Antunes Ferreira
Muito se tem falado na dissolução dos costumes que por aí, alegadamente, se verifica. Alguns guardiões da moral pública, auto-nomeados, emitem opiniões que eles próprios consideram sagazes, atempadas e importantes. Apesar de ninguém ser bom juiz em causa própria, as galas e os ouropeis são igualmente auto assumidos. Presunção e água benta...
Normalmente, esses considerandos assentam na comparação fútil de que no antigamente não se verificavam esses atropelos ao comportamento das pessoas. Era outra época, outra compostura, outra educação. Os portugueses aprendiam desde pequeninos que não deviam comportar-se, especialmente em público, em atropelo às normas mais sãs de uma sociedade que se dizia exemplar.
De bom-tom era afirmar-se que se seguia o exemplo dos antepassados, esses sim paradigmas de actuações excelsas e respeitosas. Puras, enfim. Já no escondido das alcovas, mesmo até nas abençoadas pela Santa Madre Igreja, as coisas não eram tão lineares. Ainda que se apregoasse que não existiam, longe disso, perversões, mesmo que ocorressem, Deus nos salvasse das tentações do Demo, não vinham à rua. Eram, ou deviam ser, recatadas. Do restante, a Censura encarregava-se, zelosa e firmemente.
É claro que, de longe a longe, no melhor pano cai a nódoa. Os Ballets Roses ou o escândalo Burnay em Cascais tinham acontecido, ainda que sem a dimensão que a maldita oposição lhes quisera conferir. Eventos diminutos, pequenos deslizes, pecadilhos que deviam ser objurgados, está visto, mas que se podiam perdoar, para não dizer mesmo esquecer. Resumindo: ocultar.
Eram, bem vistas as coisas, motivo para alguma reprimenda. Mas, a carne é fraca e não se está livre de se cair numa tentação, especialmente no que concerne à carne universalmente considerada fraca. Mas a pia de água benta lá estava, omnipresente e omnipotente, para colmatar essas eventuais pequenas falhas. Assim é que era, porque assim é que devia ser.
Biquíni? Uma indecência. Proibido. Cenas de amor no cinema? As normais, dentro dos cânones eclesiásticos. Carícias de namorados, mesmo que fugazes, em público? Abrenúncio, t’esconjuro Satanás. Tudo decorria na paz do Senhor e na tranquilidade. Não havia suicídios, havia quem se debruçasse demasiado da varanda dum sexto andar. Os benfiquistas não eram vermelhos, eram encarnados.
Nos dias hodiernos, o caso fia muito mais fino. Não há respeito, nem educação, muito menos obediência e disciplina. Caiu-se na rebaldaria. Veja-se os casos de homossexualismo, as pretensões dos «casais» de eles e de elas que, para alem da intenção do matrimónio, até tentam chegar à adopção de crianças. Pobres inocentes.
A devassidão tornou-se, para alem de prática quotidiana, uma forma de vida. Está tudo virado de pernas para o ar. O tempora! O mores! – apostrofava Cícero nas suas Verrinas, referindo-se à dissolução dos costumes e às perversidades praticadas pelos cidadãos da Roma de então. Como hoje, de resto.
Vinha há pouco a escutar umas Melodias de Sempre em CD. E, sem aviso prévio, um dueto dos antanhos do século passado, musica ligeira, de revista, recordada pela Maria Fernanda Soares e pelo Artur Garcia: «Tu d’homem e eu de mulher era galinha; bastava a gente querer, ó Cartolinha...» Não haja dúvidas. No domínio da outra senhora não havia travestis, coisa aberrante descoberta pelos pervertidos, em boa parte trazida para este pobre país pelos imigras, em especial os brasucas.
Deixemo-nos de falsos puritanismos e de jesuitices descabeladas. As coisas são o que são e as folhas dos calendários não são estáticas, longe disso. Os nossos dias são os nossos dias – para o bem e para o mal. A fórmula faz regressar à cerimónia matrimonial e tradicional? Pois que faça. Lá diz o anúncio televisivo que a tradição já não é o que era.
Nada. A cegarrega é de hoje, só de hoje. Antigamente reinavam o exemplar e o impoluto. Por este andar, não se sabe onde isto irá parar. A bom porto – não. Livre-nos Deus.
terça-feira, maio 09, 2006
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