quarta-feira, maio 31, 2006




Qualificação e des…

Antunes Ferreira
As coisas são o que são. Portugal é um país no qual três de cada quatro trabalhadores não completaram os 12 anos de escolaridade obrigatória. É o próprio Governo, pela voz do secretário de Estado do Emprego, Fernando Medina que o afirma. Isto é, 75% da nossa população activa está nessa faixa desqualificada.

O próprio primeiro-ministro admitiu que o aumento da qualificação dos portugueses é a «grande batalha» do Executivo, e defendeu que o Estado deve dar oportunidades para a formação dos cidadãos. Sócrates salientou a aposta governamental «no terreno da qualificação», no final da sessão de lançamento de 122 novos centros de Reconhecimento, Validade e Certificação de Competências (RVCC), a que presidiu ontem, no Centro de Formação Profissional da Indústria de Construção Civil e Obras Públicas em Lisboa.

Na altura, foi ainda referido que - na área da qualificação e formação profissional e no âmbito do programa "Novas Oportunidades", o Governo pretende envolver até 2010 cerca de um milhão de cidadãos e criar 500 centros de RVCC, entidades que se destinam a certificar competências adquiridas por trabalhadores ao longo da sua vida profissional, equiparando-as a graus de escolaridade como o 9º e o 12º anos.

Estamos, assim, perante mais uma ideia deste Governo que começou já a ser posta em prática. Os arautos da desgraça dirão que se trata de mais uma das milhentas promessas que têm caracterizado o poder. A população entreolha-se. Será que isto tem pés para andar? Será que isto vai mesmo para a frente? Ou será que se trata de outra girândola de foguetório que só faz estardalhaço e fumo?

Na verdade, com tal oposição e com tamanhas inquirições, não há traseiro que aguente. Podem os ministros, a começar pelo primeiro, esfalfar-se no anúncio de novas medidas; podem estar ser implementadas, ainda que com a velocidade possível; podem os resultados ir aparecendo, aos poucos, mas sem muitas dúvidas; que mais pode o poder fazer mais?


Ofertas e subsídios

Talvez, quem sabe, devesse dar uns milhares de euros a cada cidadão, na esperança de que eles fizessem frutificar a quantia. À utopia seguir-se-ia, quase de certeza, o pedido de isenção de um qualquer imposto sobre doações, por parte das centrais sindicais, das patronais e dos partidos da oposição… Ou, poderia muito bem ser, a solicitação das mesmas entidades para que fosse atribuído aos portugueses um subsídio para acompanhar a forma de gastar o dinheiro. Dos fundos comunitários, está visto.

Vê-se, ouve-se e quase não se acredita. Para além da reconhecida maledicência nacional, existe um complexo de mesquinhez que se diria freudiano. Isto porque, mutatis mutandis, o professor Sigmund sentado ao lado do divã para o paciente, poderia perfeitamente classificar estas «qualidades» e diagnosticar – impotência. No fundo, o sexo a explicar tudo.

Estamos, nós os portugas, metidos numa enorme alhada. Ciclópica, diria o último governante salazarengo. Para qualquer lado para que nos voltemos, só existe a crise. É um monstro tentacular e omnipresente. Que fazer com ela e, sobretudo, contra ela? Não se sabe, ninguém sabe. Mas a culpa é fatalmente do Governo. E, em particular, deste que temos agora, ainda que, por exemplo, o do Eng. Guterres também fosse uma lástima.

Isto, dizem, porque são os socialistas que «estão no poleiro». C’os diabos, não foram eleitos com voto maioritário? Condescenda-se. Aconteceu, mas foi fruto de miseráveis patranhas que impingiram a todos nós que, assim, fomos na conversa deles. No fundo, foi uma ilusão de óptica, uma miragem que se esfuma a cada dia que passa.

Auto flagelação nacional

N
ada a fazer. Nós somos por feitio adeptos entusiastas e praticantes consumados da auto flagelação. Está visto que se o azorrague for empunhado por outras mãos – faz mais efeito. Adoramos reverencialmente a política do pau e da cenoura. De preferência, se o primeiro prevalecer sobre a segunda. Com tais preparos, trabalhamos, produzimos, provamos que somos bons em qualquer mister. E desenrascados, olarila.

A GM prepara-se para fechar a fábrica da Azambuja? Há contas, aliás falsas como Judas, que os Combo custam mais 500 euros por unidade do que custariam se fossem produzidos noutro local. Os espanhóis esfregam as mãos de contentes, na expectativa de receberem mais um investimento desta ordem. Isto porque são competitivos. E nós…

Manuel Pinho, o ministro da Economia, afirmou que o Governo está atento ao assunto e já iniciou diligências junto de todas as partes interessadas no sentido de se manter a unidade fabril entre nós. Os trabalhadores dizem-se dispostos a discutir o problema e a emendarem aquilo que não esteja bem. Recorde-se que, há meses, eles tinham recuado nas reivindicações que haviam feito. Pelos vistos, recuo pouco satisfatório… e pouco eficiente.

Surge, agora, o anúncio público do gigantesco esforço que começou a ser feito na luta pela qualificação dos trabalhadores portugueses. Há que esperar pelo próximo round. Uma vitória aos pontos, mesmo que escassa, seria muitíssimo bem vinda. Faria, é certo, algum transtorno ao antigo patrão da General Electric, GE, que não deve nem pode ser confundida com a GM, General Motors. O senhor Welch, que ainda há escassos dias afirmava que os portugueses deviam envergonhar-se do descrédito que sobre eles – sobre nós – agora recai, até poderia congratular-se com esta iniciativa governamental e fundamental. Porem, nem ele…

Anedotas da ditadura


No anedotário mundial há exemplares que são universais. Sobretudo as sem palavras – que, assim, são entendidas por (quase) todos os destinatários. São, o que se chama, de cair no chão a rir, de rir a bandeiras despregadas, de morrer de rir e assim por diante. Há outras de cunho mais específico que só podem ser entendidas pelas pessoas que falam a mesma língua dos seus autores.

E aqui entra na roda uma questão eterna: quem são esses seres privilegiados que criam tantas anedotas? Nunca ninguém sabe a resposta. É nisso que reside a graça da interrogação. A propósito, contava-se que, no tempo da ditadura, o próprio Salazar chamara os seus mais íntimos e fizera-lhes a pergunta calina: «Quem será o sujeito que inventa tantas piadas a meu respeito»?

Marcelo Caetano, na altura ainda nas graças do gajo de Santa Comba e por isso considerado o seu delfim, sugerira que a entidade mais indicada para o efeito era a PIDE. Com a anuência da salazarenta personagem, a «prestimosa corporação» deitou-se às investigações e descobriu o cavalheiro autor polifacetado e prolífero dos chistes sobre o então Presidente do Conselho e que era, naturalmente, o José da Silva, desempregado de profissão e convicção.

Tal como o ditador solicitara, levaram o homem a S. Bento e apresentaram-no ao chefe do Governo. Este, na sua voz sibilina, fanhosa e sussurrante, perguntou ao Silva se era ele o autor das historietas. Que sim, era. E onde tinha ele tempo para inventar tantas? Pois, sendo desempregado convicto…







Então, Salazar avançou com uma conversa preliminar sobre o tema. Então a ele é que o Silva dirigia o espírito inventivo? A ele que fizera novas estradas, a ele que saneara as finanças públicas, a ele que idealizara a Segurança Social, a ele que reorganizara as Forças Armadas? E o interlocutor, moita carrasco, caladinho que nem tarro de cortiça verdadeira.

E o Botas. A ele que dera a todos os portugueses uma vida melhor, pão, paz, estabilidade, segurança, felicidade? E o José Silva, levantando o braço em gesto de afabilidade: «Palavra de honra, senhor Presidente do Conselho, essa não fui eu que inventei». A.F.

Por isso e por outras razões, aqui fica uma piada curtinha originária do Brasil.

Tempo verbal

A professora pergunta:
- Joãozinho, qual o tempo verbal da frase:
«Isso não podia ter acontecido»?
- Preservativo imperfeito, professora.

terça-feira, maio 30, 2006




ALEMANHA 2006
EXTREMAMENTE IMPORTANTE

COMUNICAÇÃO PARA SER CIRCULADA POR ESPOSAS, NAMORADAS, NOIVAS, MÃES, IRMÃS, FILHAS (PARA TODAS AS MULHERES EM GERAL)

ESTAS REGRAS DEVERÃO SER COMUNICADAS ANTES DO
CAMPEONATO DO MUNDO JUNHO / JULHO 2006



1. Do dia 9/6 até dia 9/7 2006, devem ler a secção desportiva dos jornais, para se informarem do que se passa, caso contrario não poderão juntar-se às conversas. Caso não o façam, serão olhadas de uma forma negativa ou até mesmo completamente ignoradas. Assim, NÃO SE QUEIXEM se não receberem qualquer tipo de atenção.

2. Durante o Campeonato, a televisão é nossa, 24 horas, sem qualquer excepção. Se olharem mesmo de relance para o comando da TV , correm o risco de ganhar um olho negro como o desespero.

3. Passar em frente à TV durante um jogo é permitido - desde que seja a rastejar pelo chão, sem causarem distracções. Caso pensem em se colocar nuas em frente à TV, será melhor vestir qualquer coisa, pois, caso apanhem uma constipação, não teremos tempo nenhum para as levar ao médico durante este período.

4. Durante os jogos, seremos cegos surdos e mudos, com excepção de vos pedirmos para nos chegarem uma Super Bock fresca ou qualquer coisa para comer. Não pensem, sequer, que vos vamos ouvir, nem peçam para abrir a porta, atender o telefone ou ir buscar o bebé que caiu do berço. Isso, podem ter a certeza, não vai acontecer.

5. Seria uma boa ideia vocês guardarem uma ou duas grades de Super Bocks bem frescas e em permanência, e sempre qualquer coisa para petiscar. Uma cara sempre bem disposta para os amigos que venham lá a
casa ver os jogos será apreciada. Em troca, poderão usar a TV entre a meia noite e as seis da manhã , com uma excepção: sede retransmitirem algum jogo durante esse período – nem pó.

6. Por favor, caso nos vejam de trombas porque a selecção esta a perder (o que é improvável) nunca digam "deixa lá, ganham para a próxima". Correm sérios riscos. Palavras de encorajamento nesta altura são verdadeiramente contraproducentes.

7. São sempre bem vindas para se sentarem ao nosso lado durante um jogo e para falarem connosco durante os intervalos, mas apensas durante os anúncios e apenas se o resultado nos agradar. Atenção que dissemos um jogo e, assim sendo, não usem o Campeonato como desculpa, para tentarem que passemos algum tempo juntos. Nestas alturas não nos podemos distrair dos jogos.

8. Ao contrário do que julgam, as repetições dos golos são muito e muito
importantes. Não interessa se os vimos ou não vimos. Queremos vê-los outra vez e, até, muitas vezes. Se forem dos nossos, muito melhor.

9. Seria de toda a conveniência as vossas Amigas não terem filhos durante este período ou não agendarem qualquer evento social para o mesmo, porque:

A ) Não poderemos ir,
B ) Não iremos, e
C ) Não vamos. Ponto.

Mas, caso o marido dessa amiga nos convide a ir assistir a um jogo lá em casa, é como se já lá estivéssemos.

10. As reportagens, debates e entrevistas durante o Campeonato, são tão importantes como o jogo em si. Não pensem, sequer, em dizer «Já não viste esta porra? Porque não mudas de canal para vermos qualquer coisa juntos?». A resposta modelo será: Deixem-se de tretas. Ver a regra número 2 desta lista.

11. Por favor guardem a frase «Graças a Deus o Mundial só é de quatro em quatro anos». Somos completamente imunes a este tipo de pressões. Não se esqueçam de que temos o Campeonato Nacional, a Taça, a Liga dos Campeões, a UEFA, o Chelsea do Mourinho, a Liga Espanhola , a Italiana, etc..

12. Será oportunamente comunicado se estas regras serão aplicáveis a outras competições e modalidades.

Antecipadamente gratos pela vossa colaboração (obrigatória).

Com os melhores cumprimentos

Ass) Homens de Portugal (e do Mundo?) Unidos

NR - Este magnífico Documento, cuja aplicação é imprescindível, foi-nos passado por imeile e já o reenviámos a quem de direito, ou seja, os correspondentes que ainda nos conseguem aturar. Rejeitamos qualquer responsabilidade que nos pretendam assacar no que concerne à sua preparação e redacção final. No entanto, estamos de acordo com ele na generalidade. Na especialidade, logo se verá. Mas, já que estamos a utilizar linguagem para lamentar, isto é, parlamentar, comunicamo-vos que a Assembleia da República já anunciou que irá alterar a hora do fecho dos trabalhos nos dias em que os nossos jogarem, o que se regista e considera. Nihil obstat. Imprimatur. A. F.









Timor Leste e a Paz


Antunes Ferreira
Os cidadãos de Timor Lorosae, como sempre acontece em todas as guerras, rebeliões, putschs militares, revoluções enfim, são os mais sacrificados destes péssimos acontecimentos que decorrem naquele País. Depois dos sacrifícios que tiveram de fazer, das violências que tiveram de suportar, da insensibilidade da cena internacional, os timorenses mereciam melhor sorte.

O parto da independência foi, na verdade, muitíssimo doloroso. A primeira vez é quase sempre a mais difícil, seja em que circunstância for. O sangue derramado, a guerrilha da Fretilin nas montanhas contra os indonésios opressores, as fugas nocturnas e silenciosas de populações inteiras, os massacres, tudo isso levou a que uma causa justa tivesse sido observada – e tratada – como se fora num cadinho experimental.

E a descoberta de recursos petrolíferos nas águas territoriais do futuro país ainda veio complicar mais a questão, já de si bicuda. Os interesses inconfessados e as ganâncias estão, a maior parte das vezes, na primeira linha. À volta do labirinto geo-político surgiram, como é habitual também, os abutres em voos largos à vista da carniça.

A crise que agora ali se vive é, de novo, um imbróglio de todo o tamanho. Talvez até mais grave do que os anteriores. O descontrole da situação é total – e muito preocupante. Numa nesga de terra, parte de crocodilo estacionado no oceano, o fantasma da guerra civil continua a pairar, arrastando lugubremente correntes de desespero. De fora, duvida-se de que a crise se ultrapasse rapidamente. No interior, voltou o medo.

António Vitorino, no seu habitual comentário das segundas-feiras na RTP, respondendo a uma pergunta de Judite de Sousa, declarou-se mais preocupado do que nunca com o que se está a passar agora. Mesmo no tempo das milícias do senhor Eurico Guterres e das tropas desaustinadas de Jacarta, havia um controle, ainda que remoto.

O poder e a rua

H
oje, não. Nem se pode dizer que o poder caiu na rua, pois há, primeiro, que perguntar se existe poder. As ruas em Dili são más, perigosas, inseguras. Mas sempre vai havendo. Essas artérias precárias e esburacadas são palco de assaltos, confrontos armados, incêndios ateados – mortos e sangue. No resto, não são nada, nem, muito menos, local para o poder, qualquer ele que seja, cair.

Com os soldados australianos a percorrê-las pensa-se que serão mais seguras. E com a chegada de outros componentes da força militar de estabilização – incluindo a companhia da GNR – tudo indica que aumentará a confiança dos habitantes, ainda que tal vá acontecendo devagar; diz o Povo que é devagar que se vai ao longe. Assim seja em Timor Leste.

As últimas notícias dali provenientes referem que o Presidente da República, Xanana Gusmão, declarou já nesta terça-feira o estado de emergência nacional no país e assumiu poderes especiais, o que lhe dá o controle do exército e da polícia. Aliás, na sequência da reunião do Conselho de Estado timorense que decorreu ontem e hoje, ele tinha-se
tornado o principal responsável pela Segurança e Defesa do país por um período de 30 dias, prorrogável.

Os ministros titulares daquelas pastas, Rogério Lobato e Roque Rodrigues têm os dias contados no Executivo. Muitos consideram-nos os principais responsáveis pelo caos que se instalou. Da mesma forma, outros – e não tão poucos assim – queriam também a cabeça do primeiro-ministro Mari Alkatiri. O Chefe do Estado avisou, entretanto, que a demissão deste último poderia provocar ainda mais danos do que os que se verificam, o que seria catastrófico.

Xanana – menos ou mais?

Xanana continua, aparentemente, nas boas graças do povo timorense. Pode dizer-se, como alguns fazem, que já esteve mais na mó de cima do que está hoje. Dando de barato que assim aconteça, o facto é que, se não for ele, quase se pode afirmar que mais ninguém poderá secar as águas pútridas do pântano que existe.

Num país em que a religião católica é esmagadoramente maioritária e próxima do fanático, os dois bispos timorenses, Dom Alberto Ricardo da Silva, de Díli e Dom Basílio do Nascimento, de Baucau, já fizeram um apelo comum à Paz no país. Dom Ximenes Belo ainda que ausente da sua terra natal, por certo que acompanha com a maior atenção estes episódios do drama. No entanto, a Santa Sé parece, uma vez mais, preferir a prudência. Será que não querer imiscuir-se em demasia no conflito? É questão para continuar a ser seguida.

A Austrália, logo ali ao lado, aparenta querer ser o tutor de um povo que, no pensar de Camberra não se soube comportar. A ambição é causa de grandes trambolhões, como é sabido. Timor Leste não pode ser objecto de uma qualquer supervisão do regime. A ser assim, as declarações de Freitas do Amaral sobre a ingerência poderão ser perfeitamente pertinentes. O que não é mau – é péssimo.

Os ditadores, a maioria dos quais de pacotilha, são os autores de que a populaça não pode viver em Democracia, porque não sabe viver em Democracia. Nem vale a pena recordar aqui o Salazar de triste memória, que defendia a teoria e a punha em prática de uma só penada. Ter-se-ia de falar em Niculae Ceausescu, em Hitler, em Estaline, em Mao Zedong, em Franco, em Mussolini, em Kim Il Sung ou no seu filho Kim Jung Il, em tantos outros de uma panóplia desgraçada de criminosos de direito comum.

Daí à tentação Big Brother vai um salto. Orwell ficou para a História pelo seu 1984. Os que amam a Liberdade e, por isso, vivem democraticamente, estão fartos de irmãos mais velhos todo poderosos e de salvadores das pátrias. Em Timor Lorosae não pode haver lugar para essas «tentações» pseudo protectoras. Tem de haver, sim, lugar para a Paz e a construção de uma nova vida em Liberdade e em Democracia. Mas – à sua maneira.

segunda-feira, maio 29, 2006






Enfim, uma boa notícia...
Combustíveis baixam


A Galp registou hoje a maior descida do preço da gasolina dos últimos seis meses. A gasolina baixou 1 cêntimo e meio e o gasóleo um cêntimo. Assim, a gasolina sem chumbo 95 passa a custar 1,333 euros o litro, enquanto que a 98 está nos 1,398 euros. O gasóleo é transaccionado a 1,068 cêntimos por litro. Esta foi a terceira descida do preço dos combustíveis só em três semanas. Em causa está a evolução favorável das cotações dos produtos refinados nos mercados internacionais. Desde o dia 8 de Maio, a Galp já desceu 3 cêntimos no preço do gasóleo e 2,5 cêntimos na gasolina.

Antunes Ferreira

Leio e quase não acredito. Mas parece que sim, que é a valer, não se trata de reinar com os cidadãos consumidores. Finalmente, uma boa notícia, que não pode ser apelidada de propaganda governamental. A não ser assim, a lógica é, realmente, uma batata.

Ainda estava o escriba mal refeito das afirmações do guru da gestão nos EUA, Jack Welch, que aqui mesmo nas nossas barbas, afirmara, na sexta-feira, que «é humilhante para os portugueses a percepção que o exterior tem de Portugal, com uma contínua degradação e declínio ao longo dos últimos anos», quando aparece esta novidade.

Note-se que as afirmações do antigo Presidente da GE, que se encontrava a assistir ao Fórum para a competitividade, haviam sido transmitidas por Mira Amaral. Este tinha acrescentado que alguns dos exemplos disso eram a formação profissional, a inovação, a investigação, o desenvolvimento tecnológico e os níveis de exportação. O nosso país precisaria de «um grande abanão» e «uma liderança forte» para avançar no caminho do futuro, ainda no entender de Welch.

Veio, agora, a gasolineira dar este brinde combustível. Chiça. Já todo o pessoal andava cheio de nuvens negras, de maus pressentimentos, de assustadoras perspectivas, por mais que Sócrates e os seus ministros se esforçassem por dizer que não era bem assim. Tinha de se ter em conta que a situação estava a melhorar, pouco, mas estava, que a economia começava a levantar a cabeça, que as exportações cresciam.

Face a isso, Marques Mendes persistia em descrever a actuação do Executivo como uma verdadeira catástrofe, um tsunami político, de estarrecer o mais pintado. Só propaganda, só promessas, zero realizações. O pior é que o líder laranja, quando se decidira a apresentar alternativas ao exercício governamental, dera uma enorme plof. A União Europeia, face à única proposta que parecia ter algum sentido, viera, acto contínuo, acentuar com veemência que não, porque não era permitida. Ponto final.

Sem se embandeirar em arco, há que dizer que a baixa nos preços dos combustíveis anunciada pela Galp, ainda que seja absolutamente conjuntural, é, ainda assim, uma esperança, pelo menos para os bolsos dos cidadãos. A economia, anémica, pode ver nisso uma vitamina que, embora não cure, faz bem. Quanto mais não seja, ao ego luso.

Não obstante, a crise continuava e parece continuar, alapada e omnipresente no quotidiano nacional. O défice, qual mostrengo aqui presente e não no fim do Mundo, descia, devagarinho é certo. Porem, nestas coisas das contas, estatísticas, avaliações de desempenho, tudo escriturado em cifras ponteadas de épsilones cortados, não se pode alegar a não ser utilizando a mesma medida.

Estes fastos recordam sempre a estória do economista catedrático que conversava com um comerciante da nossa praça, quase analfabeto, mas dono de império que só se podia medir aos milhões de milhões. O professor, a dada altura, e face ao retraimento do seu interlocutor, adiantou que, na verdade, o grande problema português era o Estado estar a gastar de mais, agravando assim o malfadado défice.

O magnata, cruzando beatificamente as mãos gordas no ventre ele também abastado, respondera que o problema nem era muito complicado e que ele próprio tinha uma ideia para reduzir até o matar o tal défice criminoso. E o Mestre, ansioso: «Meu Amigo, qual é?»

«É o Estado passar a gastar do défice».

domingo, maio 28, 2006












Quem escuta quem

Antunes Ferreira
«Ninguém conhece o número de escutas telefónicas realizadas em Portugal pelos órgãos de polícia criminal», afirmou o novo Director Nacional da Polícia Judiciária, Alípio Ribeiro, em declarações ao semanário «Expresso» divulgadas no sábado. «Quantas escutas se fazem no país? Ninguém sabe», disse ele, sublinhando ainda que os dados mais recentes «não são correctos». Mais. O entrevistado revelou também que uma das suas primeiras medidas, depois da posse a 10 de Abril, foi ordenar «uma avaliação dos procedimentos relativamente à utilização de escutas». De acordo ainda com o «Expresso», o objectivo é integrar no sistema de informação da Judiciária dados sobre os critérios e métodos seguidos pelas polícias em cada processo.

Recorda-se aqui que Ribeiro assumira a liderança da PJ substituindo Santos Cabral, depois de, dias antes a então direcção da instituição, que ele encabeçava, ter ameaçado demitir-se caso o Governo passasse a tutela das relações com a Interpol e Europol para o Gabinete Coordenador de Segurança, sob a alçada do Ministério da Administração Interna. A PJ estava então a braços com uma grave crise financeira. Durante a cerimónia de posse, Alípio Ribeiro garantiria que não aceitava «de quem quer que seja, processos de intenção ou lições de independência» e que «a lealdade ao Governo de que dependo organicamente não colide com a obediência à lei nem com a dependência funcional das magistraturas nos termos definidos pelo Código do Processo Penal.» E sublinharia: «Sinto-me hoje tão independente como sempre, serei tão independente como sempre».

Não é muito fácil fazer tais afirmações, sobretudo tratando-se de um magistrado, mais precisamente um desembargador. Compreendem-se as suas palavras no decurso da tomada de funções na PJ. Mas espantam muito boa gente as declarações ao semanário de Balsemão. Diria até que assustam. Mas, tanto quanto se me afigura elas são um reconhecimento da gravidade da situação, um alerta e uma reprovação avant la lettre.

Desde o Watergate que as escutas telefónicas foram aumentando de volume, de som e de utilização. Parecia que o Senhor Nixon não fora suficientemente cauteloso, nem suficientemente esperto, nem suficientemente parvo. Mas foi. E seria o primeiro Presidente dos Estados Unidos a ser despedido da Casa Branca por um tal motivo. Disseram alguns, menos atentos, mais comprometidos, mas também mais descarados que, pelo menos, ficou para a História. Acrescentarei – tal como Caim.

Entre nós, como acontece quase sempre, tomámos o pior córrego. Nem as picadas africanas nos serviram de exemplo. Toda a gente se atirou entusiasticamente a escutar o telefone alheio. Convém, nesta altura, não esquecer o caso do microfone no gabinete de Cunha Rodrigues, que nem o Perry Mason desvendaria, quanto mais nós… Entrámos, assim, no inefável quem escuta quem?

Parece que esse famigerado «desporto nacional» terá redundado num verdadeiro regabofe. Linhas telefónicas, aparelhos fixos, centrais, telemóveis, enfim uma panóplia de se lhe tirar o barrete, estão hoje mais infectados do que os patos asiáticos. E, tanto quanto se pode ver, também não parece que haja vacina para tal virose auricular. Ter-se-á, portanto, de descobrir mezinha para atalhar tal endemia. A Democracia tem muita força, mas... A Liberdade é imprescindível - quando é respeitada. Por cada um de nós.

Com a entrevista que concedeu, Alípio Ribeiro afigura-se que terá dado o pontapé de saída para a descoberta de tal antídoto. Melhor diria panaceia. Oxalá. Reconhecer que não se conhecem os números das escutas telefónicas neste rectangulozito - é de homem. Eu diria mesmo mais (correndo o risco de plagiar os manos Dupond e Dupont do Senhor Hergé), que o Director Nacional da Judiciária já começou a apontar para um ou mais alvos, mesmo autoconstituindo-se como objecto de muito ponto de mira lusitano.

Mas, não haja dúvidas, há que atalhar este estado de coisas. Outros há que também merecem tal determinação. Roma e Pavia não se fizeram num dia. Este diagnóstico ainda engatinha, mas crê-se que tem pernas para andar. Se porem se tornarem empecilhos algumas muletas ou cadeiras de rodas, não pode Alípio Ribeiro tropeçar. Tem de prosseguir – ou então dar parte de incapacidade. Tem de continuar a sentir-se «tão independente como sempre».

Meritíssimo Juiz: não lhe doam as mãos. E, se quiser fazer o favor, não se guie pelo ditado que diz que em terra de cegos quem tem um olho é rei. Penso que não precisa de tal conselho. Mas, pelo sim, pelo não, aqui lhe deixo esta nota. Por cá os cegos são muitos. No entanto, pode crer: milhões de olhos bem abertos perguntam-lhe da pupila às sobrancelhas se é desta vez que diminui o medo. Já que, aparentemente, «não se pode exterminá-lo».

sábado, maio 27, 2006







Assim vamos



Se dúvidas houvesse do nosso arreigado «portuguesismo contra os espanhóis» a estória que corre na net e que aqui se publica é um testemunho preocupante. Diz-se que sempre estivemos de costas voltadas para os nossos vizinhos ibéricos. Eles afirmam – de espaldas. Continuamos a ufanar-nos de Aljubarrota e das vitórias (saudosas?) no hóquei em patins. Eles não ligam muito a essas minudências. Não é que. Estão muito empenhados em crescer.

Por este andar – e longe vão os tempos, que vivi, em que a peseta valia uns escassos quatro tostões – não nos admiremos de que poderíamos tornar-nos em mais una región autonómica de España. Ou melhor: no nosso caso, uma região autónoma, pois conservaríamos a língua – tal como acontece com o basco, o catalão, o galego, por exemplo – e até teríamos um rei que fala português. Ainda que eu seja intrinseca, convicta e intransigentemente republicano, não se me dava... Infelizmente, para nós, isso não vai acontecer. Madrid perguntaria legitimamente: Diez millones de locos, pobres y retrasados? No compramos… No quereamos. Ni si fueran regalados.

Restam-nos, por conseguinte, umas quantas, escassas, qualidades, o desenrascanço e as anedotas. Assim vamos.
A.F.


A Vingança!!!

Há décadas que andamos a ser invadidos e «comidos» pelos espanhóis!
Seja através da aquisição de parte das nossas empresas, seja
levando as nossas empresas à falência por fazerem melhor, seja inundando as nossas ruas com as suas lojas (Zara, Roca, Corte Inglés, e por aí fora), ficando com parte (grande, demasiado grande) da água dos nossos rios ou, até, levando os nossos futebolistas.
Agora tudo isso mudou!
Agora temos um novo Afonso Henriques!
Albertino de Figueiredo, presidente da Afinsa e do Forum Filatélico conseguiu enganar quase todos os espanhóis por quase todo o tempo e burlou-os em cerca de
1.005 milhões de euros!
Viva o Albertino, que nos devolveu o orgulho! Viva Portugal!
Façam-lhe uma estátua!
E quando um espanhol o chatear, diga-lhe «vai mas é comprar selos, ó panasca!!!»

sexta-feira, maio 26, 2006








Logo hoje

«(…) A guerra afectou praticamente cada família portuguesa, porque as marcas não foram apenas produzidas pelas baixas; a simples passagem pela frente de combate deixou traumatismos indeléveis em grande parte dos jovens mobilizados. Em cada ano de conflito, estavam destacados em África, em média, cento e sete mil militares portugueses. No total, foram mobilizados oitocentos mil homens para os combates e serviços de apoio. E poucos poderão afirmar que tudo o que viram e viveram os deixou indiferentes. Os efeitos encontrar-se-ão adormecidos, mas podem acordar imprevistamente em cada um dos antigos soldados; ou em cada um dos familiares dos que morreram ou ficaram inválidos. As consequências da guerra na sociedade portuguesa constituem um iceberg cuja verdadeira dimensão e características ainda ninguém cuidou de avaliar. Entretanto, ele flutua à deriva. »
Joaquim Vieira in «Os anos da guerra», organizado por João de Melo, Lisboa 1988, Círculo de Leitores


Antunes Ferreira
Completam-se hoje, precisamente, 40 anos sobre o dia em que embarquei no Uige com destino a Angola. Eu e mais 1.784 homens fardados, deixando para trás terras natais, famílias, namoradas, amigos. O cais de Santos era um formigueiro de gente a despedir-se dos mobilizados, com muitas lágrimas à mistura, abraços, beijos, lembranças de última hora, garrafões diversos, coitadinho, pode ser que o anime lá por aqueles matos, é da rija e branca.

Saudade antecipada que se vertia em soluços entrecortados, ai que o meu filho vai para a desgraça, ou em recomendações: tu cuida-te, filho; usa sempre o quico na cabeça que o sol das Áfricas é bravo. E traz sempre contigo esta relíquia do Santo Padre Cruz, é um bocadinho da sotaina, que te proteja e te guarde. Não te metas com as pretas, olha que fico de seis meses e sei que és um malandro. Podes apanhar uma doença. Não te esqueças.

Um homem nada disso tinha. Eu. A minha mulher Raquel e os dois filhos que então existiam, o Miguel e o Paulo, já estavam em Luanda, à minha espera. O meu sogro era aduaneiro e subdirector da Alfândega da capital angolana. Fora ali colado, depois de ter fugido de Goa com a família. De resto, o Carlos Alcântara de Melo tornar-se-ia um expert em fugas de lugares mais desencantados, com perdas de fazenda e bens consecutivas.

Já a bordo do navio, outros militares, mesmo antes de saída a barra, já vomitavam enjoos da amurada. Depois, tornar-se-iam fiéis militantes da borda fora. Bastantes oficiais tão milicianos como o autor destas linhas engrossariam ab initio este bando de profissionais das golfadas. E até do QP, ainda que estes tentassem desesperadamente não dar parte de fracos. Muitos olhavam-me de esguelha. Sacana do alferes, é o único satisfeito. Pudera, não, com a co...isa da esposa à espera dele....

O ventre bojudo da nave era um inferno. Nos porões, em catres alinhados e juntíssimos, começava a sobrevivência da tropa miúda. Mal terminava o primeiro dia e o cheiro que dali saía era insuportável, de pestilento. Uma mistura de suor, urina, bagaço, cigarros e até alguns cagalhões conferia ao ar que por ali se alapava uma densidade mórbida.

Logo no começo, ainda a torre de Belém se conseguia divisar, já ao longe, desci pela primeira vez a tais catacumbas entranhadas. Um tarata mais exaltado, codilhado, bêbado, metera três centímetros de ponta e mola nos costados de um camarada. Porra, com tais amigos e companheiros. Oficial de Justiça, fui logo nomeado para levantar o auto.

Era o começo de um fim anunciado: chegar à colónia que assim se chamara e então era província ultramarina. Como dizia um major, no meio de um bridge com muito gelo e água castello, quando um gajo nasce começa logo a contagem decrescente para a tumba. Seria assim? Chegaria a aspirina LM e a resoquina para debelar as febres e as sezões tropicais?

Um destes dias, contar-vos-ei mais. Esses primeiros passos num convés todos os dias esfregado pela soldadesca faziam-nos antever o que nos aguardava? Depois, constataria que não. Picadas fatídicas, intestinos esventrados por minas, vinganças mútuas de muitos anos de falsa mas apregoada convivência, lama vermelha e pegajosa, água podre de poças de pata de elefante, disfardesinfectada pelo olozone em comprimidos. Uma merda. Como disse um cabo Rd, cuanhama, o Tarcísio N’dondo, com bigode: Então, eu já acabou de morer agora mésmo e já estão a dançar em cima da minha campa?

quinta-feira, maio 25, 2006






Viva a corrupção!...


O relatório sobre o combate ao crime económico relativo a Portugal, feito pelo Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO), do Conselho da Europa, foi tornado público na quarta-feira e é citado esta quinta-feira pelo jornal Público, que assinala que os peritos apontam o dedo à «falta dos necessários meios materiais, financeiros e humanos e, por vezes, de treino, de forma a levar a cabo investigações aos bens e finanças» em Portugal.

Desde 2002 foram iniciadas no País 1.521 investigações, das quais 407 estavam completadas no momento em que a equipa do GRECO realizou a pesquisa. Estas investigações foram levadas a cabo por 309 investigadores, 35 deles da brigada anticorrupção. De acordo com o relatório, citado pelo Público, o número de apreensões e as somas envolvidas são «diminutas».O grupo de peritos acrescenta que lhes foram explicadas as razões do insucesso: «Algumas vezes as investigações tiveram de ser abandonadas por falta de recursos ou por atrasos devido à comunicação inadequada entre certas agências públicas e privadas ou indivíduos».

Eles recomendam às autoridades portuguesas que sejam revistas as medidas de «identificação, apreensão e confiscação dos proveitos da corrupção» e que seja criada uma entidade especializada, responsável pela gestão de bens apreendidos. A equipa de avaliação deixou outra recomendação: que «se recorra de forma sistemática à investigação dos bens e que todos os recursos - legais, técnicos e humanos - sejam usados ao máximo e, se necessário, reforçados de forma a tornar mais eficaz a investigação financeira». O GRECO é uma instituição do Conselho da Europa que envia periodicamente aos países-membros um grupo de peritos com a missão de avaliar o estado da corrupção. A avaliação, refere o jornal, arrancou em 2003 sendo a segunda feita em Portugal.

Estas consultas aos jornais informáticos são duplamente perigosas. Alínea a) eles trazem tudo; alínea b) há cada vez mais oportunidades de, face ao que se fica a saber, um cidadão entre em depressão acelerada. Não há remédio – continuamos em tudo no fim das costas da Europa, ou quase. Em primeiros, só nas mortes nas estradas, nas falcatruas, no analfabetismo, na sanidade básica, no insucesso escolar, na Justiça, na Saúde.

Porra!O comentário, por mais que se pretenda optimista e construtivo, corre, também ele, o risco do negativismo, para não dizer mesmo do niilismo. Somos piores do que o pintam. Essa agora?!... E quem é esse pintam que já conseguimos ultrapassar em ruindade? Não se amofinem. Eu explico: quando o escriba era menos velho, dizia-se que nada era pior do que o pintam. Agora – já é.

Num País onde a corrupção grassa – o que nem é exclusivo nem tem copyright – para mim o despautério total é a miudinha, a mesquinha, a minúscula que por aí prolifera. Se tivéssemos corruptos a sério, daqueles que se vendem por milhões e milhões, ainda vá que não vá... Não fugíamos muito da média europeia. Podíamos descansar. Corrupção em Portugal, sim, mas com a devida dimensão.

Mas não. Aqui corrompe-se ou deixa-se corromper um sujeito por um punhado de euros e uns trocos de cêntimos. Assim, não vale. Não haverá meios de termos dimensões aceitáveis, ainda que na corrupção. O Eurostat continuará a dar-nos lugar no carro vassoura.Este CRECO ou lá o que é ainda nos deixa mais transtornados. Face a uma corrupção rasteirinha, pelo menos podíamos aproveitar o liliputianismo e combatê-la como o Santiago aos mouros - à nossa dimensão. Qual quê? De acordo com os especialistas do Grupo, não temos meios para fazer uma anticorrupção minimamente aceitável. Que diabo. Se não temos quase nada, porque bulas havíamos de os ter?O relatório do GRECO é quase greco para nós. Nem que fora cirílico.
A. F.




NO DIA
Investir ou desistir


Na sua residência oficial de São Bento, José Sócrates, apresentou hoje ao líder do Governo do Estado alemão da Baviera, Edmund Stoiber, o conjunto de reformas em curso em Portugal (em particular nos sectores da justiça, segurança social e educação). O primeiro-ministro manifestou ainda o interesse de Portugal em captar mais investimentos alemães. Stoiber deslocou-se a Portugal para participar numa cerimónia em Vilamoura, destinada a anunciar o país organizador do Campeonato do Mundo de Esqui em 2011.

Três das maiores multinacionais sedeadas na Baviera têm investimentos relevantes em Portugal, caso da Siemens, da EPCOS (joint-venture germano-japonesa) e da Infineon. Segundo os dados do executivo de Lisboa, os investimentos em Portugal daquelas três empresas de electrónica com sede na Baviera «são responsáveis por um quarto das exportações nacionais para a Alemanha».

Respigo esta notícia das Notícias do Google, que, como é habitual, é um repositório e uma montra do se passa no Mundo e em especial e naturalmente no nosso País. A edição de hoje, 25 de Maio, está cheia de informação sobre Portugal a que tento dar algum seguimento.
O interesse de Lisboa no investimento estrangeiro (que vem de longa data) justifica-se plenamente. O exemplo da Auto-Europa é paradigmático. Se a nossa balança comercial já é o que é, o que seria sem a fábrica de Palmela?

Só que esta verdadeira ânsia não é exclusiva de Portugal. Maioritariamente pelo orbe há guerras tremendas para a maioria dos países (mais ou menos pobres) obtenha investimentos dos ricos. Muitas vezes, a que preço... Se dúvidas houvesse, o caso da abortada refinaria de Sines, anunciada anteriormente com pompa e circunstância é suficiente. As exigências a posteriori de Patrick Monteiro de Barros serão tranquilamente encaixadas por outras terras onde o respeito pelo ambiente é... menos interessado.

De qualquer forma, Sócrates, Manuel Pinho, Basílio Horta e muitos outros (estes são, tão só, as faces mais mediaticamente responsáveis) fazem aquilo que lhes compete. Com maiores ou menos esperanças. Ou assim, assim. Isto é que vai uma crise. Toda a gente está confrontada, hoje e aqui com um dilema complicado: em Portugal – investir ou desistir?
A.F.

terça-feira, maio 23, 2006

Fados y castañolas


Ontem, ia a passar desprevenidamente em frente da sala do joliva, a caminho das necessidades (que nada têm a ver com negócios, muito menos com estrangeiros) desfecha-me o Santos (de pau carunchoso?): «Estou a organizar um grupo de fados y castañolas. E vossemecê fica cas sevillanas acastañoladas». Perdoem o portuñol, mas é dele, não meu, juro-vos. Respondi-lhe humildemente que, quanto a castañolas, no le diré ahora mismo, pero todavia creo que sí. Sin embargo, sevillanas, ya no tengo edad para...» E ala para o fundo do corredor, tão apertadinho me encontrava.

À volta, depois de ter reconfirmado a minha meia aceitação da proposta – que me dispenso de referir em pormenor, mas é, sem mais, pelo menos intimidatória – entrei no meu antro desarrumado por prática e convicção e dei por mim a pensar na provocação ignóbil do senhor gajo. Ainda por cima, perante testemunhas: a Isabel, da Madre de Deus e o Rente da box leonina.

Reflecti, o que por vezes me acontece, sem grandes danos. O Santos ainda não aceitou o engenheiro homónimo. Dissera-lhe, de manhã, que o Rui Costa voltaria à Luz para fazer 20 minutos de cada partida, complementados por outros 20, a cargo do Mantorras. E que os binfikistas, assim, seriam muito felizes, apesar dos Vieira & Veiga.

Donde, tenho quase a certeza que o homem, de vingança, quase me fazia fazer... nas calças. Não se faz: nem nas calças, nem a proposta. A vingança – que, de acordo com a Maria de Lurdes Modesto, se deve servir fria – é uma perversão mesquinha e vil da convivência interclassista. Só se vingam os que não conseguem sentar-se à mesa da concertação. E mesmo esses...

Pensando bem, ó João, pensando bem, se calhar nem as supracitadas castañolas. Neste, como em noutros casos, vem sempre à colação a diferença entre um sexagenário e um septuagenário. O sexagenário ainda se... tenta. O septuagenário só se... senta. Ainda vou matutar na questão.

A.F.
Canção para Luanda

A pergunta no ar
No mar
Na boca de todos nós:
- Luanda onde está?

Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos

- Xê
mana Rosa peixeira
responde?

- Mano
Não pode responder
Tem de vender
Correr a cidade
se quer comer!

«Ola almoço, ola amoçoeé
Matona calapau
Jiferrera jiferreresé»

- E você
Mana Maria quitandeira
Vendendo maboque
Os seios-maboque
Gritando
Saltando
Os pés pescorrendo
Caminhos vermelhos
De todos os dias?
«Maboque m’boquinha boa
Dóce docinha»

- Mano
Não pode responder
O tempo é pequeno
para vender!

Zefa mulata
O corpo vendido
Baton nos lábios
Os brincos de lata
Sorri
Abrindo o seu corpo

- seu corpo-cubata!

Seu corpo vendido
Viajado
De noite e de dia.

- Luanda onde está?

Mana Zefa mulata
O corpo-cubata
Os brincos de lata
Vai-se deitar
Com quem lhe pagar
- precisa comer!-

Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casas antigas
O barro vermelho
As nossas cantigas
Tractor derrubou?

Meninos nas ruas
Caçambulas
Quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?

- Manos
Rosa peixeira
Quitandeira Maria
Você também
Zefa mulata
dos brincos de lata

- Luanda onde está?

Sorrindo
As quindas no chão
Laranjas e peixe
Maboque docinho
A esperança nos olhos
A certeza nas mãos
Mana Rosa peixeira
Quitandeira Maria
Zefa mulata
- Os panos pintados
Garridos
Caídos
Mostraram o coração:

- Luanda está aqui!

Luandino Vieira, in “Cultura II”, 1957, n.º 1

segunda-feira, maio 22, 2006

Camões e Luandino

Antunes Ferreira
Corolário de uma obra que abriu novos caminhos da escrita na Literatura Portuguesa, José Luandino Vieira foi distinguido na sexta-feira passada com o Prémio Camões 2006. Tornou-se assim, aos 71 anos de idade, o terceiro autor africano honrado com este galardão, depois do moçambicano José Craveirinha (1991) e do angolano Pepetela, em 1997. O prémio foi criada em 1988 pelos governos de Portugal e Brasil, no valor de cem mil euros, para enaltecer um escritor cuja obra tenha contribuído para o enriquecimento cultural em português, e é a mais importante distinção literária da lusofonia.

Desde 1989 já foram distinguidos oito escritores portugueses, sete brasileiros e três africanos. A saber: 1989 - Miguel Torga (Portugal); 1990 - João Cabral de Melo Neto (Brasil); 1991 - José Craveirinha (Moçambique); 1992 - Vergílio Ferreira (Portugal); 1993 - Rachel de Queiroz (Brasil); 1994 - Jorge Amado (Brasil); 1995 - José Saramago (Portugal); 1996 - Eduardo Lourenço (Portugal); 1997 - "Pepetela" Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, (Angola); 1998 - António Cândido (Brasil); 1999 - Sophia de Mello Breyner (Portugal); 2000 - Autran Dourado (Brasil); 2001 - Eugénio de Andrade (Portugal); 2002 - Maria Velho da Costa (Portugal); 2003 - Rubem Fonseca (Brasil); 2004 - Agustina Bessa-Luís (Portugal) e 2005 - Lygia Fagundes Telles (Brasil).

José Vieira Mateus da Graça nasceu em Vila Nova de Ourém, a 4 de Maio de 1935. Foi para Angola aos três anos de idade na companhia de seus pais que eram colonos portugueses. Foi preso em 1959. Voltou a ser preso em 1961 e condenado a 14 anos de reclusão. Solto em 1972, fixou residência em Lisboa, onde trabalhou numa editora. Regressou a Luanda em 1975. Desempenhou diversos cargos directivos no MPLA. Foi Presidente da Radiotelevisão Popular de Angola. A sua obra de ficção tem sido muito premiada. A sua obra, que originou a sua prisão e projecção mundial, explorou com raro génio literário o calão vernácula nos então bairros indígenas de Luanda, vulgo musseques.

Angolano por opção

Por opção decidiu-se por ser cidadão angolano; pela sua participação no movimento de libertação angolano escolheu o nome de Luandino como homenagem a Luanda e contribuiu para o nascimento da República Popular de Angola. Fez os estudos primários e o Liceu em Luanda, tornando-se depois gerente comercial para garantir o sustento.

Acusado de ligações políticas com o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) foi preso em 1959 pela PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), no âmbito do que ficou conhecido como "processo dos 50". Em 1961 voltou a ser preso pela PIDE, tendo sido condenado a 14 anos de prisão e a medidas de segurança. Em 1964 foi transferido para o campo de concentração do Tarrafal (Cabo Verde), onde passou oito anos, tendo sido libertada em 1972, em regime de residência vigiada, passando a viver em Lisboa. Em 1975 volta a Luanda onde passa a viver.

O júri que atribuiu o Prémio este ano foi constituído por Agustina Bessa-Luís (Portugal), Francisco Noa (Moçambique), Ivan Junqueira (Brasil), Paula Morão (Portugal), José Eduardo Agualusa (Angola) e Evanildo Bechara (Brasil). Apenas foi conhecida a deliberação, diversas individualidades pronunciaram-se sobre ela, a maioria das quais se congratulou com o verificado. Ao acaso, respiga-se, apenas, aqui, a opinião da escritora Lídia Jorge.

A romancista congratulou-se com a atribuição do Prémio a Luandino Vieira, considerando que se trata de um autor cuja «grande qualidade literária constitui um grande marco histórico que nunca passa». "Ele é também um marco revolucionário pelo movimento que criou em Portugal a favor da liberdade de expressão", sublinhou Lídia Jorge. A seu ver, a obra e a personalidade de Luandino Vieira lembram o «papel fundamental que a literatura deve ter como inconformista contra as situações sociais». Finalmente, fez voto no sentido de que o prémio funcionasse «como estímulo para que (o premiado) apresente em breve novos livros como só ele sabe escrever».

Canção para Luanda

Muito bem. Tenho um enorme prazer e uma profunda honra de ter conhecido a esmagadora maioria dos premiados desde que o galardão foi criado. O mesmo se passa com a boa Amiga que é a Lídia Jorge. E até, singular coincidência (?) também conheço o Luandino – de há bastantes anos. Não posso dizer que tenha ido com ele aos pássaros, nem fisga tinha. Aliás, nunca tal diria, pois que o segredo é a alma do negócio.

Tal como acima reza, o autor agora premiado – e não é a primeira distinção que ele possui – já faz parte há muito, da galeria dos Autores em Língua Portuguesa. Por mérito e direito próprios. Acervo que se registe de tal plêiade tem de inclui-lo forçosa e obrigatoriamente. Não vamos mais longe. O seu poema Canção para Luanda, datado de 1957, não pode ser esquecido em qualquer desses trabalhos de recolha e registo.

Aliás, de Angola, onde passei uns oito anos de entusiasmo, felicidade e também de pesar, houve um outro nome, que foi meu jornalista no semanário «A Palavra», que é, igualmente, incontornável. Refiro-me ao Aires de Almeida Santos. Dele recordo, com saudade e eterna amizade o verso Meu Amor da Rua Onze que, no meu modesto entender, é uma das obras primas da poesia lusófona, mas não é suficientemente conhecido e divulgado, pelo menos por estas bandas. Prometo que aqui o vou trazer, logo a seguir. Grande poeta que veio trabalhar para o jornal, depois de ter saído do inferno prisional de São Nicolau.

Zé Luandino, Amigo: um abração de parabéns – mas sobretudo de agradecimento. Uma perene ajuda para entender e amar Angola e, em especial, Luanda é o cartão de visita de quem o pode usar de pleno direito.

sábado, maio 20, 2006

Não morri a rir só por vergonha


Tenho de confessar que raras vezes me ri tanto – e já lá vão uns tempos e milhentas anedotas. E outras tantas estórias. Esta, porém, que me foi já enviada em várias ocasiões, quase sempre em castelhano, mas também em inglês, deu-me tal gozo que me vi obrigado por mim mesmo a traduzi-la para o portuga mais vernáculo que pude arranjar, sempre tentando que isso não lhe fizesse perder a graça – que é eeeeeeeeeeenoooooooorrrrrrrrmmmmmmeeeeeeeeeeeeeee. Não sei se o consegui. Por isso ela aqui fica à consideração de quem a ler. Com um muitíssimo obrigadíssimo ao seu autor, tal como o soldado, desconhecido. So, go ahead! A.F.


Troca de notas entre um cliente de um hotel inglês
e os serviços do mesmo


(Atenção: este papel é um pouco longo, mas asseguro-vos que vale a pena gastarem algum do vosso tempo)



Estimada empregada do quarto
Por favor, não volte a deixar mais sabonetinhos na minha casa de banho. Tenho o meu sabonete de tamanho normal e que sempre uso e por isso não utilizo as miniaturas. Assim, queira ter a bondade de levar os 6 sabonetinhos que se encontram na saboneteira do lavatório e os outros 3 que estão na do duche. Na verdade, as miniaturas só me aborrecem, não servem para mais nada.
Muito obrigado
Steve Smith




Senhor cliente do Quarto 714
A empregada da limpeza que se encarrega do seu quarto não se encontra hoje no hotel, pois é o seu dia de folga. Amanhã, pode ficar sossegado, ela dará cumprimento ao seu recado. De qualquer maneira, e seguindo as suas instruções, tirei os 6 sabonetinhos do seu lavatório e os outros 3 da saboneteira do duche e coloquei-os em cima da caixa de lenços Kleenex, pois pode V. Ex.ª mudar de opinião. Desse modo, terá apenas os 3 sabonetinhos novos que hoje deixei, de acordo com as normas expressas no Manual de Serviço e Qualidade do hotel. Espero que fique satisfeito
Kathy Miller, a substituta da sua empregada de quarto



Prezada Senhora da limpeza
Espero que, hoje, seja a empregada habitual, pois creio que a Senhora Khaty, que a substitui ontem, não lhe transmitiu a minha observação a respeito dos sabonetinhos. Quando regressei ao meu quarto dei conta que a referida Senhora juntou 3 sabonetinhos aos 3 que estavam na prateleira por baixo do armário. Vou estar 20 dias no hotel e não necessito para nada desses 6 sabonetinhos da prateleira e até me incomodam quando faço a barba ou lavo os dentes. Assim, peço-lhe para os levar
Steve Smith



Caro Senhor Smith
Na quarta-feira foi o meu dia de folga, pelo que a menina que me substituiu deixou os 3 sabonetinhos, de acordo com o Manual de Serviço e Qualidade do hotel, que estipula que tal se faça diariamente. Por isso, retirei os 6 sabonetinhos da prateleira que, creio, lhe causavam problemas durante a sua higiene e pu-los na saboneteira do duche, onde, aliás, estava um sabonete que, pelos vistos, lhe pertence. Guardei-o no armário por falta de espaço na saboneteira. Não retirei os 3 sabonetinhos que normalmente se guardam no armário, para que, no caso de entrar um novo hóspede, e não se aborrecesse com eles, já ali os tinha. Por favor, diga-me se o posso ajudar em mais qualquer coisa.
A sua empregada habitual, Dotty


Excelentíssimo Senhor Smith
O Director do hotel, que é o Sr. Kensender, informou-me, hoje de manhã, que o Senhor havia telefonado na noite passada para a Recepção dizendo que não estava satisfeito com o serviço de limpeza dos quartos. Por isso, tem uma nova empregada. Espero que aceite as nossas desculpas pelos incómodos causados. Se desejar apresentar outra qualquer queixa, muito gostaria de o poder atender pessoalmente, para o que poderá chamar a extensão 1108, das 08H00 às 17H00 e atendê-lo-ei com muito prazer
Muito obrigado
Elaine Jones
Chefe da Recepção



Estimada Senhora Jones
É-me impossível contactar consigo por telefone, porque tenho de sair do hotel todas as manhãs às 07H30 por questões de negócios e só regresso pelas 20H00. Por isso, liguei ao Sr. Kesender ontem à noite, pois a Senhora já tinha saído. Apenas solicitei ao Sr. Director se podia fazer alguma coisa para resolver o meu problema dos sabonetinhos. Esclareço que não pedi nenhuma mudança de qualquer pessoal. A nova senhora que agora trata do meu quarto deve ter pensado que eu teria acabado de chegar ao hotel e, assim, deixou 3 sabonetinhos no armário e os outros 3 que diariamente distribuem por cada habitação. Por isso, em 5 dias, já tenho amontoados 24 sabonetinhos. Porque me fazem isso? Cumprimentos
Steve Smith


Excelentíssimo Senhor Smith
A sua nova empregada, Kathy, recebeu ordens estritas para deixar de distribuir os sabonetinhos no seu quarto e, ainda, para levar todos os sabonetinhos em causa. Se lhe podemos propiciar mais alguma coisa, faz o obséquio de ligar para a extensão 1108, das 08H00 até às 17H00 e terei muito gosto em o atender.
Às suas ordens
Elaine Jones
Recepção



Senhor Director
O meu sabonete – tamanho normal – desapareceu; levaram todos os sabonetes do meu quarto – incluindo o meu. Ontem à noite cheguei tarde e não tinha com que banhar! Tive que chamar o groom que logo me trouxe 4 frasquinhos de champô e uma embalagem grande de gel de banho, que conseguiu obter no ginásio do hotel. Era a única coisa disponível a essas horas
Steve Smith


Caríssimo Senhor Smith
Informei a chefe da Recepção. Elaine Jones (que, creio, conhece) do seu problema com o sabonete. Sinceramente não consigo compreender o porquê de continuar a existir o seu problema, já que todas as empregadas dos quartos têm ordens expressas de distribuir 3 sabonetinhos por dia e por habitação. E, pelos vistos, não tomaram em consideração o seu pedido. Mas, creio que finalmente, dei as instruções necessárias para resolver de vez a questão. Peço-lhe encarecidamente que aceite as minhas maiores desculpas pelos incómodos. Os meus melhores cumprimentos
Martin L. Kesender
Director



Senhora Jones
Quem foi a desgraçada que deixou no meu quarto 54 sabonetinhos????!!!!... Digo-lhe que foi o que ontem à noite encontrei ao chegar ao meu quarto. Repito-lhe que não quero para absolutamente nada 54 sabonetinhos!!!!!!!!!!!!!!!!! Apenas quero o meu sabonete – tamanho normal –corrente e cremoso. Exijo que mo devolvam. Já basta
Steve Smith




Excelentíssimo Senhor Smith
O Senhor queixou-se de haver demasiado sabão no seu quarto e por isso mandei que os levassem todos. Então, o Senhor queixou-se desta vez ao Sr. Kesender de que todo o sabão que existia na sua habitação tinha desaparecido. Em vista disso, empenhei-me pessoalmente para que lhe fossem devolvidos os 24 sabonetinhos que tinham sido retirados e mais os 3 a que tem direito quotidianamente. Nada sei de um sabonete – tamanho normal – pois neste hotel não o usamos nos quartos, pois pareceria pouco bonito e, além disso, anti-higiénico. Como compensação, deixei-lhe 3 embalagens pequenas de gel de duche que ficou no seu armário. Tanto quanto me parece, Khaty não sabia que eu tinha levado pessoalmente os 27 sabonetinhos e ela também pôs no quarto outros 24 sabonetinhos além dos 3 que lhe competem diariamente
. Espero, vivamente, que não tenha mais quaisquer motivos de queixa.
Sem outro assunto, queira receber os meus mais respeitosos cumprimentos
Elaine Jones
Recepção


Cara Senhora Elaine Jones
Envio-lhe esta nota para pô-la em dia quanto ao actual inventário saboneteiro.
No dia de hoje tenho em meu poder:
No armário da casa de banho – 18 sabonetinhos em montinhos de 4 e um de 2;
Sobre o receptáculo dos Kleenex – 11 sabonetinhos em dois montinhos de 4 e um de 3;
Na prateleira do roupeiro – 3 frasquinhos de gel de banho, 1 montinho de 4 sabonetinhos e 3 frasquinhos de champô:
No armário do banheiro – 12 sabonetinhos em 3 montinhos de 4;
Na saboneteira do duche – 6 sabonetinhos quase convertidos em sopa de sabão, por causa da água
;
Na esquina noroeste da banheira – Um frasco de gel de banho, meio usado;
Na esquina nordeste da banheira – 6 sabonetinhos em 2 montinhos de 3.
Peço-lhe, por favor, para transmitir a Kathy que quando arranje o meu quarto tente limpar o pó aos montinhos de sabão diverso e que os deixe bem arrumados. Lembre-se que se os coloca em montinhos de mais de 4 podem cair. Entretanto, poderia sugerir que em futuros fornecimentos de sabão os armazene no parapeito da janela? Parece-me, humildemente, que se trata de um sítio ideal e, até hoje pelo menos, sem ter sido usado.
Uma coisa mais: comprei outro sabonete – tamanho normal – que deposito diariamente na caixa forte do hotel, a fim de se evitarem mais confusões.
O seu admirador
Steve Smith




*******************
Intróito

Esta estória deliciosa foi-me enviada por imeile pela boa Amiga Filomena Caetano, colega da Raquel na TAP, que continua a dar-se connosco optimamente e, de quando em vez, me manda «coisas» destas - e piores... Não resisto a inclui-la no Travessa do Ferreira. É um pouco longa; mas vale a pena!!!!!! Ora leiam, sil us plau
A.F.




Diário de um dono de casa

Porque se queixarão as mulheres das lides domésticas se basta um pouco de organização?


Segunda-feira


Sozinho em casa. A minha mulher foi passar a semana fora. Ora aí está uma excelente mudança. Vamos passar uma semana inesquecível, o cão e eu.

Delineei um programa e organizei o meu horário. Sei exactamente a que horas me levantar, quanto tempo demoro na casa de banho e a preparar o pequeno-almoço. Acrescentei o número de horas de que preciso para lavar a loiça, fazer limpezas, passear o cão, ir às compras e cozinhar. Fiquei agradavelmente surpreendido com o muito tempo livre que ainda terei. Não percebo porque é que as mulheres se queixam da lida da casa se tudo isso exige tão pouco tempo. O segredo está numa boa organização.

O cão e eu comemos um bife cada um ao jantar. Vesti-me a rigor, acendi uma vela e pus rosas numa jarra para criar uma atmosfera aprazível. O cão comeu paté de foi gras como entrada, repetiu a dose como prato principal, com uma requintada guarnição de legumes e biscoitos à sobremesa. Eu bebi vinho e fumei um charuto.
Há muito que não me sentia tão bem.

Terça-feira


Tenho de dar uma olhadela ao meu horário. Uns pequenos acertos.
Expliquei ao cão que não se pode ter festa todos os dias e que por isso, não pode estar à espera de entradas e três tigelas de comida, que é claro, tenho de lavar.

Ao pequeno-almoço, verifiquei que o sumo de laranja natural tem um inconveniente. É preciso lavar sempre o espremedor. Alteração possível: fazer sumo para dias. Assim só tenho metade do trabalho.

Descoberta: posso aquecer salsichas dentro da sopa. Menos uma panela para lavar.
É claro que não pretendo aspirar todos os dias, como a minha mulher queria. De dois em dois dias é mais que suficiente. O segredo está em andar de chinelos e limpar as patas do cão. Quanto ao resto sinto-me optimamente.

Quarta-feira


Tenho a impressão de que afinal a lida doméstica leva mais tempo do que pensava. Preciso de repensar a minha estratégia.

Primeiro passo: comprei um saco de comida rápida. Não tenho de perder mais tempo com cozinhados. É um disparate perder mais tempo com a comida do que a comê-la.

A cama é outro problema. Primeiro é preciso sair de dentro do edredão, a seguir arejá-lo e por fim fazer a cama. Que complicação! Acho que não vale a pena fazê-la todos os dias, sobretudo porque nessa mesma noite voltarei a deitar-me. Parece-me inútil.

Deixei de fazer refeições complicadas para o cão. Comprei algumas de lata. Ele fez má cara, mas não teve outro remédio senão comê-las. Se tenho de me contentar com refeições pré cozinhadas, ele não é mais do que eu.

Quinta-feira


Acabou-se o sumo de laranja! Como é que um fruto aparentemente tão inocente causa tamanha confusão? É inacreditável! Vou passar a comprar sumo engarrafado pronto a beber.

Descoberta: consegui sair da cama quase sem a desfazer. Basta-me depois alisar ligeiramente a roupa. Claro que é preciso uma certa prática, e não me posso mexer muito durante o sono. Doem-me um bocado as costas. mas nada que um bom duche quente não possa resolver.

Deixei de fazer a barba todos os dias. É uma perda de tempo. Assim, também, ganho uns minutos preciosos que a minha mulher, como não tem de fazer a barba, nunca perde.

Outra descoberta: não vale a pena usar um prato lavado de cada vez que como. Lavar a loiça tantas vezes começa a dar-me cabo dos nervos. O cão também pode comer só numa tigela. Afinal de contas - é um animal.

Nota: cheguei à conclusão de que basta aspirar no máximo uma vez por semana.
Salsichas ao almoço e ao jantar.

Sexta-feira


Adeus sumos de fruta! As laranjas são muito pesadas. E sto de morar num terceiro andar sem elevador tem que se lhe diga.

Descobri o seguinte: as salsichas sabem bem de manhã. Ao almoço nem por isso. Ao jantar, nem vê-las. Salsichas mais de dois dias seguidos enjoam.

O cão, esse, está a comida seca. Tem os mesmos nutrientes, e não suja a tigela. Descobri também que posso comer a sopa directamente da panela. Sabe ao mesmo - nem tigela nem concha. Assim já não me sinto tanto como uma máquina de lavar a louça.

Já não lavo o chão da cozinha. Irritava-me tanto como fazer a cama.

Nota: acabei com as latas. O abre-latas fica todo pegajoso!

Sábado


Que ideia mais parva é esta de me despir à noite se tenho de voltar a vestir-me de manhã? Aproveito mas é o tempo para ficar mais um bocadinho na cama. E também não preciso de colcha, por isso a cama está sempre feita.

O cão encheu tudo de migalhas. Pu-lo na rua de castigo. Não sou criado dele! Que estranho. De repente, dei-me conta de que é o que a minha mulher me diz às vezes…

Hoje é dia de fazer a barba, mas não me apetece nada. Tenho os nervos em franja. Ao pequeno-almoço, só as coisas que não seja preciso desembrulhar, abrir, cortar polvilhar, cozinhar sem misturar. Tudo coisas que lixam um homem.

Plano: comer directamente do saco em cima do fogão. Nem pratos, nem talheres, nem toalha, nem nenhum disparate desses.

Tenho as gengivas um bocado inflamadas. Deve ser a falta de fruta, que é muito pesada para carregar. Será que estou com princípio de escorbuto?..

A minha mulher telefonou à tarde a saber se eu tinha lavado as janelas e posto a roupa a lavar. Desatei a rir meio histérico. Disse-lhe que não tinha tempo para essas coisas.

Há um problema com a banheira. Está entupida com esparguete. Também não estou para me chatear. Não me incomoda muito porque deixei de tomar duche.

Nota: o cão e eu comemos juntos directamente do frigorífico. Tem é de ser depressa. Não convém deixar a porta aberta muito tempo.

Domingo


O cão e eu estamos sentados na cama a ver televisão. Vemos pessoas a comer todo o tipo de iguarias. Salivamos os dois. Ambos estamos fracos e rabugentos.

Esta manhã comi da tigela do cão. Nenhum de nós gostou.

Precisava de me lavar, barbear, pentear, fazer comida para o cão, limpar a casa ir às compras e uma série de outras coisas, mas não arranjo forças. Sinto que estou a perder o equilíbrio e que a vista me está a faltar. O cão deixou de abanar a cauda.

Num último reflexo de sobrevivência arrastámo-nos até um restaurante. Durante uma hora, comemos toda a espécie de pratos óptimos. Em seguida, fomos para um hotel. O quarto é limpo, arrumado e confortável. Descobri a solução ideal para o governo da casa. Não sei se a minha mulher já se terá lembrado disso.

sexta-feira, maio 19, 2006


Duas paixões

Antunes Ferreira
J
á em puto tinha estas manias. Outras também. Mas duas foram as que me ficaram encasquetadas no bestunto que, para alguns, é cristalino – o que não é absolutamente o meu caso. Sem necessidade de genuflexão ou confessionário – tive disso, mas curei-me – gostaria de vos dizer que elas continuam a ocupar-me algum espaço num lobo cerebral inidentificado.

A primeira é o coleccionar canetas, esferográficas & similares. A tal irei, um destes dias. Mas, para já, aqui fica o registo. Entre plumas mais ou menos boas, novas e antigas e bolis (como dizem os nossos vizinhos ibéricos, de bolígrafos) de plástico, anunciando restaurantes, hotéis, empresas de transportes, partidos políticos e, até, de preservativos, entre toda essa amálgama escribente já ultrapassei os 21 mil exemplares.

Acreditem. E não me perguntem como me desenrasco para guardar este himalaia de objectos destinados à escrita, porque tenho de enveredar pelas muitas caixas de plástico e... a minha mulher não gosta destas coisas nem muito menos que eu fale delas, quando nalguma farmácia na estranja começo a pedir a quem me atende se tem algo para a minha colecção. Do espaço ocupado? Nem pó.

A outra das duas paixões são os romances policiais. Todos – ou quase. Por motivo que não adianta aqui mencionar, desapareceu-me, já lá vão uns anos, a Vampiro que tinha quase completa. Há dois anos, creio, depois de ultrapassado um pesadelo que me apoquentou durante cinco anos – uma depressão bipolar que não desejo nem aos meus inimigos figadais – comecei a reconstitui-la, devidamente actualizada. Vai indo, com alguns acidentes de percurso, mas vai.

A colecção Vampiro

A Vampiro é, só, na minha modesta opinião, o melhor acervo de obras de tal quilate. Os autores nela representados são nomes sobre os quais não recaem quaisquer suspeitas. Atenção: os Senhores Conan Doyle, Marcel Allain, Pierre Souvestre ou Edgar Wallace não fazem parte desse excelente grupo, penso que apenas por questões editoriais. São de tal estatura que, mencioná-los não é de justiça – é obrigação imprescindível.

Ando, por isso, não só a procurar uns números vampirescos que continuam a estar ausentes na minha biblioteca, mas a reler todos os que consigo. Alguns, mesmo a ler, já que, noutro tempo o não havia feito. Indesculpável. Naturalmente, tenho-o feito após selecção prévia. Neste particular, a busca aleatória não a recomendo a ninguém.

Quando afirmo, convicto, a amigos e conhecidos, que me meti a eito pela Agatha Christie, pelo Erle Stanley Gardner (aliás A. A. Fair, Carleton Kendrake e Charles J. Kenin), pelo George Simenon, pelo Rex Stout, pelo Ellery Queen, pelo Leslie Charteris, pelo Mickey Spillaine, e outros, alguns miram-me com vontade de apoiar o indicador na tempora e fazer com o dedo um gesto significativamente circular. O gajo já tem idade para ter juízo... E tenho. Idade e juízo.

Outros concluem que eu sou pílulas. Outros ainda, mais jovens ou menos entusiastas do género, perguntam quem são estes indivíduos. Há que saber perdoar-lhes. Se o Cristo, na cruz, terá pedido, ao que dizem, ao seu próprio pai para perdoar os seus algozes, pois eles não sabiam o que faziam, porque não usar da mesma complacência no caso vertente?

Adiante, que se faz tarde. Estreou ontem nos cinemas de todo o Mundo o Código Da Vinci, baseado no livro do mesmo título sobre o qual já escrevi neste Travessa do Ferreira. Dizem-me que está em marcha a rodagem do Ladrão das Merendas. Não estou certo. Se me referisse a Dan Brown ou Andrea Camilleri talvez já não fosse olhado como um espécimen raro. E outros aqui podia mencionar, mas o escrito já vai evangelicamente longo.

Mas, para acabar tão rápido quanto possível, tenho de lhe apensar uma ou duas considerações. Vá lá, uma, apenas. Nem todos estes juntos - desde os ancestrais até aos jovens, com cachimbo ou sem lupa, com bigode retorcido (o melhor do Mundo) ou sem pince-nez, com, com, com, sem, sem, sem, incluindo o Umberto Eco – conseguiriam decifrar o mistério que é o atraso, que eu diria fatal, deste cantinho esgalgado e espraiado no Atlântico.

No fim da fila

Meus Amigos. Não há volta a dar. No que toca a coisas boas e positivas, somos, incontornavelmente, dos últimos da Europa. Já não digo do Mundo, porque, feliz ou infelizmente, alguns torrões natais pobres de espírito (e de massa) conseguem estar na fila mais atrás. Antigamente, eu escrevia bicha; mas, hoje, a semiótica deu cabo de uns quantos termos agora considerados obsoletos ou pejorativos. Dos portugas se diz que temos uma produtividade manhosa, que somos subsidio-dependentes, que conseguimos ser mais calaceiros do que permite a Santa Madre Igreja. Seremos, não custa admitir. Não nos custa, nem nos envergonhamos de não nos custar...

Ontem, encontrei o José Sócrates no Solar dos Presuntos. Onde se continua a encher a pança com coisas muito gostosas, supinamente cozinhadas, acompanhadas de beberes inqualificáveis, de bons. Por lá era um corropio. O Joaquim Letria. O Zé Carlos de Vasconcelos. O... eu sei lá quantos mais. O engenheiro vinha acompanhado do meu «velho» Amigo Alberto Costa. Trocámos umas palavras breves, há quanto tempo te não via, o trivial. Tive tempo, ainda, para lhe dizer que estava de acordo – e apoiava – a maioria das medidas que o Executivo adoptou. E que não concordava com a metodologia comunicacional para as explicar aos cidadãos que somos todos nós. Foram uns escassos momentos, naturalmente. Mas já não tive para lhe dizer o que escrevi antes.

Pode bem o primeiro-ministro esforçar-se por dar a volta ao País e a nós, portugueses. Tem o direito, mas tem, principalmente, o dever de o fazer. Tarefa imensa, que só não qualifico de ciclópica porque me recorda as declarações do meu ex-professor de Direito Administrativo, Marcelo José das Neves Alves Caetano, no momento em que sucedia a um tal Oliveira qualquer-coisa-terminada-em-ar.

Por este andar, nem apelando a todos os nomes incluídos no volume gordo da História da Literatura Portuguesa, do António José Saraiva e do Óscar Lopes para que o – e nos – auxiliem nestes transes. Nada. E, muito menos, rogando à galeria dos autores policiais para que se averigue a fundo esta misteriosa ocorrência, da qual nem é preciso dar parte, porque é omnipresente. Nem com o auxílio do Santo Ivo, padroeiro da Justiça. Era o que faltava.

quinta-feira, maio 18, 2006

REGISTO

O Brito gráfico


Quando menos se espera, um homem não se precata e cai-lhe um senhor à frente, que se descobre que pode ser um Amigo. Desconfianças - há muitas. Gato escaldado... Mas, tem dias em que acontece que o acaso ou a sorte se encontravam virados para o lado esquerdo, que é o meu, e acontece que sim. Do poder ser ao tornou-se não é muito longe. Basta que se queira.

O João de Brito é um caso paradigmático. Dono da Britográfica, self made man, é um lutador que a princípio não se afigura muito simpático. Mas é pura ilusão. Profissionalão, exigente, picuinhas, perdeu a virgindade tipográfica no IPE, que considera «uma grande escola da vida». Ao que acrescento – e do resto. Tal como indica a denominação da sua empresa, o gajo é um militante da grafia.

Foi há pouco tempo que nos conhecemos. Quem nos aproximou? A revista da OROC, «Revisores & Empresas», até agora produzida pela Astralon do meu velho Amigo Aparício. E se, de início, o João me olhou com um cenho carregado de suspeitas, uns dias de contacto profissional deram cabo dessa interrogação. Descobriu, descobrimos ambos que falávamos a mesma linguagem – e já está.

O registo que aqui se faz tem, no mínimo, duas componentes e um só objectivo. Este último: fazer uma publicação de seu nome «Revisores & Empresas» o melhor possível. As duas primeiras: saber acertar agulhas e respeitar mutuamente aquilo que cada um possui e que, em conjugação leva a que se alcance o desiderato. É fácil. Daí o resultado: uma Revista, a primeira produzida na Britográfica que saiu bem; ou melhor, muito bem. E o principal culpado, sem atenuantes, foi o João de Brito.

É fácil com homens como o Brito. Bem merece que aqui se exare esta anotação. Temos, realmente, muito mais coisas em comum do que as que nos separam, como diz o Rui Veloso. Estas últimas, ainda as buscamos para as quantificar e sabermos com o que podemos contar. Ó João, tome lá uma bacalhauzada.

Uma cabeleira em Pequim

Éramos três irmãos. Um, o João Jacinto, para nós o Ju, deu um tiro na cabeça com a sua caçadeira para elefantes. Ponto final. Era o mais novo. O primogénito, têm-no Vocências na vossa augusta presença e chateia-vos até mais não. Resta, por conseguinte, o do meio, um tal Braz, com z, Manuel. O nosso avô paterno, coitado, foi o culpado do nome próprio do sujeito, já que era o Senhor Tenente da Guarda Fiscal Braz, com z, Antunes. Que, naqueles tempos era figura importante, chegando até a ir ao lado do pálio do Senhor Bispo, em procissões as mais diversas.

O meu irmão Braz, retorquindo a convite expresso (sem café idem, que não posso beber) cá do je, começa hoje a colaborar no Travessa do Ferreira. Isto quer dizer que esta merda se está a tornar um antro de familiares? Um encontro paroquial? Juro-vos que se trata de pura coincidência – e pouco mais. Assim por assim, já vários incautos aqui deixaram, por certo inadvertidamente, uns comentários. Raros. Donde, chegar mais um elemento escrevinhador, ainda que seja irmão, é motivo de júbilo, mitigado é certo.

Um dia, hei-de contar-vos a história do Braz Ferreira – devidamente censurada, para não melindrar espíritos mais sensíveis. Inventa-se cada uma para cortar prosa... Mas só para fazerem uma aproximação ao tipo, fica já aqui exarado que começo a perder a conta às mulheres que ele já teve. As mais ou menos legítimas, claro, que os ameaços, nem falar. Mas estou quase certo que são quase dez... Ora alimpem-se lá a este guardanapo.



Braz Ferreira
Eles são mais de um bilião, mas poucos falam a língua de David Becham.... Porém, na de Mao Zedong, eles são verdadeiramente excepcionais.
Gostaria de esclarecer que a minha namorada é cantora e normalmente precisa de adornos para entrar em cena. Por esta razão, pediu-me para lhe comprar uma peruca na China. Tinham-lhe dito que era barato e no final das contas, até foi. Mas complicado.

Depois de ter perguntado a quase meia centena de chineses que trabalhavan na empresa com a qual eu estava a fazer negócio, consegui saber… que ninguem sabia onde se vendia este tipo de artigo. Porem, uma vaga informação fez-me chegar a um centro comercial, um dos maiores de Pequim. São «só» 14 andares de lojas atafulhadas de mercadorias. São precisos seis dias para visitar tudo, isto se formos melhores que o Obikwelu...

Pois bem, eis-me no primeiro nadar do centro comercial. Logo de caras dirijome a uma moçoila que devia ter passado a noite em claro, pois ainda tinha os olhos bem fechados… No mais puro do meu chinês (também os há impuros), balbuciei um tímido Nihao que pretende significar bom dia. A garota, talvez acordando, abriu ligeiramente os olhos - na verdade estava a arregalá-los - e vomitou uma frase em chinês digno do Fu Manchu.

Meió quer dizer não

Foi a minha vez de arregalar os olhos, ainda que já estivesse acordado há muito tempo. Do you speak English? Meió… Isto é, um não redondo saiu da boca redondinha da imaculada chinesa. Porra. Se o não tivesse sido quadrado, a boca dela teria mudado? Mas, colocando de lado a geometria facial, decidi passar a uma nova estratégia. Então, dei uma de mimo. Não é que tenha feito quaisquer miminhos à criatura. Simplesmente, tal qual o «rei» Marceau, comecei a mimar um rabo de cavalo na minha cabeça. Ela olhou para mim, achando seguramente que eu era maluco ou maricas, e com a certeza de um advogado de defesa, indicou-me o oitavo andar. Um sorriso acompanhou a informação que julguei preciosa.

E eis-me partido, qual Álvares Cabral, à descoberta do andar número oito, onde consegui chegar depois de ter sido pisado (e pisado eu próprio) mais de um milhão de chins. Comecei pela direita. E no meio de meio milhão de amarelos (o outro meio milhão estava ainda na escada rolante), comecei a procurar o balcão das cabeleiras postiças. Foi como se me arrancassem os meus poucos cabelos. Já que estava numa de capilaridade… Mas, nem cheiro de cabeleira, excepto o do sujeito que me precedia e que não devia lavar o cabelo há mais de seis semanas. Digo-vos que o brilho do cabelo dele faria inveja ao traje de lantejolas de qualquer sambista da Vila Isabel.

Eu continuava, corajoso e empreendedor. Nada. De cabeleiras e cabeças só sobrou a dor que o calor húmido da super loja me provocava.Tentei mais uma consulta, mas desta vez com um representante do sexo masculino. Sea menina anterior não falava inglês, ele ainda conseguia ser… pior. Um defeito na língua, pensei eu, fazia-o cuspir os restos do almoço que devia ter acabado pouco antes. Olhei meticulosamente para o meu casaco, para ver como tinha sido atingido pelos restos de massa frita, e esperei a resposta do donzelo.

Por gestos quase obscenos, entendi que o que o limão me dizia era que o que eu devia fazer era subir ao céu. Na realidade não era o céu, era simplesmente o andar superior, um inferno. Vejam só. Decorria a semana dos saldos, com milhões, penso que não exagero, de chineses a nadar uns por cima dos outros. Costas, mariposa, brucos… uns verdadeiros jogos olímpicos a anteceder Beijing 2008. Tentei, portanto, não meter água.

De repente, e após coteveladas, pisadelas e empurrões estava na frente de um cabeleireiro para homens... alguns, enfim. Só então compreendi a alegada informação do cuspidor de massa. Quando por gestos apontara para o meu cabelo, ele deve ter pensado: este gajo quer visitar o Sevilha...em Pequim. E ainda bem que não me indicara uma agência de viagens para comprar um bilhete para Espanha.

O mercado livre

Bom o resultado, para economizar tempo, foi uma visita organizada a todos os 14 pisos do centro comercial, com direito a milhares de pisadelas, que estavam seguramente incluidas no tour. Voltei para o escritório - sem a cabeleira. Mais uns dedos de conversa com colegas da empresa e eles indicaram-me que o adereço deveria ser mais facimente encontrado no mercado livre (free market). Boa, pensei. E, de imediato, segui para o tal mercado livre. Desta vez, porem, acompanhado de uma gentilíssima intérprete que entendia de tudo menos de cabeleiras e de inglês. O que facilitava bastante.

Do alto de um prédio em frente do mercado, podia apreciar umas seis mil (sem exagero, pois contei-as todas) lojinhas de uns dois por dois metros. Descemos à terra e entrámos naquele dédalo comercial. Um espanto. Dez escassos minutos após o início da pesquisa, descobri a lojinha das cabeleiras. Tudo muito simples: uma vendedora, uns 20/25 miseráveis clientes e uns 40 sacos de plástico tamanho XXL, dentro de quatro metros quadrados. É coragem. Depois do trivial dos empurrões, etc., consegui chegar ao lado da vendedora, a quem logrei dar conta do que pretendia. Da pseudo intérprete, nem pó.

A empregada começou logo a deslocar os tais sacos de plástico, colocando-os por cima dos pés e pernas dos outros clientes, que iam aumentando. E sem uma palavra de desculpas. Dentro de cada saco, encontravam-se outros saquinhos, talvez uns cincoenta com as ditosas cabeleiras postiças. Pensei que ela nunca iria encontrar o que eu desejava no meio de tal balbúrdia. E não é que ela achou o que eu buscava?! Milagre! Virgem Santíssima!!!

Está claro que teve de abrir uns quantos sacos fechados com quilómetros de fita cola, desembrulhado uns não sei quantos saquinhos e assim. Mas - encontrou. Quando pagava pude aperceber-me de que a lojinha era a desordem total, pois outros clientes procuravam também coisas dentro dos sacos. Dois dias depois, no hotel é que percebi a velha expressão portuguesa: Ó pá, não levantes cabelo. Muito menos cabeleiras postiças. Sobretudo – em Pequim.