quarta-feira, abril 04, 2007



Abril para o mundo


Nelly Carvalho
Agora em abril, comemora-se 507 anos da chegada da língua portuguesa em terras da América. Não foi imediatamente adotada. A princípio, era a língua dos degredados que ficavam penando em terras estranhas. Depois, passou a ser a língua do colonizador, falada esporadicamente, até que um decreto do Marquês de Pombal , no século XVII, tornou seu uso oficial e obrigatório em terras brasílicas. Adotamos a língua do colonizador e apagamos da memória e da comunicação a língua do colonizado, o índio. A língua que falamos é na sua essência a mesma falada em Portugal, sendo um instrumento que facilitou e abriu nossa cultura para o mundo. Já pensaram se ainda falássemos tupi?

Em 1922, intelectuais nacionalistas quiseram denominá-la língua brasileira e na década de 40 houve um projeto de lei que criava a denominação de brasileira como obrigatória nos livros didáticos. Mas o lingüista Antenor Nascentes acabou com a festa, logo depois afirmando que o português brasileiro é apenas uma variedade do português europeu. O assunto saiu de pauta como proposta oficial, porém as diferenças entre as duas formas de expressão continuaram a incomodar, e as explicações fizeram-se cada vez mais necessárias.

As línguas se modificam no tempo e no espaço mas as alterações sofridas pelo português no Brasil não foram suficientes para constituir uma nova língua. Da América à Ásia, cada povo que fala a língua portuguesa modelou-a e recriou-a à sua imagem. E nenhum exemplo é mais relevante que o do Brasil. Essa modelagem é uma questão sociológica e advém da formação do povo brasileiro, caminhando lado a lado com sua história. Somos peritos em criar modelitos novos. Recebemos influências do exterior em todos os campos e sabemos recriá-las em novos padrões.

A nova modelagem da língua portuguesa começou com a influência e a contribuição das línguas indígenas do litoral que interagiram com os portugueses recém chegados e já nomeavam muitas das realidades existentes aqui. Além da dificuldade mútua de compreensão, havia a disparidade de hábitos fonéticos, que modificava a pronúncia de termos portugueses e indígenas. A seguir, com a escravidão, novos hábitos e termos foram introduzidos, com a chegada dos africanos de várias etnias, entre elas os bantos e iorubás.

E a língua por estas plagas foi ficando cada vez mais diferente da que se falava em Portugal. É verdade que com as significações básicas, como os verbos de sentido vital ( viver, morrer, nascer, etc), a nomeação dos acidentes geográficos, do parentesco, das partes do corpo, dos fenômenos atmosféricos, da divisão do tempo, continuamos na trilha conjunta.

O mesmo acontece com as palavras ditas gramaticais, preposições, conjunções, pronomes, como também terminações verbais e flexões de gênero e número, o que significa que continuamos como um sistema lingüístico único obedecendo a duas modelagens. Com o mesmo material criaram-se modelitos diferentes. Esses modelitos divergem especialmente: no vocabulário e na fonética, ou seja, na pronúncia, o que é facilmente constatável no contato com a língua falada em Portugal. O vocabulário cultural é bem diferenciado: berma, acostamento /camisa, camisola /bica, cafezinho. As escolhas nas construções frasais também divergem , mas trazem menos dificuldades.

O modelito brasileiro, no entanto não é uniforme, não permanece uno. Há uma grande dificuldade de seguir, na língua coloquial ou popular, as rígidas regras de um modelo centralizado. Há distância entre os falares cultos e os populares, com o predomínio marcante destes últimos em todo o território nacional. Este predomínio deve-se ao grande contingente de população africana e afro-descendente que atingia o patamar de 60% a 70% dos habitantes no Brasil do século XVII ao XIX.

Obrigados a abdicar das línguas de origem, tiveram de aprender num processo de transmissão irregular a língua do colonizador e criaram uma forma de português popular divulgado nem todo o país. O branco não logrou impor sua norma como única, o que resultou na criação dos modelitos lingüísticos folgados que vestimos, sobretudo na língua falada, e que tanto se afastam do que rezam as clássicas regras gramaticais da língua portuguesa .


A nossa Língua e a nossa Pátria

Antunes Ferreira

A Professora Doutora Nelly Carvalho dá aulas na Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, desde 1974, no Departamento de Letras.

É doutorada pela Sorbonne, e isso diz tudo. Foi através do blog da Embaixada de Portugal no Brasil – isto começa a tornar-se repetitivo, mas é uma verdade incontornável – que tomei conhecimento do seu artigo que aqui publico. Aliás, sem lhe pedir previamente autorização, ainda que tenha dado conhecimento à pe360graus.globo.com, onde é colunista.



Nunca é demais acentuar o prazer que tenho quando me deparo com textos sobre a nossa língua. Uma língua rica que, inclusive, através da escrita, já ganhou um Nobel por José Saramago, mas que tem nomes que são conhecidos no Mundo inteiro. Um Jorge Amado, um Lobo Antunes, Um Manuel Bandeira, um Fernando Pessoa, um Aires de Almeida Santos, um José Craveirinha, um Corsino Fortes, para já não falar num José de Alencar ou num Luís de Camões, são elementos de uma panóplia imensa e excelente.

Nelly Carvalho tem uma vida dedicada à língua portuguesa. É uma verdadeira personalidade. Foi das que se insurgiram contra a tentativa felizmente falhada de se considerar a «língua brasileira» como um novo idioma. A Professora pernambucana num texto primoroso de que transcrevo também uns passos afirma que «no Nordeste, a língua portuguesa aportou primeiro. Aqui chegou com os donatários das capitanias, quando o Brasil, ou melhor, a Terra de Vera Cruz era apenas uma faixa estreita, limitada pelo Tratado de Tordesilhas.»
(…)
«Assim, fomos nós, os nordestinos, que demos início à saga da língua portuguesa no Brasil, adaptando-a a novos hábitos fonéticos, recheando-a de termos de origem indígena e, mais adiante, de origem africana, e guardamos esta modalidade de língua transplantada, como um tesouro, sem quase modificá-la, até porque, diferente do Sudeste, não recebemos contingentes de imigrantes, falantes de outras línguas.»

«O melhor de tudo é que os verbetes do dicionário são abonados com letras de músicas regionais, receitas diversas e frases dos escritores que por aqui viveram e se expressaram no linguajar rico de metáforas e metonímias de nossa gente, que assume uma visão de mundo diferente das demais regiões, pelas expressões que emprega, criadas a partir da vivência, e na maioria vindas da boca do povo, pois como diz Bandeira ele é que fala o português gostoso do Brasil.»


Conjugam-se, portanto, nestas palavras de Nelly Carvalho, duas homenagens: à língua portuguesa e à sua saga no Brasil. Já aqui, num modesto comentário se lhes junta uma outra: ao blog da Embaixada de Portugal no Brasil. Merecem-no a Autora e o Embaixador Seixas da Costa. Daí o registo que a Travessa do Ferreira tem o grato prazer e a honra de publicar.

4 comentários:

Anónima Salina disse...

A língua portuguesa é uma das grandes paixões da minha vida.
Nunca tive nenhum sentimento ou comportamento que pudesse ser conotado com as palavras "nacionalismo" ou "patriotismo", provavelmente, porque nunca tive muito tempo fora de Portugal. Tanto gosto de fado como de tarantelas, do vira e de flamengo, de cantares alentejanos e de música celta e, tanto me comovo com as vitórias da Rosa Mota como com as do Obikwelo, que só passou a ser português, apesar do passaporte, quando ganhou a primeira medalha. Porém, quando leio José Régio, Florbela Espanca, ou Eça (perdoem-me tratá-lo pelo primeiro nome, mas se fosse sua comtemporânea... bem, por ele abandonaria marido e filhos) penso que nenhuma outra língua do mundo terá tanta cor.
Obrigada à Nelly por defender o grande tesouro que é a língua portuguesa e ao dito cujo AF, que faz com que esse tesouro brilhe sempre que se põe a escrevinhar.
AS

heresias consentidas disse...

olá

paxei apenax pa desejar boa Páxkua!... hi hi hi

xi-coração
herc


"Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.




"Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer."

(...)


(PS: Este texto é erradamente atribuído a Vinicius de Morais, mas não se conhece a autoria...)

Anónimo disse...

Muito bem, Prof. Nelly Carvalho. Todos nós precisamos de artigos como este seu. A nossa comum língua - de Portugal, Brasil,Cabo Verde, Guiné Bissau, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Timor, Macau, Goa, Damão e Diu, Malaca e milhões de lusofalantes em diáspora mundial - tudo justifica. A sua crónica, Professora enche de orgulho todos nós.

Uma palavra também de agradecimento e de parabéns para o Dr. Antunes Ferreira que vai paciente, mas pertinazmente, construindo este seu (e nosso) blogue. Um destes dias escrevo um texto para aqui, se mo permite.

Anónimo disse...

Antunes Ferreira: se você conseguir entrar em contacto com a Professora Nelly Carvalho, diga aqui no blog como o fez, isto é o endereço electrónico dela. Quero agradecer-lhe o que tem feito pela nossa Pátria que é a nossa Língua, como disse o Pessoa. Muito obrigado e até à próxima.