sábado, abril 21, 2007




A LÍNGUA NOSSA

O Direito, a Lusofonia e Macau



José Augusto Garcia Marques
H
istoricamente, a internacionalização do Direito iniciou-se e foi-se realizando através da celebração e aplicação entre os Estados de acordos internacionais – tratados e convenções -, a nível bilateral ou multilateral. Esse “direito pactício” passou a regular o conjunto de matérias que constituíam o seu objecto, vinculando os Estados signatários que, no exercício dos seus poderes soberanos, assim aceitavam obrigar-se.

A Internacionalização do Direito

O Direito Internacional clássico, a que nos estamos a referir, regulava, assim, os direitos e os deveres recíprocos dos Estados, assumindo a natureza de um puro direito interestadual. A sua construção assentava na soberania dos Estados, os quais, não reconhecendo nenhuma instância superior, eram, ao mesmo tempo, os “makers” (criadores) e os “brokers” (violadores) do Direito Internacional.

Podemos apontar três factores essenciais para a internacionalização do Direito. O primeiro diz respeito à necessidade, na sociedade dos nossos dias, de uma crescente cooperação entre os Estados visando a resolução de questões com implicações transnacionais. Cooperação económica, cooperação política, social e assistencial, cooperação judiciária e policial.

Um segundo factor da internacionalização do Direito reside no fenómeno da globalização. O desenvolvimento tecnológico na Sociedade de Informação em que vivemos, suscitou problemas novos, a exigirem novas respostas do Direito. Está-se, por definição, num domínio do Direito caracterizado pela sua dimensão internacional. O carácter transnacional das tecnologias da informação e comunicação está presente a todo o momento na regulamentação. Aliás, é assinalável a influência de organizações internacionais – Nações Unidas, União Europeia, OCDE, Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), Organização Mundial Aduaneira -, na tentativa de regulamentação de alguns aspectos.


Bastará pensar na resolução das dificuldades jurídicas resultantes de questões com um marcado carácter técnico – protecção dos dados pessoais e da vida privada, tutela do bom nome, honra e consideração, defesa dos direitos de autor, do software e das bases de dados em face da Informática e da Internet, compatibilização entre os valores da liberdade e da segurança, por exemplo na gestão de sistemas de videovigilância ou de vigilância electrónica, no âmbito da luta contra o terrorismo, relativamente à utilização de complexos procedimentos transnacionais de recolha de informações (como é o caso do sistema de espionagem ECHELON), interligação de redes postais ou telefónicas, liberalização do mercado de telecomunicações, conservação dos dados de tráfego.

Generaliza-se o crime informático, a reclamar a cooperação cada vez mais estreita entre diferentes Estados e organizações internacionais. Os importantes desenvolvimentos da bioética e da genética reclamam, porém, a adopção de cuidados particulares em áreas como a do trabalho e dos seguros. Como consequência da globalização da sociedade, generalizam-se certos princípios jurídicos que passam a funcionar como bitola do correcto exercício dos direitos. É o caso dos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da adequação.


Um terceiro factor de internacionalização do Direito consiste naquilo a que podemos chamar o esforço da sociedade internacional para o seu progressivo aperfeiçoamento e humanização, isto é, na sua utilização para a promoção de um mundo melhor. A aprovação dos instrumentos internacionais levada a cabo após a II Grande Guerra – a Carta das Nações Unidas em 1945, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948 e tantos outros – permitiram o nascimento do embrião de uma nova comunidade internacional juridicamente organizada, isto é, submetida ao direito.

Foi o choque da II Grande Guerra, com as violações maciças dos direitos humanos, que tornou inevitável a consagração do direito de ingerência. A soberania passou a exercer-se no quadro do Direito Internacional, que lhe limitou as manifestações discricionárias. Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) “a questão dos direitos humanos não releva mais do domínio interno mas do domínio internacional”. Os direitos humanos foram assim erigidos em matriz identificadora dos Estados de Direito durante a segunda parte do século XX. Até ao advento (será uma utopia?) de um “direito mundial”, temos o “direito dos grandes espaços geográficos” e o “direito das comunidades” ligadas pela língua, pela história e/ou pela cultura. Aqui entronca o “Direito do mundo lusófono”.

A Lusofonia e a CPLP

O
conceito de Lusofonia repousa sobre o significado de dois elementos que formam a palavra que exprime: Luso equivalente a lusitano ou Lusitânia, o mesmo é dizer português, Portugal. Quanto a fonia significa o mesmo que fala, língua. Vem do verbo foneo, falar (“Dicionário Temático da Lusofonia”, ACLUS e Texto Editores, 2005, pp. 652 e ss.). A Lusofonia é uma realidade em crescimento todos os dias, a partir daquilo que, em qualquer fonia, é básico e essencial: a comunicação e o diálogo, que aproximam as pessoas e as instituições.

De acordo com o “Dicionário Temático da Lusofonia”, a dimensão da Lusofonia no mundo pode ser calculada de várias formas. Mais frequentemente costuma ser calculada, com a das outras fonias, a partir do número global da soma das populações dos oito países. Utilizando o critério tradicional da contagem global das populações, estima-se que, segundo o Instituto Camões, de Lisboa, na sua página on line, acedida em Janeiro de 2004, «a população dos países de língua portuguesa que, de acordo com estatísticas do PNUD (1999) era, em 1998, de 208.402.000 milhões, irá conhecer aumento significativo, prevendo-se que, no ano de 2025, atinja os 285.831.000 milhões de indivíduos».

De acordo com o AtlasEco (2002), Atlas Economique Mondial (données des bulletins mensuels de l´ONU, mi 1999; à l´exception de Timor Oriental), era de 210.188.430 milhões. Acrescente-se que a população de Timor, em 2001, era estimada em 820.000 habitantes. Quanto aos lusófonos espalhados pelos cinco continentes, segundo dados disponíveis, constantes do “Dicionário Temático”, os brasileiros, por informação do Itamaraty, no site do consulado do Brasil, em Lisboa, em 2004, eram 1.342.189; os cabo-verdianos, em conformidade com informação publicada na Internet, eram, em 2004, 478.000; os portugueses, segundo publicação da Divisão de Informação e Documentação do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE/DGACCP), eram estimados em 4.631.482, em 1997 (Cfr. Dicionário Temático, p. 656).

A Lusofonia compreende também diferentes comunidades – maxime, de lusofalantes – que não constituem Estados ou Países. Embora em situações diversas, e em inúmeros lugares da diáspora, falam ou falaram português, suas variantes ou crioulos, a Galiza, Casamansa (no Senegal), ilha de Ano Bom, Ajudá (no Benim), Goa, Damão, Diu, Mangalor, Mahé, Fort Cochim, Tellicherry, Chaul, Korlai, Coromandel. Ainda nos são próximos os crioulos de Malaca, Vaipim, Batticaloa e Puttalan, no Sri Lanka. Na Oceânia, os de Bali, Java, de Kuala-Lumpur, Penang, Jehove, Taiping. E os de Curaçau, Aruba e Bonaire, além do de Suriname, da Guiana Holandesa (loc. cit, pág. 654).



A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é aquilo a que podemos chamar o “rosto político” da Lusofonia. A 17 de Julho de 1996, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, rubricaram os documentos constitutivos da CPLP os Chefes de Estado e de Governo de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Na Declaração Constitutiva da CPLP é feita referência aos valores da Paz, da Democracia e do Estado de Direito, dos Direitos Humanos, do Desenvolvimento e da Justiça Social, e é apontado, entre outros, o objectivo de consolidar a identidade cultural nacional e plurinacional dos sete países de língua portuguesa. Timor-Leste viria a integrar a CPLP como oitavo Estado-membro, tendo constituído relevante factor de aproximação afectiva no seio da comunidade lusófona.

A CPLP é, assim, e desde logo, uma associação de Estados. Uma eventual alteração da sua composição fica condicionada por um critério formal: a “decisão unânime da Conferência de Chefes de Estado e de Governo e ainda por três critérios materiais – a qualidade de Estado, que a sua língua seja o português e que esse Estado candidato adira sem reservas aos Estatutos. Ora, em face da exigência do requisito “qualidade de Estado”, fica a CPLP fechada ao seu alargamento por Macaenses, Goeses, Galegos e, bem assim, por outras comunidades luso-falantes ou com fortes raízes culturais lusíadas (como acontece em Malaca e no Sri-Lanka).


Um Conselheiro de mão cheia

Ora sejas muito bem aparecido, querido Amigo! O Conselheiro José Augusto Sacadura Garcia Marques foi do Liceu Camões para a Faculdade de Direito de Lisboa, sempre meu companheiro. Os anos cimentaram – se necessário fosse – os laços afectivos que temos entre nós. Em Angola, estivemos na tropa, como milicianos. E por aí fora.

Magistrado ilustre, a sua passagem pela Direcção Nacional da Polícia Judiciária foi sinónimo de êxito, aliás como habitualmente. Uma incursão no campo da Política levou-o a Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, Mário Raposo. Sol de pouca dura, pois que voltou logo que possível à sua carreira de magistrado. Onde alcançou o topo: Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. É considerado um dos nossos mais brilhantes juristas no domínio do Direito e a Informática.

Não é estreante neste blogue. Já aqui escreveu duas crónicas sobre a sua experiência na guerra colonial, assinando então com os seus três primeiros nomes: José Augusto Sacadura. Desta feita e para o futuro, será o J.A. Garcia Marques, meu colega e Amigo. Anoto que a sua mulher, a Professora Maria Lúcia Garcia Marques é, também, colaboradora regular do Travessa. Gente boa é assim como as cerejas: vem uma atrás da outra.



Os dois participaram em Macau numas jornadas sobre a Lusofonia, organizadas pelo Instituto Internacional daquela cidade. O texto que hoje a Travessa do Ferreira se orgulha de publicar é a primeira parte de um conjunto de dois em que Garcia Marques apresenta as linhas força das suas intervenções na Região Especial.

Naturalmente se publicará a segunda. E, para que conste, a colaboração deste jurista de mão cheia, mais dia, menos dia, revestirá a forma de regular. Penso que as suas experiências na Polícia Judiciária dariam boas estórias.
Quid juris, Conselheiro amigo?
A.F.


8 comentários:

Anónimo disse...

Senhor Conselheiro
J.A.S. Garcia Marques

Somos ambos Sacaduras mas não nos conhecemos, muito menos temos a haver um com o outro. Da mesma família, também não. Simples coincidência de apelido, penso.

Caro Conselheiro:
Este é um excelente trabalho pelo qual se pode aquilatar da categoria de quem o faz. Bastava que o nosso Dr. Antunes Ferreira o tivesse trazido para este blog, para todos sabermos da sua qualidade, Dr. Garcia Marques. Bem haja por nos proporcionar textos de tamanha elevação.

Ficou ficar muito atento às suas colaborações. E espero que, correspondendo à «provocação» do Dr. A.F. nos conte umas histórias do seu tempo da Polícia Judiciária. Até breve e um grande abraço

Anónimo disse...

Trabalho muito bom, mas... muito longo para um blog. No entanto, o Sr. Dr. Antunes Ferreira é que decide. E se ele o publica, está... publicado.

Um pedido ao Sr. Conselheiro Garcia Marques, cujo curriculo e muitos trabalhos conheço: continue neste blog, mas ESCREVA COISAS MAIS PEQUENAS. Muito obrigado.
Melhores cumprimentos

Anónimo disse...

Agradeço as palavras simpáticas do meu ilustre homónimo Professor J. A. Sacadura e, bem assim, do Sr. Dr. Carlos Serafim. Creio que tem razão quanto à extensão do texto. Procurarei ter essa observação presente. A segunda parte do trabalho vai abordar a temática do "Lugar de Macau na Lusofonia".
Gostaria de poder contar com os vossos comentários de conjunto.

Anónimo disse...

Tenho de registar aqui a minha satisfação por ter tido a grata oportunidade de ler e apreciar o trabalho, excelente, do Dr. Garcia Marques.

Mal sabia eu que era a mesma pessoa que escrevera duas crónicas do seu tempo de oficial da Reserva Naval. É que eu também o fui, tendo andado, obrigado, pela Guiné, então «Portuguesa».

Porém, este é um exemplo de um jurista distinto que também enverga a camisola da Cultura, História & Linguística.O texto enche-me as medidas, pois sou um admirador da Língua Portuguesa.

Já estive em Macau, há mais de 20 anos, ainda que de passagem. Bem gostaria de lá voltar agora. Mas, é difícil. Valham-me os escritos sobre o tema e, em especial este. Muito obrigado.

Anónimo disse...

Esta é maior que a légua da Póvoa. Já não gramo eruditices, muito menos grandes e chatas como a putassa. Senhor Doutor Conselheiro modere-se; não chateie

Anónimo disse...

Algumas correções:

Lusofonia: luso (burro) fonia (fala) portanto lusofonia é a fala dos burros.

Então existem 200 milhões que falam a língua dos burros? Vá te catar portuga trouxa, 190 milhões de pessoas no mundo falam brasileirês e só o restante dos vermes lusobostiferos falam essa sua lingüinha nojenta que já está morta a muito tempo, só falta enterrar.

Anónimo disse...

A propósito, só uma nota para quem possa interessar: no Dicionário HOUAISS da Língua Portuguesa, edição brasileira de 2003, são as seguintes as definições para:
- LUSOFONIA: conjunto daqueles que falam o português como língua materna ou não; conjunto de países que têm o português como língua oficial ou dominante. A lusofonia abrange, além de Portugal, os países de colonização portuguesa, a saber: Brasil, Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe; abrange ainda as variedades faladas por parte da população de Goa, Damão e Macau, na Ásia e ainda a variedade de Timor na Oceânia.
- LUSOFOBIA: característica de lusófobo.
- LUSÓFOBO: que ou aquele que tem antipatia pelos portugueses e/ou Portugal; que os rejeita.
Há quem seja...!

Anónimo disse...

SOU O AUTOR DA FOTO , VOCE
NEM RESPEITA NADA SOBRE DIREITOS DE AUTORES...