantíssima, escrevia primorosamente. O que foi fazendo, para meu grande prazer. Agora, em meio ao seu isolamento social que se aproxima do autismo, produz «coisas» inqualificáveis. É a minha opinião, ninguém ma pediu, mas mais vale ter uma, ainda que má, péssima, do que não ter nenhuma.

Veja-se o último livro: qualquer coisa da Babilónia. Li página e meia. Nada mais. Nunca mais. Conservo-o cuidadosamente, quase virgem, portanto. Para o oferecer em data consentânea a um dos tipos que mais abomine, como «prenda» de anos. Cabotino, só? Não, cretino literário. Onde vão os Cus de Judas?

No seu período magnífico, o António do meu ano liceal, aparentemente amigo para sempre, já se me revelou enfatuadamente distante. Não admira. Largáramos ambos os calções, a divisão das orações dos Lusíadas e as físico-químicas falsas como judas. Podíamos continuar como antes éramos. Mas ele, embarcado na galé da glória, condenou-me… às galés. Nem me reconheceu, anos depois de termos sido companheiros. Ou fingiu que não. As celebridades têm destas coisas.

A admiração que tinha pelo cultor da escrita, excelente, foi-se ficando pelo caminho, um tropeção aqui, um bordo acolá, uma desilusão acoli. Não por despeito, quiçá por desrespeito. O insigne escritor passava do oitenta ao oito; ou, mais precisamente, do 8.888.888, ao 0,8. Por isso me pergunto como agora ainda me dou ao luxo de comprar esse qualquer coisa na Babilónia. Esbanjar euros – é a única explicação. Ou será, apenas, vício de estante liveira?

Pois é este personagem controverso, antes sim, hoje definitivamente não, que escreveu os versos que aqui publico. Se mais não fossem – e são – seriam bem o exemplo do Lobo Antunes na sua fase boa. Óptima. Por isso os registo aqui, graças aos bons ofícios da Marina Dinis que mos enviou. Muito obrigado.

A Marina é uma entusiasta da FAÚMA de que aqui já se falou. Faz parte da Comissão Executiva das I Jornadas do Voluntariado sobre doenças mentais e trabalha no Hospital Júlio de Matos. Ainda nem sequer nos conhecemos pessoalmente, o que vai acontecer tão rapidamente quanto seja possível. Até lá, fica nomeada – sem recurso ou tentativa de escusa – colaboradora do Travessa do Ferreira. Espero por um texto assinado por si, querida Colaboradora. Sem tardar.

sábado, fevereiro 10, 2007

HOJE HÁ ESTÓRIA

A maçã sem paraíso

Antunes Ferreira
Naquele tempo, as maçãs não tinham etiquetas; mas tinham bicho. O que me parece muito mais saudável. Pelo menos, e ouvindo apenas uma das partes, de acordo com o Sôr Alfredo, porteiro do meu prédio, o 122 da Rua Filipe da Mata, ali ao Rego, maçã bichada é maçã boa. Até as lagartas gostam dela. Um enciclopedista, o homem, marido da Senhora Ângela que era a nossa segunda mãe. A Dona Glória, minha progenitora, engalinhava um tanto com isso. Nada feito. Era mesmo.

Andava no Colégio Mousinho, com s, da Silveira , na esquina da Avenida de Berna com a Praça de Espanha, o Horto de Lisboa ficava em frente e os eléctricos abertos para Sete Rios passavam mesmo ali, o que dava à maltosa a possibilidade e o gáudio de os apanhar em andamento - então rápido, hoje tartaruguesco. E seguir à pendura, um olho no guarda-freio, outro no chui de serviço.

Maçã sempre foi fruto fácil de comer. Que o diga o Adão. Exceptuadas as consequências, está visto. Nem precisa de ser descascada, denta-se em volta das pevides e deita-se fora. Muito menos limpa, quanto mais lavada. Hoje, o rótulo ainda que pequeno mas autocolante, o pó do transporte e o do desinfestante – é assim que se diz, não é? – obrigam a que as mamãs apostrofem os rebentos, antes de a comer. À maçã, claro. «O menino tem de lavar muito bem a maçã. E limpa-la depois, está-me a ouvir?».

Aos doentinhos – maçã cozida; aos velhinhos gaiteiros – maçã assada, com açúcar por cima; aos de uso corrente – cruas e era uma festa. Vinham de proveniências as mais diversas, sem etiqueta de origem. Calibradas, o que é isso? Não havia União, por mais que houvesse Europa, a não ser a Sportiva da Rua da Beneficência. Sumo de maçã em embalagem Tetra Pak - nem vê-lo. Um xarope de maçã, bem macerado e repousado, com uma colher de sopa de mel e meio limão espremido – era tiro e queda para a tosse.

De manhã uma maçã crua deixa o médico na rua, dizem os transmontanos. Diziam. Hoje nem há médicos que cheguem em Trás-os-Montes (e noutros lugares), muito menos andam na rua. Só de automóvel. Quanto à maçã crua, estamos conversados. Não se convida a que se volte atrás porque dá muito trabalho. Mesmo na escrita.

Quando se fala em maçãs nestes preparos, lembro-me sempre da história do bragantino que chegara, pelos anos cinquenta, aos Estados Unidos com o visto de emigra, pasme-se, em ordem. Sem cheta, apenas uns trocados para nada. E que se tornou multimilionário, com um império maior do que o romano que-deus-haja.
Um dia a RTP, quando fez meio século de estada no país, foi entrevista-lo. Uma estória de sucesso luso nos States é sempre furo. O Bicudo, de micro na mão: Ó Senhor Francis da Silva, como chegou ao sucesso e aos milhões? Olhe, meu frende, depois do desembarque, do Service da Emigration e isso, dei por mim sentado na beirinha de um passeio da 47, o trânsito naquela época ainda não era o que é, a deitar contas furadas à vida.

Foi quando reparei numa maçã cinzenta, amarrotada e triste que jazia no asfalto, quase junto a uma sarjeta. Não é tarde nem é cedo, já tenho para meter no estomaque. Mas, de repente, uma ideia: não a como, vou usa-la. Limpei-a veri uele, puli-a com a ponta da camisa. Ficou lindíssima, sem pinta de pó, vermelhinha em gude cheipe. Ofereci-a ao primeiro cidadão que passava. Au matche?

Ali a uns cem metros havia um mister que vendia maçãs com um carrinho cheio. Vinte cents, cada. Hesitei um cagagésimo de segundo e atirei ao inquirinte: Quarenta cents. Foi. Mais pelo aspecto. Logo no tal mister comprei duas maçãs. Dei-lhes brilho: noventa cents. Veri, veri gude. Comprei cinco, um pequeno desconto, sempre era um freguês que começava a ser habitual.
Cinco, deu doze. Doze, vinte e seis…

E o correspondente televisivo, um sorriso aberto, teclado à mostra: E foi assim, multiplicando, multiplicando, que chegou ao que é. Ei momente, meu frende. Quando ia nas três mil e tais maçãs e já tinha dois carrinhos – morreu um tio milionaríssimo que vivia na Califórnia e que eu nem sabia que ele existia. Viúvo, sem filhos, deixou-me toda a fortuna. Uandarfule.

Ainda há maçãs meide in Portugal. Poucas, mas há, resistentes que o senhor Fenimore Cooper não deixaria de apontar e encomiar. Com rótulo autocolante e tudo. Gold – Alcobaça.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007




Carminho & Sandra

Carminho senta-se nos bancos almofadados do BMW da mãe. Chove lá fora. Encosta o nariz ao vidro para disfarçar duas enormes lágrimas que lhe rolam pela face. A mãe conduz o carro e aperta - lhe ternamente a mão. Há muito trânsito na Lapa ao fim da tarde. A mãe tem um olhar triste e vago mas aperta com força a mão da filha de 18 anos. Estão juntas. A caminho de Espanha.

(Mais a baixo na cidade)

Sandra senta-se no banco côr-de-laranja do autocarro 22 que sai de Alcântara. Chove lá fora. Encosta o nariz ao vidro para disfarçar duas enormes lágrimas que lhe rolam pela face. A mãe está sentada ao lado dela. Encosta o guarda-chuva aos pés gelados e aperta-lhe ternamente a mão. Há muito trânsito em Alcântara ao fim da tarde. A mãe tem um olhar triste e vago mas aperta com força a mão da filha de 18 anos. Estão juntas. A caminho de casa de Uma Senhora.

O BMW e o autocarro 22 cruzam-se a subir a Avenida Infante Santo.

Carminho despe-se a tremer sem nunca conseguir estancar o choro. Veste uma bata verde. Deita-se numa marquesa. É atendida por uma médica que lhe entoa palavras doces ao ouvido, enquanto lhe afaga o cabelo. Carminho sente-se a adormecer depois de respirar mais fundo o cheiro que a máscara exala. Chora enquanto dorme.

Sandra não se despe e treme muito sem conseguir estancar o choro. Nervosa , brinca com as tranças que a mãe lhe fez de manhã na tentativa de lhe recuperar a infância. A Senhora chega. A mãe entrega um envelope à Senhora. A Senhora abre-o e resmunga qualquer coisa. É altura de beber um líquido verde de sabor muito ácido. O copo está sujo, pensa Sandra. Sente-se doente e sabe que vai adormecer. Chora enquanto dorme.

Carminho acorda do seu sono induzido. Tem a mãe e a médica ao seu lado. Não sente dores no corpo mas as lágrimas não param de lhe correr cara abaixo. Sai da clínica de rosto destapado. Sabe-lhe bem o ar fresco da manhã. É tempo de regressar a casa. Quando a placa da União Europeia surge na estrada a dizer PORTUGAL, Carminho chora convulsivamente.

Sandra não acorda. E não acorda . E não acorda. A mãe geme baixinho desesperada ao seu lado. Pede à Senhora para chamar uma ambulância. A Senhora não deixa, ponha-se daqui para fora com a miúda, há uma cabine lá em baixo, livre-se de dizer a alguém que eu existo. A mãe arrasta a Sandra inanimada escada a baixo. Um vizinho cansado, chama o 112 e a polícia. Sandra acorda no quarto 122 dias depois. As lágrimas cara abaixo. Não poderás ter mais filhos, Sandra, disse-lhe uma médica, emocionada.
Sai do hospital de cara tapada, coberta por um lenço. Não sente o ar fresco da manhã. No bolso junto ao útero magoado, a intimação para se apresentar a um tribunal do seu país: Portugal.

Eu voto sim . Pela Sandra e pela Carminho. Pelas suas mães e avós. Por mim.
Rita Ferro Rodrigues: sorriso-do-bisturi.blogspot.com/


Também sim

Conheço a Rita desde menininha, filha do meu grande e «velho» Amigo Eduardo Ferro Rodrigues, morador tal como eu na altura na Travessa do Ferreiro, ali à Lapa. (Que, em vão, tentei que um qualquer Presidente da CML reconhecesse a justiça de passar a chamar-se do Ferreira. Reforço: debalde. E de balde, tantas as lágrimas de crocodilo. Por isso, e a título de prémio da consolação, o nome deste blog).

Os Ferro Rodrigues são gente muito boa. E a Ritinha saiu aos seus, sem degenerar. Um dia, a caminho de Amesterdão, no avião da PGA sentou-se ao meu lado um rapagão, verdadeiro personagem «histórico-futebolistico»: o Dani, outro que saira do filão inesgotável do Sporting, e que, na altura, jogava no Ajax. Ora, então, o jovem prodígio namorava com... a Rita. Ali, nas minhas barbas, já que o Eduardo já cortara as dele há tempos. Ainda que eu, juro-o, não tivesse nada com isso.

Falámos de mil-e-uma coisas e, naturalmente da amada. O Dani nunca me conhecera pessoalmente, isto é nunca nos falaramos, mas teve a ambilidade de ser ele a dar o primeiro passo na nossa conversa. Que sim, que se lembrava de me ver passar na Travessa, um senhor gordo e barbudo, que também era sportinguista, tal como o pai da moçoila. Jornalista. Coisa que a namorada queria também ser. Estabeleceu-se, de imediato, uma corrente de empatia entre os dois.

É a Rita jornalista e mais, leoa dos quatro costados, que assina este texto que fui roubar ao blog dela, o sorrido-do-bisturi.blogspot.com. Texto sentido, comovido, escrito (bem) com amor e intenção. Por tal o fanei sem aviso prévio e o coloco neste travessadoferreira. Ainda é sexta-feira, dia de encerramento da campanha do Referendo que decorre no Domingo. Não quebro regra, estou dentro do horário e da lei, daqui a pouco começa o tempo de reflexão. Tal como eu, a minha ex-vizinha Rita Ferro Rodrigues vai votar sim. Ela explica-vos porquê.
A.F.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007



A 12 e 13 de Abril, no Júlio de Matos

Jornadas de Voluntariado em Saúde Mental

* Um apelo a todos os que queiram participar e/ou colaborar

Vão decorrer nos dias 12 e 13 de Abril, no Hospital Júlio de Matos, as I Jornadas de Voluntariado em Saúde Mental. A Comissão Executiva delas é constituída por Teresa Morgado, Presidente da FAÚMA – que é a Associação dos Amigos e Familiares dos Utentes do referido hospital -, Marina Dinis e Graça Vilar, tem vindo a desenvolver os melhores esforços para as Jornadas se saldem por um êxito.

A Comissão fez recentemente um convite a todos os interessados nestas actividades para participarem/colaborarem nas Jornadas que têm por principal objectivo em vista quebrar o estigma que as doenças mentais representam na nossa sociedade e, simultaneamente, divulgar os objectivos do voluntariado em saúde mental.

A FAÚMA é uma associação sem fins lucrativos criada em 2003, com cerca de 700 voluntários espalhados pelo país: médicos, técnicos de saúde mental e cidadãos. O voluntariado em saúde mental procura pôr as pessoas em contacto com o seu ambiente relacional e comunitário, auxiliando na concretização da sua inserção social. Associa-se aos recursos e ferramentas de reabilitação psico-social, desenvolvendo acções de lazer e ocupação de tempos livres dos doentes, bem como de apoio ao programa para o desenvolvimento de vida autónoma.

Considera a Associação que a presença de todos os que pretendem colaborar/participar não apenas nas Jornadas, mas em todas as acções que constituem o objectivo do voluntariado constitui uma manifestação da vontade em contribuir para mudar a forma como o adoecer mental é ainda encarado nos nossos dias e, desta forma fazer uma maior divulgação e esclarecimento da situação. A terminar o seu apelo, entende a FAÚMA que o apoio público (de cada um dos que se querem tornar voluntários) à realização destas Jornadas representa em si mesmo a vontade expressa de desenvolver um grande movimento de solidariedade social.

A convite da Dr.ª Alice Nobre, uma boa Amiga (e que, tal como já aqui referi, considero que é a minha Santa da Ladeira) eu próprio me constituí voluntário. A minha psiquiatra entendeu que, tendo eu vivido durante cinco anos um pesadelo que se chama depressão ou doença bipolar – de que, graças a ela, estou estabilizado – poderia dar o meu contributo vivido para as Jornadas e, obviamente, à FAÚMA.
Foi com um enorme prazer e muita honra que correspondi ao que a minha Amiga Alice Nobre entendeu endereçar-me. E, na sequência disto mesmo, estive pela primeira vez no Júlio de Matos e conheci a Teresa Morgado. Experiência gratificante, o período em que corri alguns corredores e em que mantive contacto informal com diversos pacientes. Encontro magnífico com a dirigente da Associação e sua alma mater. A imediata empatia que se estabeleceu entre nós é indescritível.
Este texto ficará publicado no meu blog que já conhecem, presumo. Mas dou-vos conhecimento do evento para, depois de reflectirem sobre ele, e querendo-o, naturalmente, participem nesta realização que se antevê muito interessante. Todas as boas vontades e a solidariedade são bem vindas. Vamos todos ajudar. Nas Jornadas e na FAÚMA, dentro do que nos for possível.
Um pedido: dado o interesse do assunto, muito gostaria que dessem conhecimento de tudo o que vos relatei aos vossos Correspondentes e Amigos. A todos, por favor. Para que eles se tornem numa máquina reprodutora de tudo isto através do correspondente envio a outros e mais outros. A net proporciona-nos isso, felizmente.

Com uma divulgação o mais ampla possível e a participação que dela possa resultar, podem crer que estaremos todos a ajudar a «quebrar o estigma que as doenças mentais representam na nossa sociedade e, simultaneamente, divulgar os objectivos do voluntariado em saúde mental». O muito obrigado não custa nada. E a participação ainda menos.
Antunes Ferreira

segunda-feira, fevereiro 05, 2007





NAS SELECÇÕES DO READER’S DIGEST

Rir é o Melhor Remédio

Antunes Ferreira
Sou leitor das Selecções do Reader’s Digest há mais de cinquenta anos. O meu Pai assinava-as e, recordo-me perfeitamente, a edição era brasileira, daí que usasse a nossa língua à maneira do outro lado do Atlântico. Com anúncios ao leite condensado Moça e tudo. Aprendi com ele a não saltar páginas, a ler tudo de enfiada.

Nunca deixei de o fazer. Acompanharam-me até hoje, quando já completei 65. Para a minha profissão de jornalista, elas representaram, representam e creio que representarão sempre uma mais valia que, mesmo o facto dos artigos que contêm serem obviamente conotados com a direita mais liberal, à boa maneira dos EUA, não me dissuadiram desse meu procedimento.

O Rir é o Melhor Remédio, como os Flagrantes da Vida Real, entre outras secções, melhor dizendo, entre todas, têm uma graça e um sabor muito especial. Com um abraço ao José Mendonça da Cruz, actual editor-chefe da revista, aqui me permito publicar umas anedotas deliciosas do Rir. Sem autorização prévia, pois sei que se lha pedisse…

No Parlamento

Um político prolongava infindavelmente a sua intervenção no Parlamento. Era um discurso oco, sem qualquer sentido, aparentemente apenas para fazer perder tempo. O Presidente da Assembleia já por diversas vezes avisara o Senhor Deputado para que abreviasse a retórica e que se deixasse de considerandos, entrando de vez no assunto. E o homem, nada. Não se contendo mais, o Presidente agarrou na primeira coisa que tinha à mão, um pesado tinteiro em estanho e atirou-o ao orador. Acontece.
Mas falhou e atingiu outro parlamentar na cabeça. Este, caiu no chão e quase todos se precipitaram para ele. Este, mesmo ferido, conseguiu ainda reunir forças e gritou: «Batam-me outra vez!!! Ainda consigo ouvi-lo!!!!!!!!!!!!!!!»

Perdido no deserto

Há três dias que um explorador se encontra perdido no meio do deserto. Já se lhe acabou a água do cantil. Está doido de sede e já caído na areia. De repente, ouve um «olá!». Levanta a cabeça e vê o que pensa ser uma estranhíssima miragem: um esquimó, num trenó, com os respectivos cães! Endoideceu, definitivamente. Mas, para sua surpresa, o trenó pára .
«Não faço a mínima ideia do que está a acontecer. Mas, felizmente que o amigo aparece. Há dias, nem sei já quantos, que ando perdido…» O esquimó, ofegante: «Você acha que está perdido? E então eu?????»

Na farmácia

Um cavalheiro entra numa farmácia com um ar preocupadíssimo e dirige-se de imediato ao farmacêutico: «Será que me pode ajudar? Parece-me que perdi a voz, mas, se calhar, é apenas impressão». E o farmacêutico: «Bom dia cavalheiro. Em que posso ser-lhe útil?»

Conversa de bar

Sentado ao balcão do bar, um sujeito afoga as mágoas em whisky, um após outro. De repente, entram dois esquilos e sentam-se ao lado dele. Atónito, o homem vê os esquilos pedirem bebidas e um prato de nozes salgadas, como aperitivo. Começam a conversar. O cidadão, absolutamente espantado, pergunta: «Onde é que vocês aprenderam a falar e tão correctamente». «Porra!» responde-lhe o esquilo que lhe está mais chegado. «Você está bêbado que nem um cacho! Eu sou o único esquilo que aqui está».

Endoideceu?

Uma Senhora de idade entra no consultório e começa a expor o seu problema ao jovem médico. Nem passaram dois minutos, e a velhinha sai a correr e aos berros. Um médico mais antigo e experiente, que já a conhece, aproxima-se dela, tenta acalmá-la e ela conta-lhe o sucedido. Sai, já mais tranquila e o médico sénior entra no consultório e diz ao colega novito: «Ouça lá, o que é que lhe deu? Endoideceu? Então o colega diz à Dona Laura, que tem 73 anos, quatro filhos e nove netos, que ela está grávida? Que mosca lhe mordeu?»
O novo, mesmo sem levantar o olhar para o outro: «Ela ainda está com soluços?»