segunda-feira, abril 30, 2007



Macau no mundo lusófono



Pa tudo genti genti
di lusofonia
ung-a abraço
di Macau
Esta mensagem, em “patois” (o crioulo local), representa o afectivo abraço de Macau – que a si próprio orgulhosamente se qualifica como “uma flôr de lótus na Lusofonia” - para toda a gente do mundo lusófono
.

***
José Augusto Garcia Marques
N
a verdade, como alguém escreveu, Macau representou um desafio para Portugal e para a comunidade lusófona pela possibilidade única de um processo negociado e pré-definido de transferência de poderes. De facto, nunca como em Macau foi possível uma intervenção atempada e estrategicamente enquadrada por um tratado internacional, no qual não só foi definido um processo de transição ao longo de doze anos, como também se estabeleceu o quadro de referência para o modelo político e as estratégias a desenvolver no Território, nos cinquenta anos subsequentes.

A Declaração Conjunta Luso-Chinesa, assinada em 1987, teve por paradigma uma ideia de permanência e continuidade dos sistemas económico, jurídico, e social que entraram no ano 2000 praticamente inalterados excepto no que se refere à mudança do Estado que passou a exercer a soberania sobre Macau – já não Portugal, mas sim a República Popular da China.

Macau não é um Estado, sendo antes, desde 20 de Dezembro de 1999 uma Região Administrativa Especial (RAEM) da República Popular da China, dotada de um elevado grau de autonomia, que usa (também) o português como língua oficial. A RAEM é dotada de poderes executivo, legislativo e judicial independentes, incluindo o de julgamento em última instância, ou seja, de autonomia administrativa, legislativa e judiciária, e ainda de autonomia económica e financeira, de um específico regime de protecção de direitos fundamentais e da liberdade de definição das políticas de cultura e educação e de um estatuto linguístico próprio do bilinguismo oficial.

No final do já longínquo ano de 1988, tive a oportunidade de me deslocar a Macau onde efectuei um estudo que constituiu uma contribuição para a reforma do modelo judiciário do Território, tendo os Tribunais continuado a obedecer, com algumas adaptações, ao sistema judicial português. O mesmo se pode dizer no domínio da legislação fundamental, continuando a vigorar em Macau, também com adaptações, os grandes Códigos de matriz portuguesa.

Espaço multilingue

Macau é um espaço multilingue onde coexistem o cantonês, o mandarim, o português, as diversas línguas da região e o inglês. Sendo a população de Macau em ampla maioria de etnia chinesa, tem o cantonês como língua materna, tendo a língua portuguesa sido até 1999, língua da Administração. Para a comunicação entre as comunidades portuguesa e chinesa foi indispensável a existência de falantes que soubessem as duas línguas. Neste contexto, o macaense foi elo de comunicação entre portugueses e chineses.


Como já se disse, sendo uma comunidade de Estados, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), tal como foi criada, não foi concebida para integrar Macau no conjunto dos seus membros. Creio, porém, que é do interesse recíproco da CPLP e de Macau, extensivo, obviamente, a todo o espaço da lusofonia e, segundo cremos, à República Popular da China (RPC), o incremento de relações de Macau com a CPLP ou, até, da CPLP com a RPC. Assim tem sido entendido pelas autoridades políticas de Macau, com a óbvia concordância do Governo Central da RPC, sendo disso exemplo eloquente o êxito que representaram os 1ºs Jogos da Lusofonia recentemente realizados em Macau, sob a organização da Associação de Comités Olímpicos de Língua Oficial Portuguesa (ACOLOP).

Em face do sucesso da convivência da RAEM com o sistema jurídico resultante da fase de transição, poderão alguns surpreender-se com os resultados obtidos. E poderão questionar-se sobre como foi e é possível a aplicação de modelos jurídicos plasmados em Códigos de raiz lusitana numa tão distante e tão díspar Região do Mundo, onde, não obstante as ligações históricas, não se pode falar – longe disso - em identidade de culturas.

Um País, dois Sistemas

Penso que tal sucesso radicou em parte na preparação que foi possível fazer no período de transição, à luz da Declaração Conjunta, texto que veio dar concretização à importante síntese de objectivos tão bem traduzida na máxima: “Um País, dois Sistemas”. A atestar esse esforço, pode referir-se o grande esforço, em grande parte coroado de êxito, que foi feito, nos anos finais da década de oitenta e se prolongou pelos anos seguintes, que permitiu levar à adopção de um adequado modelo para o sistema judiciário do “Território” e à elaboração de um conjunto de diplomas codificados que receberam a marca do direito português.

Mas tal sucesso deveu-se a uma outra circunstância: ao sentido pragmático desta população, falante ou não falante do português, dispondo de uma diferente cultura, mas aceitando as regras de conduta social que, no âmbito do Direito, visam disciplinar as relações jurídicas privadas e comerciais entre as pessoas e entre comunidades e ordenamentos tão diversos como os da República Popular da China, de Hong Kong e de Macau.


Independentemente dos valores, era essencial que a economia e o comércio funcionassem. Respeitaram-se as liberdades “de primeiro grau” – a propriedade privada, a liberdade de estabelecimento, de comércio, de circulação, os princípios da liberdade negocial, da autonomia da vontade e do sinalagma contratual. Numa economia sólida, respeitam-se generalizadamente os valores do trabalho, do lucro e da boa fé negocial. Honram-se os compromissos à luz do princípio pacta sunt servanda (os acordos devem ser respeitados).


Durante a minha deslocação, na visita que fiz ao magnífico Museu de Macau, eu próprio pude constatar a marca genética que, para esta Região, reside historicamente na pujança da actividade mercantil, assente na liberdade de trocas comerciais e na interacção entre as culturas oriental e ocidental, no caso representadas pela China e por Portugal.


Milhões de coisas


Como se pudesse entregar
aos meus filhos, tal como ainda
hoje me comove, a intacta memória
da minha avó Berta Emília.

José Fanha
H
á tantas coisas que eu gostava de fazer... Tantas, tantas que, para não me esquecer, comecei a fazer uma lista.

Gostava de subir ao alto do armário da cozinha ou das árvores que ficam em frente da janela do meu quarto, chegar mais perto do céu e fazer chichi cá para baixo. Gostava de descer ao fundo do mar, abrir as conchinhas e espreitar os peixes de todas cores nos buraquinhos das rochas. E gostava de tocar as flores que o gelo faz nas terras geladas. Gostava de voar às cavalitas de um condor gigante.

Ou então, melhor que tudo isso, gostava de aprender a tocar uma música tão bonita que fizesse os ratinhos, os coelhos e as pombas virem atrás de mim pela rua fora até chegarmos ao fim do arco-íris.

O mundo está cheio de flores e bichinhos e peixes no mar e estrelas no céu. E é por ser tudo tão bonito que eu gostava de fazer tantas, tantas coisas... Milhões de coisas. Triliões.

É uma lista muito grande. Uma lista que continua e continua e nunca mais pára e é por isso que eu ando sempre muito ocupado.

domingo, abril 29, 2007







Os caminhos da Ásia

Antunes Ferreira
O número 78, de Janeiro/Março do ano XX dos Cadernos de Economia tem por título Os Caminhos da Ásia. Saltaram-me os olhos para a obra, ainda que a Economia não seja propriamente a minha especialidade. Comecei por deitar-lhe uma vista de olhos descomprometida. Como sempre, o grafismo era um primor, atractivo, participante, como mandam as regras.

É conhecida a minha apetência pelos temas asiáticos. Talvez por ter uma mulher goesa, talvez por me sentir bem na Índia e na China, talvez por isso tudo. Talvez, quem sabe, por ser Português. Os nossos avoengos, como é sabido, foram os primeiros europeus a chegar à Índia, à China, ao Japão, por mar. E a outras partes do mundo asiático.

Portugal goza, ainda hoje, de um privilégio neste particular. Pude comprová-lo pessoalmente, em Goa, Damão e Diu, mas também em Cochim e Calecute, no antigo Ceilão, hoje Sri Lanka, na Malásia e em particular em Malaca, bna Tailândia, na Coreia do Sul, e fico-me por aqui. Deambulando por tais paragens, foi-me possível testemunhar o apreço de muita gente pelo nosso País.

No aeroporto de Kuala Lumpur

Um só exemplo. No aeroporto de Kuala Lumpur, saídos da primeira classe de um jumbo da Lufthansa, eis-nos na cabeça de uma longa fila de espera. Eram apenas duas, concorrentes, uma tentando ser maior do que a outra. Minha mulher e eu estávamos, como disse, No primeiro lugar. Mostrámos os passaportes. O funcionário, apenas os olhou, pediu-nos para esperar um momento, volto já, e foi ao escritório nas traseiras do balcão de atendimento.

Veio acompanhado de um Senhor moreno, em camisa branca, com galões carregados de fitas doiradas. São Portugueses? Assentimos. O meu Pai e a minha Mãe também. (E eu sou... meio). São de Margão. E a Raquel entusiasmada, eu sou da Raia. E ele, concelho de Salcete. São mesmo de lá. Chamo-me Mascarenhas, com h, porque aqui usam dizer que sou Mascarenas. Gargalhámos.

Voltando-se para os restantes passageiros que integravam a nossa fila, disse-lhes que fizessem o favor de passar para a outra, porque tinha de falar em especial connosco. Uns quantos protestos, algumas dúvidas, que teriam feito aqueles gajos, mas o ensonado da hora aconselhava temperança e paciência e assim aconteceu.

Foram duas horas de conversa, numa mistura de inglês, português mascavado e concani. Que terminou com a combinação de, no dia seguinte, irmos jantar a sua casa, o que aconteceria. Com o carro do Ministério dos Negócios Estrangeiros à nossa espera, pois dois elementos daqueles serviços tinham-nos ido receber à aerogare. Eu ia entrevistar o primeiro-ministro malaio…

Podíamos ter nas nossas malas quilos de coca, de haxe, de oiro, de diamantes que tudo passaria sem um ai, pois o Senhor Director dera, entretanto, uma ordem rápida e seca a um subordinado que, obediente, riscou a giz o passe liberatório da bagagem. Não tínhamos. Mas poderia ter começado aí uma promissora carreira de traficante autorizado…

Que equipa de colaboradores!

Peço mil desculpas, mas despistei-me. Volto aos Cadernos de Economia. Como é habitual, o Ramos Gomes alambazou-se com uma equipa de colaboradores de se lhe tirar o chapéu. Longe de mim ser exaustivo. Aleatoriamente: Murteira Nabo, Carlos Monjardino, Basílio Horta, Paulo Teixeira Pinto, Mira Amaral e muitos outros, terminando com as duas páginas assinadas pelo Nicolau Santos.

De tudo um pouco. Do crescimento impressionante destes dois gigantes da globalização. Do desenvolvimento das relações económicas com as duas potências. Do papel de Portugal. De Bangalore, a «Silicon Valley» indiana, com um pool de talento de mais de 150 mil engenheiros de software. Do desafio da tecnologia portuguesa. A terminar A Miragem Asiática de um outro bom Amigo, o competentíssimo Nicolau Santos.



Nicolau mete ombros a uma tarefa difícil. Tenta desmistificar o que por aí vai correndo sobre Portugal poder ser o interlocutor privilegiado da Índia e da China, em alguns mercados, nomeadamente o de Angola. É uma análise um tanto amarga – mas… realista. Transcrevo: «A ausência de, já não digo negócios concretos mas ao menos de intenções dos ditos, evidencia (…) que somos um animal demasiado pequeno para fazer parcerias com os grandes conglomerados chineses e indianos».

E, a terminar: «Claro que não se deve ignorar a China e a Índia. Mas é bom ter presente: 1) que elas não precisam de nós para nada; 2) não pensam em nós com parceiro para algum objectivo ou como local privilegiado na Europa para investir; 3) e nós temos outras apostas bem mais importantes, como os mercados dos Estados Unidos ou Angola».

De qualquer forma, os Cadernos de Economia dedicados à Índia e à China têm forçosamente de ser lidos – e com muita atenção. Convém que nós, Portugueses, estejamos informados sobre estes assuntos. A informação e a sociedade que lhe corresponde são cada vez mais sinónimos de poder. Não foi por acaso que Marshall McLuhan (1911-1981), o Papa da Informação deu à sua obra mais conhecida o título de «A aldeia global».
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Ramos Gomes

António Ramos Gomes é o exemplo acabado do Jornalista que é também empresário. Conhecemo-nos em Angola e desde logo ficámos amigos. O que se prolongaria até hoje, para meu contentamento e felicidade e creio que também para ti, António. Os seus Cadernos de Economia vão no ano XX, ou seja sendo já uma publicação de referência, também ultrapassaram a linha da maioridade. Para quem anda em tais lides – são incontornáveis. Até mesmo, imprescindíveis.


Trabalhámos bastas vezes juntos. Sei da fibra do Ramos Gomes. Sei da aventura a princípio um tanto quixotesca que são os Cadernos. Cadernos que começaram a marcar, e hoje definitivamente marcam a nossa Economia. Um Director altamente prestigiado como é Mário Murteira sai para a rua acompanhado sempre de nomes sonantes no domínio.
Não quero deixar de terminar este breve apontamento com uma menção que dá bem a noção do prestígio dos trimestrais. Estávamos em 1995 e eu era o ajunto e assessor do malogrado António de Sousa Franco, naturalmente para a Comunicação Social. Momentos complicados, para não dizer mesmo difíceis, com um governante – e não atraiçoo aqui a sua memória – que não ia muito à bola (releve-se-me a expressão) com os órgãos da mesmo CS.
Por alturas de mais uma crise com a gente da Informação, o ministro das Finanças deu-me a indicação de que, nesses momentos, não queria prestar quaisquer declarações nem dar explicações, nada. Com a franqueza de uma Amizade que vinha do primeiro ano do Liceu Camões e se prolongara até à Faculdade de Direito de Lisboa, aconselhei-o a não proceder assim. Debalde.
O António Ramos Gomes surge-me, nessa precisa altura a pedir-me para apresentar junto do meu Amigo António Luciano a sua solicitação para um texto dele a publicar nos Cadernos. Com a paciência também em baixo respondi-lhe que nem pensasse nisso. Retorquiu-me que, ao menos, eu podia tentar.
Ficaria de mal comigo próprio se não o fizesse, arrostando embora com a cólera do ministro que, mesmo entre amigos – que éramos sem qualquer espécie de dúvidas – quando se aborrecia não era fácil. Assim, um tanto de pé atrás, horas depois da advertência que ele me fizera, disse a Sousa Franco o que se passava.
Espanto dos espantos. Em vez do desaguisado previsto, saiu, tão-só uma pergunta: «Para quando é que o Ramos Gomes quer isso?». Pasmei, mas andei em frente: «Para daqui a três semanas, ainda que, se fosse antes…». «Diz-lhe que no final da próxima semana terá alguma coisa». E acrescentou «ele merece-o. É um tipo decente, trabalhador, empreendedor e honesto. E bom profissional».
Tudo dito. António: um grande abraço e é com muito prazer que aqui faço o registo do último Cadernos de Economia. Boa sorte Amigo e felicidades para a tua obra. Bem a mereces.
A.F.
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sábado, abril 28, 2007



Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhai-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

António Gedeão



Hoje, deu-me para isto

Antunes Ferreira
Hoje, deu-me para isto. Vão uns tempos que não me encontro com o meu Amigo e camarada (creio que ainda posso utilizar a expressão) Alberto Arons de Carvalho mas, há poucas horas, ao consultar a colecção do «Portugal Socialista», para onde escrevi antes do 25 de Abril, e de que fui Chefe de Redacção e Director-adjunto de Manuel Alegre, encontrei umas linhas que escrevi a propósito de um Homem com caixa alta.


De seu nome Rómulo de Carvalho, mas dotado de uma dupla personalidade, também era o António Gedeão. Figura insigne das nossas Letras e das nossas Ciências, que faleceu já lá vão dez anos, ele era o pai do Alberto que eu conheci ainda quase de calções, presidindo à Juventude Socialista.

A vida tem destas coisas. Falei umas três ou quatro vezes com Rómulo de Carvalho; li, reli, ouvi, gravei, saboreei António Gedeão. Tenho a sua obra literária completa e bastantes coisas da científica. Uma noite, pela década de setenta, no Largo do Rato, confessei ao Alberto Arons a minha admiração pelo poeta. O Alberto disse-me, no seu modo tranquilo de falar, que era o seu pai.

Pasmei. Já entrado nos trintas e nunca soubera dessa verdade que me era revelada. Só depois disso, anos passados, estava então no Diário de Notícias, falei essas vezes com o Dr. Rómulo de Carvalho, a quem referi a Amizade que me ligava aos seus dois filhos, o Alberto e o Manuel. Foram encontros lindos, que me ajudaram a entender o Homem com quem falava.

Essa curta e episódica convivência, levou-me a suplantar a qualidade de admirador de Gedeão, tendo-me transformado, pouco a pouco, num verdadeiro gedeodependente. Gosto muito de escrever, como talvez alguns saibam. Se bem, se mal, não me compete dizê-lo. Ninguém é bom juiz em causa própria, ensinaram-me na Faculdade de Direito.

Mais prosa, ainda que, por brincadeira, tenha ousado rabiscar umas versalhadas. Vezes poucas e a esmo. Adoro, porém, ler Poesia. Assim, também com maiúscula. Ouvir Poesia, como aconteceu recentemente quando reencontrei, durante as jornadas da FAÚMA, outro grande Amigo, o Zé Fanha.


Ouvir, igualmente, Poesia musicada e cantada. De Camões até Ary dos Santos. Mas, aqui o confesso, nada chega, para mim, ao êxtase que é a Pedra Filosofal interpretada pelo Manuel Freire. «Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer, como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso…» para mim é deleite, mas também é símbolo. Não preciso dizer porquê.

No entanto, um poema há de Gedeão, tão simples, tão singelo, tão sentido – mas, igualmente, tão profundo – que considero um texto fundamental da Língua Portuguesa. Donde, da nossa Literatura. Mais, da universal. É a Lágrima de Preta que publico em cima. Já usei adjectivos (quiçá desnecessários) e tenho medo de gastar os qualificativos merecidos desta pequena Obra Prima.

É assim. Hoje deu-me para isto. Relevem-me o intimismo. Mas, às vezes, sabe bem expressar o que normalmente não expressamos. E por aqui me fico.

quarta-feira, abril 25, 2007


À RODA DOS DIAS


Abril

Maria Lúcia Garcia Marques

Não fora o 25 e Abril seria um mês frágil, de ventinhos ariscos secando suas águas mil, um mês impaciente, a ver botar corpo a Primavera.
Não fora o 25 e Abril seria um mês pachola, a dar cumprimento ao adagiário:
“As manhãs de Abril são doces de dormir”
ou “Sono de Abril deixa teu filho dormir”.
Não fora o 25 e Abril continuaria caseiro e rústico a preconizar-se, tradicionário:
“Abril frio e molhado, enche o celeiro e farta o gado”.


Mas foi o 25 – e o grito libertário.
E o 25 bateu forte: virou o curso e o discurso, foi um brado, um suspiro, uma agressão – um punho ao alto, uma canção. Na manhã alvoroçada mudou tudo, quando já nada era de vontade, mas apenas hábito, orfandade, deserção ... Virou-se o mundo do avesso, como luva muito usada. Armou-se o circo da(s) liberdade(s). Fez-se vertiginoso o regresso ao Futuro finalmente recuperado.
E houve de tudo na feira agora franca: uma alegria vermelha transluzente de par com silêncios prudentes, a espreitar as novidades.
Éramos novos! E não sabíamos quão pesada nos seria a herança da(s) memória(s)! Era ainda o tempo-das-cerejas, do rubro sumo das promessas – um tempo aberto, às escâncaras, na sôfrega inspiração dos novos ares.
Mas envelheceram os dias e foi-se decantando o vinho da vitória.
O 25 de hoje já fez história – seis nações novas no curriculum e uma geração inteirinha cá por casa. Porém, regressados todos nós à velha Europa, atrasámo-nos no caminho. O mundo pula e avança mas não somos mais crianças e a bola colorida vai perdendo a sua mágica.
Foi o tempo da “passagem”. É o que “páscoa” quer dizer. E Abril é mês das Páscoas (das ressurreições e das aleluias), e talvez que, mesmo entre prós e contras, feitas as contas, ainda seja verdade o que o ditado diz:
“Antes a estopa de Abril que o linho de Março”.

terça-feira, abril 24, 2007



Comemorar o 25 de Abril

Antunes Ferreira
Na véspera do dia 25 de Abril de 1974, já durante a noite, vários cidadãos fardados iniciaram a contagem decrescente para o que seria uma das datas mais importantes da História do nosso Portugal. A gestação estava completa. A madrugada que se seguiria concretizaria o parto que trazia ao País a Liberdade e a Democracia. Era o tempo da afirmação do MFA, da saga que se espraiava do Largo do Carmo, até à Praça do Comércio, dos episódios mais dramáticos como o da António Maria Cardoso, das chaimites, do povo que descobria - entre o atónito e o deslumbrado - que sendo unido jamais seria vencido. Uns tempos depois, constatar-se-ia que não era bem assim, mas nem isso impediu que o golpe fosse histórico.

Lembram-se dos cravos vermelhos nos canos das G3, por certo que se lembram. Nomeadamente os que vibraram com a alvorada redentora, que deixaram sair as vozes amordaçadas, que – mesmo não entendendo muito bem o que se estava a desenrolar – aclamaram os militares que tinham conseguido um feito que muito poucos poderiam vaticinar.

A Pátria estava embotada, baça, romba. Amesquinhada. Os Portugueses tinham-se habituado, ao longo de quase meio século a encolher os ombros, a correr o zip da boca, e assim o manter, a desconfiar de quem os espiava, de quem os escutava, de quem os delatava, de quem os bufava. O regime que se autointitulara de Estado Novo era, de facto um Estado Velho, velhíssimo, de barbas tão longas, brancas sujas e encaroçadas como as dos velhos do Restelo.

A euforia tomou conta das ruas e dos tempos. Deram-se passos impensáveis 24 horas antes. Os últimos e desesperados detentores do poder podre salazarista/marcelista tentaram escapar por buracos abertos em paredes. Em vão, as coisas não voltaram atrás, o devir tinha um só sentido, felizmente. Exorcizar os fantasmas do antigo recente sabia bem, mesmo que não se soubesse o que viria depois.


No meio da estúrdia, na sua sequência, começaram a cometer-se asneiras primeiro ingénuas, depois, de monta. Mas, como parar a Alegria da Vitória? Como tapar o Sol com uma peneira? Como impedir o Povo de se embriagar e as derrapagens do processo? Como politizar os oficiais que tinham sido castrados do exercício da Liberdade durante esse longo meio século? Como iluminar o que se chamou então – e com propriedade – a longa noite do fascismo?

Roma e Pavia não se fizeram num dia, diz esse mesmo Povo. Que, de um dia para o outro, passara das cinzas frias de um borralho, imposto e apagado, para as labaredas do contentamento. Aplaudia-se tudo, apostrofava-se tudo. Os limites entre o bom e o mau iam-se esfumando. A loucura saíra à rua, uma loucura sã, mas, mesmo assim – louca. Ninguém fazia previsões, vivia-se o presente dos unidos que jamais seriam vencidos.

Foi bonito, foi muito bonito, até a loucura, sobretudo essa loucura foi bonita. Os que a viveram, como é o caso de quem assina estas linhas, nunca se esquecerão. E embora estivesse em Luanda, onde me autoexilara, foi com atenção redobrada que vivi, agarrado ao rádio transistorizado, o que se vivia na Lusa Mãe. E a 3 de Maio já chegava a Lisboa para sentir e aspirar o novo cheiro da minha cidade.
Não venho hoje cantar mais elegias. Venho, nesta data impar, gravada com suor na memória de muitos, solicitar um favor, se não se importarem. E mesmo que se importassem, e ainda que não queiram satisfazer-me o pedido, eu avançava, como avanço.


Dê-se aos jovens que já nasceram em Liberdade o essencial para que saibam viver em Democracia. Ensine-se-lhes o que é o civismo e como o praticar. Alerte-se as suas consciências para o facto incontornável de serem eles que não deixarão morrer estes ideais, que são eles que tomarão o leme da Política, que erradicarão do Portugal que é o nosso e o deles a miséria, a desgraça, o subdesenvolvimento, mas também a corrupção, o tráfico de influências, o colarinho branco. Incentive-se-lhes a produtividade, o cumprimento do dever, o amor à Pátria.

Faça-se isso, já, a partir de agora, em contra relógio de uma volta de que Portugal necessita como de pão para a boca. Assim, na minha modestíssima opinião, estar-se-á a comemorar o 25 de Abril este ano e nos vindouros que se perfilam.



DESTINO MÚSICA


Nat “King” Cole

Tapman
Satisfazendo pedidos para o Nat Cole latino, deixo uma selecção que espero que corresponda ao desejado. Para tanto, o link a usar é

http://www.mediafire.com/?az2dqyhodqd

Mas este Senhor merece mais. Assim, para quem quiser mais 20 faixas em inglês, basta ir buscá-las aqui:

http://rapidshare.com/files/18505338/NatKingCole-ANTOC.part1.rar.html
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Playlist das latinas


01 Perfidia
02 Yo vendo unos ojos negros
03 Acercate mas
04 Solamente una vez
05 Adelita
06 Aquelles ojos verdes
07 Ay cosita linda
08 Cachito
09 Capullito de Aleli
10 El bodeguero
11 Maria Elena
12 Nadie me ama
13 Piel canela
14 Noche de ronda
15 Quizas, quizas, quizas
16 Te quiero, dijiste
17 Não tenho lágrimas
18 Tres palabras
19 Vaya com Dios
20 Ansiedad




Um homem tem de saber
«Si Adelita se fuera con outro, la seguiría por tierra y por mar; si por mar en un buque de guerra; si por tierra en tren militar», canta nas espirais do vinil o «Rei» Cole, enquanto o pessoal se esforça por acompanhar o ritmo, mas também por se roçar q.b. pelas jovens participantes no bailarico. Na medida do possível, que é pouquíssimo, na imaginação mais do que no físico, mas neste último há quem se safe bem. E sai o comentário calino: roça, roça, que o Jean Jacques também Rousseau.

Começo a cansar com estas voltas ao passado, sobretudo para quem ainda tem coragem e pachorra para ler estas linhas – e não é do mesmíssimo passado. Há até, penso, quem fique passado perante um tal passado. A malta do bué de fixe se por acaso se detém, ainda que milimetricamente, nestas desconchavadas viagens, já estou a vê-la a comentar «ganda cena, os kotas são tramados» ou coisa pior.

Por isso, a partir de agora economizarei nas letras, nos espaços e nas consequentes batidas. Um homem tem de saber limitar-se. Se assim não o conseguir, ainda o acusarão de ter andado na Independente. O que, no mínimo é arrepiante, para não dizer mesmo pornográfico. O Tapman que se desengome. Eu passo.
A.F.

sábado, abril 21, 2007




A LÍNGUA NOSSA

O Direito, a Lusofonia e Macau



José Augusto Garcia Marques
H
istoricamente, a internacionalização do Direito iniciou-se e foi-se realizando através da celebração e aplicação entre os Estados de acordos internacionais – tratados e convenções -, a nível bilateral ou multilateral. Esse “direito pactício” passou a regular o conjunto de matérias que constituíam o seu objecto, vinculando os Estados signatários que, no exercício dos seus poderes soberanos, assim aceitavam obrigar-se.

A Internacionalização do Direito

O Direito Internacional clássico, a que nos estamos a referir, regulava, assim, os direitos e os deveres recíprocos dos Estados, assumindo a natureza de um puro direito interestadual. A sua construção assentava na soberania dos Estados, os quais, não reconhecendo nenhuma instância superior, eram, ao mesmo tempo, os “makers” (criadores) e os “brokers” (violadores) do Direito Internacional.

Podemos apontar três factores essenciais para a internacionalização do Direito. O primeiro diz respeito à necessidade, na sociedade dos nossos dias, de uma crescente cooperação entre os Estados visando a resolução de questões com implicações transnacionais. Cooperação económica, cooperação política, social e assistencial, cooperação judiciária e policial.

Um segundo factor da internacionalização do Direito reside no fenómeno da globalização. O desenvolvimento tecnológico na Sociedade de Informação em que vivemos, suscitou problemas novos, a exigirem novas respostas do Direito. Está-se, por definição, num domínio do Direito caracterizado pela sua dimensão internacional. O carácter transnacional das tecnologias da informação e comunicação está presente a todo o momento na regulamentação. Aliás, é assinalável a influência de organizações internacionais – Nações Unidas, União Europeia, OCDE, Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), Organização Mundial Aduaneira -, na tentativa de regulamentação de alguns aspectos.


Bastará pensar na resolução das dificuldades jurídicas resultantes de questões com um marcado carácter técnico – protecção dos dados pessoais e da vida privada, tutela do bom nome, honra e consideração, defesa dos direitos de autor, do software e das bases de dados em face da Informática e da Internet, compatibilização entre os valores da liberdade e da segurança, por exemplo na gestão de sistemas de videovigilância ou de vigilância electrónica, no âmbito da luta contra o terrorismo, relativamente à utilização de complexos procedimentos transnacionais de recolha de informações (como é o caso do sistema de espionagem ECHELON), interligação de redes postais ou telefónicas, liberalização do mercado de telecomunicações, conservação dos dados de tráfego.

Generaliza-se o crime informático, a reclamar a cooperação cada vez mais estreita entre diferentes Estados e organizações internacionais. Os importantes desenvolvimentos da bioética e da genética reclamam, porém, a adopção de cuidados particulares em áreas como a do trabalho e dos seguros. Como consequência da globalização da sociedade, generalizam-se certos princípios jurídicos que passam a funcionar como bitola do correcto exercício dos direitos. É o caso dos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da adequação.


Um terceiro factor de internacionalização do Direito consiste naquilo a que podemos chamar o esforço da sociedade internacional para o seu progressivo aperfeiçoamento e humanização, isto é, na sua utilização para a promoção de um mundo melhor. A aprovação dos instrumentos internacionais levada a cabo após a II Grande Guerra – a Carta das Nações Unidas em 1945, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948 e tantos outros – permitiram o nascimento do embrião de uma nova comunidade internacional juridicamente organizada, isto é, submetida ao direito.

Foi o choque da II Grande Guerra, com as violações maciças dos direitos humanos, que tornou inevitável a consagração do direito de ingerência. A soberania passou a exercer-se no quadro do Direito Internacional, que lhe limitou as manifestações discricionárias. Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) “a questão dos direitos humanos não releva mais do domínio interno mas do domínio internacional”. Os direitos humanos foram assim erigidos em matriz identificadora dos Estados de Direito durante a segunda parte do século XX. Até ao advento (será uma utopia?) de um “direito mundial”, temos o “direito dos grandes espaços geográficos” e o “direito das comunidades” ligadas pela língua, pela história e/ou pela cultura. Aqui entronca o “Direito do mundo lusófono”.

A Lusofonia e a CPLP

O
conceito de Lusofonia repousa sobre o significado de dois elementos que formam a palavra que exprime: Luso equivalente a lusitano ou Lusitânia, o mesmo é dizer português, Portugal. Quanto a fonia significa o mesmo que fala, língua. Vem do verbo foneo, falar (“Dicionário Temático da Lusofonia”, ACLUS e Texto Editores, 2005, pp. 652 e ss.). A Lusofonia é uma realidade em crescimento todos os dias, a partir daquilo que, em qualquer fonia, é básico e essencial: a comunicação e o diálogo, que aproximam as pessoas e as instituições.

De acordo com o “Dicionário Temático da Lusofonia”, a dimensão da Lusofonia no mundo pode ser calculada de várias formas. Mais frequentemente costuma ser calculada, com a das outras fonias, a partir do número global da soma das populações dos oito países. Utilizando o critério tradicional da contagem global das populações, estima-se que, segundo o Instituto Camões, de Lisboa, na sua página on line, acedida em Janeiro de 2004, «a população dos países de língua portuguesa que, de acordo com estatísticas do PNUD (1999) era, em 1998, de 208.402.000 milhões, irá conhecer aumento significativo, prevendo-se que, no ano de 2025, atinja os 285.831.000 milhões de indivíduos».

De acordo com o AtlasEco (2002), Atlas Economique Mondial (données des bulletins mensuels de l´ONU, mi 1999; à l´exception de Timor Oriental), era de 210.188.430 milhões. Acrescente-se que a população de Timor, em 2001, era estimada em 820.000 habitantes. Quanto aos lusófonos espalhados pelos cinco continentes, segundo dados disponíveis, constantes do “Dicionário Temático”, os brasileiros, por informação do Itamaraty, no site do consulado do Brasil, em Lisboa, em 2004, eram 1.342.189; os cabo-verdianos, em conformidade com informação publicada na Internet, eram, em 2004, 478.000; os portugueses, segundo publicação da Divisão de Informação e Documentação do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE/DGACCP), eram estimados em 4.631.482, em 1997 (Cfr. Dicionário Temático, p. 656).

A Lusofonia compreende também diferentes comunidades – maxime, de lusofalantes – que não constituem Estados ou Países. Embora em situações diversas, e em inúmeros lugares da diáspora, falam ou falaram português, suas variantes ou crioulos, a Galiza, Casamansa (no Senegal), ilha de Ano Bom, Ajudá (no Benim), Goa, Damão, Diu, Mangalor, Mahé, Fort Cochim, Tellicherry, Chaul, Korlai, Coromandel. Ainda nos são próximos os crioulos de Malaca, Vaipim, Batticaloa e Puttalan, no Sri Lanka. Na Oceânia, os de Bali, Java, de Kuala-Lumpur, Penang, Jehove, Taiping. E os de Curaçau, Aruba e Bonaire, além do de Suriname, da Guiana Holandesa (loc. cit, pág. 654).



A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é aquilo a que podemos chamar o “rosto político” da Lusofonia. A 17 de Julho de 1996, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, rubricaram os documentos constitutivos da CPLP os Chefes de Estado e de Governo de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Na Declaração Constitutiva da CPLP é feita referência aos valores da Paz, da Democracia e do Estado de Direito, dos Direitos Humanos, do Desenvolvimento e da Justiça Social, e é apontado, entre outros, o objectivo de consolidar a identidade cultural nacional e plurinacional dos sete países de língua portuguesa. Timor-Leste viria a integrar a CPLP como oitavo Estado-membro, tendo constituído relevante factor de aproximação afectiva no seio da comunidade lusófona.

A CPLP é, assim, e desde logo, uma associação de Estados. Uma eventual alteração da sua composição fica condicionada por um critério formal: a “decisão unânime da Conferência de Chefes de Estado e de Governo e ainda por três critérios materiais – a qualidade de Estado, que a sua língua seja o português e que esse Estado candidato adira sem reservas aos Estatutos. Ora, em face da exigência do requisito “qualidade de Estado”, fica a CPLP fechada ao seu alargamento por Macaenses, Goeses, Galegos e, bem assim, por outras comunidades luso-falantes ou com fortes raízes culturais lusíadas (como acontece em Malaca e no Sri-Lanka).


Um Conselheiro de mão cheia

Ora sejas muito bem aparecido, querido Amigo! O Conselheiro José Augusto Sacadura Garcia Marques foi do Liceu Camões para a Faculdade de Direito de Lisboa, sempre meu companheiro. Os anos cimentaram – se necessário fosse – os laços afectivos que temos entre nós. Em Angola, estivemos na tropa, como milicianos. E por aí fora.

Magistrado ilustre, a sua passagem pela Direcção Nacional da Polícia Judiciária foi sinónimo de êxito, aliás como habitualmente. Uma incursão no campo da Política levou-o a Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, Mário Raposo. Sol de pouca dura, pois que voltou logo que possível à sua carreira de magistrado. Onde alcançou o topo: Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. É considerado um dos nossos mais brilhantes juristas no domínio do Direito e a Informática.

Não é estreante neste blogue. Já aqui escreveu duas crónicas sobre a sua experiência na guerra colonial, assinando então com os seus três primeiros nomes: José Augusto Sacadura. Desta feita e para o futuro, será o J.A. Garcia Marques, meu colega e Amigo. Anoto que a sua mulher, a Professora Maria Lúcia Garcia Marques é, também, colaboradora regular do Travessa. Gente boa é assim como as cerejas: vem uma atrás da outra.



Os dois participaram em Macau numas jornadas sobre a Lusofonia, organizadas pelo Instituto Internacional daquela cidade. O texto que hoje a Travessa do Ferreira se orgulha de publicar é a primeira parte de um conjunto de dois em que Garcia Marques apresenta as linhas força das suas intervenções na Região Especial.

Naturalmente se publicará a segunda. E, para que conste, a colaboração deste jurista de mão cheia, mais dia, menos dia, revestirá a forma de regular. Penso que as suas experiências na Polícia Judiciária dariam boas estórias.
Quid juris, Conselheiro amigo?
A.F.


quinta-feira, abril 19, 2007



As gajas são lixadas

José Fanha
O meu amigo Helder levou ontem um medíocre da nossa professora e, quando chegou ao recreio, pôs-me uma mão no ombro e disse-me com cara de quem sabe muito bem do que é que está a falar: “Sabes o que eu te digo, pá? As gajas são lixadas!”

Fiquei.-me com aquela. Se o Helder dizia é porque devia ser verdade. Eu é que andava distraído e nunca tinha pensado a fundo nesses assuntos relacionados com gajas. Mas pensando bem, pensando bem, o Helder tinha toda a razão. Verdade, verdadinha: “As gajas são lixadas”.

Bastava lembrar-me da Armandinha que em vez de me dar os cromos das pastilhas elásticas preferia deitá-los para o caixote do lixo só para me irritar. E da Célia, a quem pedi namoro e se desatou a rir. E da Joana que todos os dias me dizia que eu tinha cara de sapo engasgado.

O Helder tinha mesmo razão. Quando fui para casa, ia a repetir cá para comigo: ”As gajas são lixadas! As gajas são mesmo lixadas!” Olhava para cada mulher que passava por mim na rua e pensava: “Tu és uma gaja lixada!” Vinha outra... “Tu também és uma gaja lixada!”

Cheguei a casa a repetir baixinho “As gajas são lixadas! As gajas são...”, e olhei para a minha avó, “As gajas são...” “O que é que vens a dizer, filho?”, perguntou-me ela. Eu nem disse nada. Fiquei corado desde o calcanhar até ao alto da cabeça. Ela a querer saber o que é que eu tinha, e eu que não tinha nada. Nadinha.

Ai não que não tinha! Fui logo a correr para o meu quarto e pus-me a pensar muito depressa que é a única maneira de pensar quando estamos aflitinhos.


Até o Fanha

Antunes Ferreira
Há um montão de anos que não encontrava o Zé Fanha. Conhecemo-nos, vejam lá, por alturas da Cornélia, uma Senhora Vaca de saudosa memória, de quando a RTP era a Um e a Dois e ponto. Mas, este modesto escriba foi seguindo sempre com atenção o percurso do bigodaças, e, sobretudo, quando ele plantou na face uma barba hirsuta e desorganizada. Tal pai…

E, de repente, no jantar das I Jornadas da FAÚMA, a Associação que reúne voluntários amigos e familiares dos doentes mentais do Júlio de Matos e da qual já aqui falei, eis que surge, vindo do antanho, mas não envolto em nevoeiro, abrenúncio, o dito cujo. Foi o reencontro de dois gordos assumidos, um célebre, outro um servidor modesto e desinteressado. E desinteressante.

O propriamente dito Fanha vinha fazer uma das mil e tantas coisas que, tal como se cozinha o bacalhau, ele sabe fazer, faz e faz muito bem: declamar poesia. Desnecessário e despiciendo seria enumerar aqui os itens da panóplia que o tipo usa. Dir-se-ia um plágio, aliás miserável, da Lista Telefónica, das páginas brancas e das amarelas, sem necessidade de ir pelos nossos dedos, pois ele vai.

Uma assistência atenta, mas nunca veneradora e obrigada, seguiu os momentos mágicos que o Zé lhe transmitiu, como sempre acontece. O raio do Homem é um perigoso rival do Vinho do Porto – e não digo porquê. Está cada vez melhor. Porra: disse. Cresceram-lhe a barriga, os apêndices capilares e o engenho e a arte.

No meio da enorme alegria do reencontro, uma se possível ainda «mais grande», pleonasticamente falando: os textos. Os poemas foram desfilando, à solta, enroupados na voz inconfundível do Fanha e na forma excelente de os dizer. Aí, seu homem! O João Villaret, o Manuel Lereno, o Mário Viegas, o José Jorge Letria, e tantos outros, estavam ali presentes para o ouvir também.

No fim, por entre cumprimentos e agradecimentos, ainda tive tempo para lhe pedir permissão para publicar neste blogue excertos de uma coisinha deliciosa que o bom malandro – perdoa-me, Zambujal – editou recentemente: «Diário Inventado de um Menino já Crescido». Pois o Zé fez mais do que dar-me a autorização: mandou-me os textos do grande livrinho. Está dito.

É assim que o Travessa do Ferreira passa a publicar textos assinados pelo José Fanha. Desvanecimento e honra é o que não me falta, bem pelo contrário. Babadinho. Nova colaboração que se junta a outras que já conferem a este blogue uma dimensão que ele nem sonhou ter. E não esperas pela demora, companheiro: fico à espera de originais. Quando tiveres tempo, pachorra e disposição. Não escapas, camarada. Mas as coisas são o que são. Até o Fanha…

Um abração, Amigo, e o obrigado deste escriba. Só – e basta.

domingo, abril 15, 2007




Uma pocilga infecta

Antunes Ferreira
Tenho, forçosamente, de escrever este texto, ainda que não o quisesse fazer. Não gosto de estrumeiras, muito menos de pocilgas onde os porcos cevam e roncam. Sublinho: chiqueiros não são para mim.

Vem isto a propósito de uma infecta situação que me causou uma enorme indignação a princípio. Depois, fiz por esquecer o imbróglio, mas tal foi-se tornando impossível. Muitos Amigos e muitos leitores que eu nem conheço começaram a mandar-me missivas inquirindo qual o motivo porque me metera numa esterqueira que dá pelo nome de «Portugalclub».

Outros disseram-me que estavam a receber esse escarro «internético» em quantidades colossais e que não queriam que tal sujeira lhes fosse enviada. Acentuaram muitos que, além do mais, os escritos lhes enchiam as caixas de correio, impedindo-os de acolher coisas decentes.

Comecei por esclarecê-los da enorme deselegância de um tal Casimiro Rodrigues, patrão do pasquim informático. E especifiquei que, escassos dias depois de ter publicado ali uns textos, porque um Amigo (que julgava muito bom…) me dissera que eu deveria fazê-lo para contrabalançar a sujeira que ali saía a público, dera expressamente por acabada a minha colaboração. Por escrito.

E disse-lhes também que fora eu o culpado de que tal lhes estivesse a acontecer, pois o homúnculo roubara a minha lista de endereços, não sei como o fez – mas fê-lo. E aconselhei-os a escreverem para o gatuno (à frente explico este nome) dizendo que não lhe permitiam que lhes enviasse o folhetim sujo.

Santa ingenuidade, a de um velho com 65 anos já feitos, estúpido procedimento, insana veleidade tive, pensando levar algo diferente do saudosismo, salazarentismo, fascismo que enxameiam a folha de couve. Não sabia do problema em que metera. Passo a explicar. Depois me dirão os que se me dirigiram ou, até, os que escreveram algo sobre isto neste blogue.

O já citado Casimiro, analfabeto praticante, revelou-se-me igualmente um chantagista contumaz. Ele que fora todo amabilidades quando eu entrara (que asneira!!!!!!!...) na desrazoada publicação (?), começou a telefonar-me e a mandar-me msns dizendo (tenho gravações e cópias) que era o Partido Socialista que me proibira de escrever ali. Só numa escassa hora e meia nocturna, tentou invadir-me o Messenger com 27 chamadas. Disso também tenho provas.

Como lhe mandara o meu curriculum vitae para que ele soubesse quem eu era (infelizmente só iria descobrir depois desses três ou quatro dias de colaboração, o carácter do infame) e apenas para isso, o sôr Casimiro publicou-o na íntegra, congratulando-se com o novo elemento que vinha prestigiar o já mencionado e intragável PClub. Disse-lhe então que ele procedera mal, mas que já estava feito. Por isso... Aliás, outros colaboradores (entre os quais alguns conhecidos meus e até amigos) felicitaram igualmente o patrão e a sua «obra» pela minha entrada…

Face à minha auto-exclusão da folha incrível, pois o proibira de publicar o que quer que fosse mais, o infecto começou um novo arrivismo: foi (e vem) a este blogue, roubando textos que publica como se eu fosse seu colaborador. Alguns mesmo assinando-os com Tenente Antunes Ferreira. O que é um acinte, para além do mais. Fui tenente miliciano, por ter prestado cinco anos de serviço militar obrigatório. Fui. Já não sou. Não quero interpretar o que o homenzinho (?) quer com tal parvoíce.

Acrescento que, e muitas vezes o disse já, esses cinco anos fardado – fruto de ser considerado um perigoso subversivo naquele tempo – não me originaram qualquer trauma nem servem de justificação para o clássico tempo perdido com o SMO. Tenho muito orgulho e honra de o ter sido. Não concordava com o chamado Estado Novo/Velho, bati-me contra ele - mas entendi que devia respeitar a farda do Exército Português. Não desertei. E aprendi muito com a vida militar e com os militares.

Esta é uma estória para esquecer. A última diligência que fiz foi solicitar à nossa Embaixada em Brasília para fazer o favor de tentar junto do energúmeno o possível para que ele não continue a incomodar-me. Já o avisei de que levaria, sendo necessário, o caso aos tribunais. Ripostou-me, no abjecto objecto, que eu estava a tentar intimidá-lo.

Acabou-me a paciência. Bato com a mão no peito, repetindo a contrição pela minha argolada, reforço o pedido de desculpas aos que são meus Amigos e aos que me lêem, prometo que tudo farei para que o procedimento pulha do mencionado sujeito seja eliminado. Mais – não posso. Infelizmente.

Um abração para todos. Veremos o que isto vai dar. Quousque tandem?

sábado, abril 14, 2007




DESTINO: MÚSICA

Gilbert & Aznavour

Tapman
Do tempo em que ainda havia música francesa, recordamos Gilbert Becaud e Charles Aznavour no seu melhor. Gilbert estará nas faixas ímpares e Charles nas pares. A qualidade será sempre ímpar.

01 Dimanche à Orly
02 Que c’est triste Venise
03 Et maintenant
04 Qui
05 Au revoir
06 La mamma
07 Je reviens te chercher
08 La bohème
09 L’important c’est la rose
10 Hier encore
11 Mes mains
12 For me … formidable
13 Nathalie
14 Et pourtant
15 Quand il est mort le poète
16 Avec
17 Rosy and John
18 Ay mourir pour toi
19 Seul sur son étoile
20 Bon anniversaire

... E o link de hoje é:

http://www.mediafire.com/?4mjnoegxwmt

Informações

O Tapman, como lhe é habitual, honra lhe seja, escreve-me: «A última contribuição com Música Italiana teve menos êxito que as antecedentes, provavelmente devido ao problema do link. Julgo que será necessário certificar-se sempre se ao colar o link ele fica activo, isto é, se a seta do rato se transforma em mão. Caso tal não aconteça peço-lhe que acrescente esta nota "Pelo processo copiar/colar, colocar este link como endereço de nova página do Internet Explorer".
Já agora, a leitora Ângela Gonçalves, de Silves, pergunta onde poderá comprar CDs do Marini e do Carosone. Cá não deve haver, mas pode comprar pela net em http://www.amazon.co.uk/music-rock-classical-pop-jazz/b/ref=topnav__w_h_/203-0249512-2110338?ie=UTF8&node=229816
Passe o que possa ser considerado publicidade, saem mais baratos do que comprados aqui (com portes e tudo).




Ó tempo volta…

Repito, que me desculpem os leitores, quiçá já fartos de me aturar: este Tapman é um perigo! Não contente de nos levar a ouvir coisas de chorar – de saudades e por mais – ainda nos obriga a ir buscar o LP (muita malta que anda por aí, que me perdoe o Sr. Lopes, S., o plágio, nem sabe o que esta sigla quer dizer) do António Mourão.

O pérfido especialista musical está sempre a fazer-nos crer que o «tempo volta pra trás» e a pedir que este nos dê tudo o que perdemos, bem como a solicitar-lhe que tenha pena de nós e nos dê a vida, a vida que já vivemos. Ora reparem: o malandro traz-nos o Carosone, o Marino, o Aznavour e o Becaud e não cita o fadista que alegadamente entende que esse tempo miserável matou as «nossas esperanças vãs» e recorda-lhe que veja bem «que até o próprio Sol volta todas as manhãs». Não se faz.

Numa altura em o Botas é eleito «o melhor português de sempre» (ainda que o Cristiano Ronaldo seja o melhor do Mundo e com um pagamento satisfatório, isto é, qualquer coisa como uns míseros sessenta euros, sessenta por segundo; ainda que o Mourinho por lá ande também, fora as massas das publicidades), numa altura em que o sor Zé Pinto Coelho tenta reeditar o D. João II e expulsar os imigrantes, numa altura em que o País se rebola na mediocridade de saber coisas sobre o engenheiro, numa altura em que muita gente do PPD/ PSD apostrofa o sor Marques Mendes, definitivamente pequenino – é quando o acenar ao tempo para que volte para trás se torna verdadeiramente pornográfico.

Daí o repetir da periculosidade do dito Tapman. Bem vistas as coisas, trata-se de um agitador
a anteriori. Abro parênteses. Uma latinada de quando em vez fica sempre bem, tal como andar com o Sol debaixo do braço ao sábado. Desta feita, com aspas e apenas semanalmente. Fecho parênteses.

Quando se entra por estes labirintos, há que ter muita atenção e cuidado correspondente. Tive uma namoradinha, eu 15 aninhos, ela 16, mais coisa, menos coisa, a Elsa, que um belo dia me confidenciou que não podia amar-me muito porque se tinha enamorado perdidamente pelo Gilberto. Nunca saberei o que queria ela dizer com o «amar-me muito». Será que há bitola? Ferido no meu amor próprio – na altura ainda não sabia o que era o ego e, se calhar, ainda não sei – e no centro do coração, lá conseguiu ultrapassar a crise que me entrara a galope e perguntei-lhe quem era esse tal Gilberto e, naturalmente, que tinha ele mais do que eu. Os aspirantes a homens eram assim.

E a perjura respondeu-me, com a altivez de quem pensava que eu era uma besta, que se tratava do bécou. Levei uns dois anos para descobrir que afinal se tratava do Becaud, meu rival nos amores – e nas canções. Sim, porque eu sempre fui mais Carosone. Até cantei o Torero na festa dos finalistas do Camões. O Tapman é um perigo. Um tsunami.
Antunes Ferreira


segunda-feira, abril 09, 2007



POSTO DE OBSERVAÇÃO

“Câmara Clara" só vê Lisboa

João Figueira
É
óbvio: vemos a partir do nosso ângulo de observação. Daí, que ao olharmos para a diversidade que é este nosso Portugal o vejamos segundo o respectivo ponto de observação. Se o observador não mudar o seu posto de observação isso significa que ele olha a mesma realidade, mesmo que esta mude. Mas é dela e só dela que ele pode falar, visto que é ela que ele vê e presta atenção.

Vem isto a propósito do programa "Câmara Clara", que acabei de telever no Canal 2 da RTP. Tema interessante, convidados inteligentes e cativantes, mas a informação veiculada pela apresentadora e seu programa deixa-me mais do que irritado. Eu explico.


Ao longo de todo o tempo que dura o programa, cerca de uma hora, são desfiados vários tópicos culturais e informações preciosas para quem vive em Lisboa. Depois de uns justos, mas, convenhamos, exagerados superlativos gastos (ok, direi investidos) com a "Festa da Música" do CCB, a que se seguirão, minutos mais tarde, referências à Culturgest, à Gulbenkian, ao S. Carlos, ao teatro Camões, Paula Moura Pinheiro alerta a sua audiência para um conjunto de bons espectáculos culturais. Todos em Lisboa. Excepção feita, em último lugar, à institucional Serralves, situada nas longínquas terras nortenhas, nada mais se passa em Portugal que mereça uma referência, uma atençãozinha por parte da equipa que faz "Câmara Clara".




Onde é que eu quero chegar? Em Coimbra, onde vivo com pena dos que perdem centenas de horas por ano no trânsito lisboeta, há um magnífico espectáculo de teatro, "Tchékhov e a arte menor", pela companhia Escola da Noite, cujas sessões esgotam há mais de uma semana. Onde é que em Lisboa há um caso assim, sem ser o Emanuel no Pavilhão Atlântico?

Mas está claro, para quem vive fora do desmesurado centro de decisão que é Lisboa, que exemplos como este são insignificantes. Importante é falar sempre dos mesmos, como se a cultura (porque é de um programa cultural que estou a falar) vivesse e respirasse apenas o ar da escassa meia-dúzia de nomes e instituições que têm acesso privilegiado aos media. Como se apenas eles habitassem o Mundo e este terminasse ali, um pouco acima de Braço de Prata.

Portugal é um País pequeno. Mas há quem o torne ainda mais pequeno, ao limitar a Lisboa uma realidade que é, felizmente, muito mais vasta, rica e diversificada. Para ver isso basta mudar, de vez em quando, o posto de observação. Ou os interesses exclusivos do observador.

NE - Promessa cumprida. Começa hoje a colaboração regular do Jornalista e Professor Universitário em Coimbra, João Figueira. Melhor será que adite - ou, até mesmo, deveria ter começado por aí - que é um grande Amigo, de muitos anos, ainda que seja um jovem ao pé de mim.

Falar do João é falar de Coimbra, mas é também falar da Paula, sua mulher e médica, do filho também João, do Diário de Notícias, de Macau e de outros lugares onde estivemos juntos. Por exemplo: de Castanheira de Pera, onde vivem os sogros Coutinhos, ou de Pukhet onde passámos um memorável fim de ano. Estória que um dia destes contarei.

É com enorme satisfação que o temos na nossa equipa cada vez mais alargada. E é, outrossim, uma honra para o Travessa. Só espero que a sua presença frequente (que ora começa) se vá repetindo sem hiatos, muito menos soluções de continuidade. O enriquecimento deste blog passa pelo João Figueira da Silva.

A Amizade que nos une não me impede de aqui exarar que o admiro. Profissional, mas também humanamente. É o que se chama um gajo porreiro, além de competentíssimo. Tem um senão público e notório: é benfiquista. Aqui se aplica com propriedade o não se pode ter tudo. Ou, no melhor pano... AF

domingo, abril 08, 2007





Cartaz e cartaz


Antunes Ferreira
O
assunto ainda vai fazer correr muita tinta – agora, em suporte papel e a laser… - e bem merece que assim seja. O Gato Fedorento respondeu com humor ácido ao miserável cartaz do Partido Nacional Renovador (PNR), colocado na Praça do Marquês de Pombal, em Lisboa, com um cartaz satírico a apoiar a imigração. Porém, só lá esteve um dia.
Explico-me - ainda que muita gente já saiba do acontecido. A Câmara Municipal de Lisboa mandou retirar o cartaz, que, de acordo com a autarquia lisboeta, foi colocado "ilegalmente" ontem na Rotunda. De acordo com um comunicado do gabinete do

vereador dos Espaços Públicos, António Proa, que a Lusa menciona, o cartaz do Gato Fedorento "não possui licença camarária".

A informação do gabinete de Proa explica também que em relação ao cartaz do PNR, cujas mensagens ficaram praticamente ilegíveis depois de ter sido vandalizado, "não tem capacidade legal" para o remover, e especifica que "a lei confere total liberdade" às forças políticas e que a CML não pode agir "mesmo quando a razoabilidade e o bom senso assim o pareçam exigir".
Em poucas palavras, e socorrendo-me do que a Comunicação Social deu a lume, ao lado do polémico cartaz xenófobo do PNR, colocado na quarta-feira passada, onde se pode ler "Basta de Imigração!", foi logo na quinta colocada a mensagem do Gato Fedorento: "Mais imigração!". Porque "a melhor maneira de chatear os estrangeiros é obrigá-los a viver em Portugal", completam os do Gato.

À imagem do outdoor do PNR, o cartaz dos humoristas também tinha um avião, mas nele podia-se ler "bem-vindos". E em vez do fundador e presidente do partido nacionalista, aparecem Ricardo Araújo Pereira, Tiago Dores, Miguel Góis e José Diogo Quintela, vestidos a rigor, parodiando a imagem do líder do PNR. Os humoristas foram mais longe: "Com portugueses não vamos lá!", diz o cartaz. Porque se, para uns, nacionalismo é solução, para outros "é parvoíce". Segundo o jornal Público esta acção de "humor de intervenção" é custeada pelos próprios elementos do Gato Fedorento.

Ameaças na internet

Por outro lado, publicou o Correio da Manhã que «a Polícia Judiciária (PJ) já estava a investigar as ameaças contra Ricardo Araújo Pereira, o principal rosto do Gato Fedorento». E mais, disse ainda o quotidiano que «o humorista tem protecção policial, classificada de “não intrusiva” e assegurada pelo corpo de protecção pessoal da PSP». Para além disso, e ainda de acordo com o CM, «a Direcção Central de Combate ao Banditismo (DCCB) está a acompanhar as movimentações da extrema-direita, nomeadamente as ameaças a Ricardo Araújo Pereira».

Um dia depois do aparecimento do cartaz do Gato, no site Fórum Nacional – espaço cibernáutico da Juventude Nacionalista – os ‘posts’ de ameaça sucederam-se, sob anonimato. Algumas, como triste exemplo: «Creio que terei de fazer um destes dias uma visita à hora de saída do colégio [...] onde um destes burgueses esquerdistas tem os seus filhos a estudar». Nuno NS; «Acidentes acontecem... e para mais sendo fedorentos... é muito fácil dar com eles». Desperta88; «Caso eles não tenham moderação no que dizem, poderão vir a ter consequências». Cidadão oculto, e «A minha vontade era vandalizar a tromba a esses quatro anormais... anti25/4». José Pinto Coelho, líder do PNR, lamentou as ameaças, mas, disse que só respondia pelo partido.

Tanto quanto sei, e apesar de uma censura generalizada ao inusitado cartaz da extrema direita, só conheço a reacção do Bloco de Esquerda à retirada do outdoor do Gato Fedorento. Os bloquistas insurgiram-se contra o executivo lisboeta e entenderam preocupante a celeridade que se registou quanto à retirada do painel.

Referiram, especialmente, que deveria, antes de tudo, ser consultado a figura principal do Gato, Ricardo Araújo Pereira, que talvez se tivesse disposto a sanar a alegada “ilegalidade”. Isto apesar da Câmara afirmar que o humorista considerado o número um de Portugal não tinha estado contactável. Apetece aqui dizer que, tal como há meio século começou a acontecer nos ecrãs televisivos – “o programa segue dentro de momentos”.


Os buracos das leis

Decididamente, é-se preso por ter cão, mas também por não o ter. A lei, uma qualquer lei, mal acabou de ser parida, promulgada e entrada em vigor é, imediatamente, objecto de estudo dos juristas, nomeadamente de advogados para que se descubra qual o parágrafo, a alínea, o número através do qual é possível escapar a ela própria.

Os pessimistas dizem mesmo que o furinho salvador, mais ou menos ínvio, já se encontrou antes mesmo do lexto legal ver a luz do dia. Outros, ainda mais acintosos, referem com absoluto descrédito na produção legislativa, que, antes mesmo da redacção ou, até da congeminação do diploma já se encontrou essa via de fuga. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra…

Tanto quanto me consigo aperceber a proa do Proa ficou bastante amolgada com este assunto. Desculpe o Senhor Vereador o trocadilho, mas não fui eu que o levei à pia baptismal. No entanto, o apelido de um cidadão é sagrado e esta ironia pode ser considerada descabida. Porém, escrevi – está escrito. O vereador Proa naufragou? Só ele o pode dizer.

Não foi uma intervenção muito brilhante. Nem muito, nem pouco. Foi um «esclarecimento» sem necessidade de Ray Ban. A preto e branco, seria cinzento incaracterístico; noutras circunstâncias, poderia ser da cor de burro quando foge. Os três mosqueteiros do Gato Fedorento – que são quatro, como os do Senhor Dumas eram – ainda não disseram a última palavra. Deles.

Já agora, o caso engenheiro



Penso que se está – estamos – longe disso. O cartaz execrável do PNR ainda vai motivar muitos mais desenvolvimentos. Os Portugueses, estou certo, esperam por eles, do mesmo modo que aguardam a conclusão do dossier Sócrates/licenciatura. Tanto quanto dizem os órgãos da Comunicação Social, o primeiro-ministro virá esta semana a público esclarecer o imbróglio.

É bom que assim aconteça. Tal como diz o João Miguel Tavares no DN, não é por ser engenheiro, licenciado, bacharel ou outro grau qualquer, que José Sócrates se comportará melhor do que se tem comportado como chefe do Governo. E, para mim, ele continua a ser o chefe do melhor Executivo depois do 25 de Abril – e de antes.

Não podia, porém, não pode, muito menos poderá enganar os Portugueses, isto é, enganar-nos, no que respeita a título académico. Se se apresentou como engenheiro – e se permitiu que assim o venham tratando – assuma-se e explique. Um exemplo, ainda que apenas académico: um bom sapateiro pode perfeitamente dar um bom, um excelente mesmo, primeiro-ministro. Um remendão – não.

Volto ao Gato Fedorento e ao placar. Um bom cartaz, ainda que “ilegal”, como era o caso do que os gatos humoristas produziram, pode levar a água ao seu moinho, isto é, elucidar o público, mesmo que mordaz à enésima potência. Um mau cartaz, como é o caso do afixado pelo PNR, até pode conduzir à violência pelo seu chauvinismo. Ainda que “legal”.

quarta-feira, abril 04, 2007



Abril para o mundo


Nelly Carvalho
Agora em abril, comemora-se 507 anos da chegada da língua portuguesa em terras da América. Não foi imediatamente adotada. A princípio, era a língua dos degredados que ficavam penando em terras estranhas. Depois, passou a ser a língua do colonizador, falada esporadicamente, até que um decreto do Marquês de Pombal , no século XVII, tornou seu uso oficial e obrigatório em terras brasílicas. Adotamos a língua do colonizador e apagamos da memória e da comunicação a língua do colonizado, o índio. A língua que falamos é na sua essência a mesma falada em Portugal, sendo um instrumento que facilitou e abriu nossa cultura para o mundo. Já pensaram se ainda falássemos tupi?

Em 1922, intelectuais nacionalistas quiseram denominá-la língua brasileira e na década de 40 houve um projeto de lei que criava a denominação de brasileira como obrigatória nos livros didáticos. Mas o lingüista Antenor Nascentes acabou com a festa, logo depois afirmando que o português brasileiro é apenas uma variedade do português europeu. O assunto saiu de pauta como proposta oficial, porém as diferenças entre as duas formas de expressão continuaram a incomodar, e as explicações fizeram-se cada vez mais necessárias.

As línguas se modificam no tempo e no espaço mas as alterações sofridas pelo português no Brasil não foram suficientes para constituir uma nova língua. Da América à Ásia, cada povo que fala a língua portuguesa modelou-a e recriou-a à sua imagem. E nenhum exemplo é mais relevante que o do Brasil. Essa modelagem é uma questão sociológica e advém da formação do povo brasileiro, caminhando lado a lado com sua história. Somos peritos em criar modelitos novos. Recebemos influências do exterior em todos os campos e sabemos recriá-las em novos padrões.

A nova modelagem da língua portuguesa começou com a influência e a contribuição das línguas indígenas do litoral que interagiram com os portugueses recém chegados e já nomeavam muitas das realidades existentes aqui. Além da dificuldade mútua de compreensão, havia a disparidade de hábitos fonéticos, que modificava a pronúncia de termos portugueses e indígenas. A seguir, com a escravidão, novos hábitos e termos foram introduzidos, com a chegada dos africanos de várias etnias, entre elas os bantos e iorubás.

E a língua por estas plagas foi ficando cada vez mais diferente da que se falava em Portugal. É verdade que com as significações básicas, como os verbos de sentido vital ( viver, morrer, nascer, etc), a nomeação dos acidentes geográficos, do parentesco, das partes do corpo, dos fenômenos atmosféricos, da divisão do tempo, continuamos na trilha conjunta.

O mesmo acontece com as palavras ditas gramaticais, preposições, conjunções, pronomes, como também terminações verbais e flexões de gênero e número, o que significa que continuamos como um sistema lingüístico único obedecendo a duas modelagens. Com o mesmo material criaram-se modelitos diferentes. Esses modelitos divergem especialmente: no vocabulário e na fonética, ou seja, na pronúncia, o que é facilmente constatável no contato com a língua falada em Portugal. O vocabulário cultural é bem diferenciado: berma, acostamento /camisa, camisola /bica, cafezinho. As escolhas nas construções frasais também divergem , mas trazem menos dificuldades.

O modelito brasileiro, no entanto não é uniforme, não permanece uno. Há uma grande dificuldade de seguir, na língua coloquial ou popular, as rígidas regras de um modelo centralizado. Há distância entre os falares cultos e os populares, com o predomínio marcante destes últimos em todo o território nacional. Este predomínio deve-se ao grande contingente de população africana e afro-descendente que atingia o patamar de 60% a 70% dos habitantes no Brasil do século XVII ao XIX.

Obrigados a abdicar das línguas de origem, tiveram de aprender num processo de transmissão irregular a língua do colonizador e criaram uma forma de português popular divulgado nem todo o país. O branco não logrou impor sua norma como única, o que resultou na criação dos modelitos lingüísticos folgados que vestimos, sobretudo na língua falada, e que tanto se afastam do que rezam as clássicas regras gramaticais da língua portuguesa .


A nossa Língua e a nossa Pátria

Antunes Ferreira

A Professora Doutora Nelly Carvalho dá aulas na Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, desde 1974, no Departamento de Letras.

É doutorada pela Sorbonne, e isso diz tudo. Foi através do blog da Embaixada de Portugal no Brasil – isto começa a tornar-se repetitivo, mas é uma verdade incontornável – que tomei conhecimento do seu artigo que aqui publico. Aliás, sem lhe pedir previamente autorização, ainda que tenha dado conhecimento à pe360graus.globo.com, onde é colunista.



Nunca é demais acentuar o prazer que tenho quando me deparo com textos sobre a nossa língua. Uma língua rica que, inclusive, através da escrita, já ganhou um Nobel por José Saramago, mas que tem nomes que são conhecidos no Mundo inteiro. Um Jorge Amado, um Lobo Antunes, Um Manuel Bandeira, um Fernando Pessoa, um Aires de Almeida Santos, um José Craveirinha, um Corsino Fortes, para já não falar num José de Alencar ou num Luís de Camões, são elementos de uma panóplia imensa e excelente.

Nelly Carvalho tem uma vida dedicada à língua portuguesa. É uma verdadeira personalidade. Foi das que se insurgiram contra a tentativa felizmente falhada de se considerar a «língua brasileira» como um novo idioma. A Professora pernambucana num texto primoroso de que transcrevo também uns passos afirma que «no Nordeste, a língua portuguesa aportou primeiro. Aqui chegou com os donatários das capitanias, quando o Brasil, ou melhor, a Terra de Vera Cruz era apenas uma faixa estreita, limitada pelo Tratado de Tordesilhas.»
(…)
«Assim, fomos nós, os nordestinos, que demos início à saga da língua portuguesa no Brasil, adaptando-a a novos hábitos fonéticos, recheando-a de termos de origem indígena e, mais adiante, de origem africana, e guardamos esta modalidade de língua transplantada, como um tesouro, sem quase modificá-la, até porque, diferente do Sudeste, não recebemos contingentes de imigrantes, falantes de outras línguas.»

«O melhor de tudo é que os verbetes do dicionário são abonados com letras de músicas regionais, receitas diversas e frases dos escritores que por aqui viveram e se expressaram no linguajar rico de metáforas e metonímias de nossa gente, que assume uma visão de mundo diferente das demais regiões, pelas expressões que emprega, criadas a partir da vivência, e na maioria vindas da boca do povo, pois como diz Bandeira ele é que fala o português gostoso do Brasil.»


Conjugam-se, portanto, nestas palavras de Nelly Carvalho, duas homenagens: à língua portuguesa e à sua saga no Brasil. Já aqui, num modesto comentário se lhes junta uma outra: ao blog da Embaixada de Portugal no Brasil. Merecem-no a Autora e o Embaixador Seixas da Costa. Daí o registo que a Travessa do Ferreira tem o grato prazer e a honra de publicar.