Antunes Ferreira
Mais uma noite em claro. E o reculpado ou reincidente, ou lá o que lhe quiserem chamar é um bom malandro chamado Mário Zambujal. O gajo deu-me, dá-me e dar-me-á cabo de qualquer descanso, mínimo que seja. De há uns largos anos a esta parte que isso acontece. Obrigado, Mário.
Foi no Diário de Notícias que a saga começou. Uma noite – naqueles tempos, com o jornal a fechar às tantas da madrugada, a tempo, ainda assim, de se apanharem os comboios – o bandido escreveu uma pequena nota que enviou à socapa para a tipografia anexa à Redacção. Alma caridosa deu-me conta da provocação.
Rezava assim, sem a preocupação de se tratar de transcrição sic: «O jornalista Antunes Ferreira deixou-nos ontem, vítima de envenenamento. Por inadvertência, mordeu a própria língua. O seu funeral realiza-se amanhã...» À Zambujal, mesmo que não fosse inédito. Com a marca inconfundível de um Amigão que nunca me abandonou, sobretudo nos maus momentos.
A Raquel, de resto, que tem um carinho muito especial por ele, recorda com uma pontinha de emoção que, sem a conhecer ainda, o Mário esteve no velório da mãe dela, que, óbvia e naturalmente, também não era do trato do homem. São coisas destas que marcam, nomeadamente as pessoas de bem, como julgo que é o caso da minha mulher e, claro, do Zambujal.
No que respeita a noctívagos, o tipo batia qualquer um, a começar por este escriba. Depois de uma porrada de horas de trabalho, pelas duas da matina, TMG, o chefe chegava-se a mim – com as melhores, mais puras e sinceras intenções, tá visto - e avisava-me que ia ali comer uma coisinha levezinha. E que se fosse preciso o chamasse. Rematava: sobre os teus ombros recai a responsabilidade de fazer sair o maior jornal português.
O ar fingidamente sério e a advertência, de mãos dadas com o ali, significavam que o iconoclasta – gostaste, ó Mário? – ia aboletar-se na Cova da Onça, mesmo ao lado do matutino. Onde tinha mesa permanente e garrafa aparelhada. E meninas, muitas, que o paparicavam e se deliciavam com as estórias dele. E com ele. Creio que não passava disso.
Bons anos, sem ponta de saudosismo, bons anos. Nas primeiras eleições em Liberdade, passámos 52 horas consecutivas no jornal, mais uns pozinhos. Todos, isto é, todos mesmo, incluindo cá o escriba que, para mais, era candidato inelegível, ámen, à Assembleia Constituinte, pelo PS. Só mais tarde, sucederia que o jovem me gamaria a primeira noite inteira. Salvo seja. Foi a Crónica dos (de outros) Bons Malandros que serviu de álibi. Nem o Perry Mason, meninos, nem a Della Street.
Desta feita é o Primeiro as Senhoras traço Relato do Último Bom Malandro. Nem é preciso relatar a ocorrência com todos os efes e os erres. Resuma-se. Um cidadão tão honesto quanto lhe seja possível e a lei não proíba, estende-se no leito marital, acende a lampadazinha de leitura nocturna e abre o buque. Está feito. Pela manhã, ainda assim com o candeeireco aceso, mamou as 150 páginas editadas pela Oficina do Livro. Sem espinhas. O verdadeiro arrastão.
Podia tal prever-se? Com o Mário, sim. É o único exemplo que conheço que desmente o João Pinto do FêCêPê quando este emitiu a frase que já consta de qualquer galeria de citações & anedotas – previsões... só no fim do jogo. Nada, não. Nem com um Dormonoc ou dois, mesmo três, um sujeito adormece com a nova obra zambujaliana nas unhas. E sem outros quaisquer estimulantes – ou conservantes.
Não há necessidade de aqui se exarar que é uma pequena obra-prima. Primas, há muitas e a cada uma delas, por mais que sejam, há que arrimar-se. Este relato do último bom malandro é a prova provada de que quem é bom, nunca esquece. É como andar de bicicleta. Só não se dá nota porque cada vez mais o Marcelo é um calino adulto. Só não se bate palmas, porque, cada vez mais, o Herman é um chavão loiro artificial.
Já está. O texto abstruso deste ajudante de auxiliar de praticante do Zambujal não passa do que é. Posso arguir, tenuemente embora, em minha defesa, que é sincero no superlativo e admirativo à décima potência. No que concerne à qualidade, valham-me todos os habitantes do Olimpo e das pradarias celestiais. Sem a sua preciosa ajuda, como julgo ser o caso, não sobra nada.
Pois é, Mário Amigo, muita malta está contigo. Muitíssima. Mas eu reivindico a inclusão nela. Alínea a) porque sou fundador; alínea b) porque, não há volta a dar, estou contigo. Mesmo que não quisesses – estava.
Uma apreciação - quem sabe se a primeira
Primeiro as Senhoras não é uma continuação da Crónica dos Bons Malandros, o best-seller que revelou Mário Zambujal como um autor de surpreendente originalidade e humor. Mas neste livro voltamos a encontrar um "bom malandro" com as suas aventuras, fantasias e emoções. A história conta-se num depoimento do protagonista a um silencioso inspector da Polícia que, tal como os leitores, página a página vai conhecendo o currículo da personagem e os passos de um golpe que o levou a passar nove dias sequestrado. Sem perder de vista o destino da viagem, o passageiro é convidado a ir-se demorando em sucessivos apeadeiros, onde não faltam motivos para uma boa gargalhada ou para um gostoso sorriso de cumplicidade
domingo, maio 07, 2006
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