sábado, junho 10, 2006
Notícias da crise
"The hardest freedom to maintain is the freedom of making mistakes." Morris West
Antunes Ferreira
Deixem-me que vos relembre duas figuras da nossa História. A primeira é O Desejado, de seu nome Sebastião jovem rei que terá sido morto na batalha de Alcácer Quibir, aventura incrível e desnaturada em que se meteu. A segunda foi crida por Luís Vaz de Camões nos seus Lusíadas, mais precisamente no Canto IV, Estrofes 90 a 104: o Velho do Restelo.
Se o moço duvidoso se tornou na esperança doentia dum povo que, ainda hoje quiçá, pensa que o verá voltar por entre o nevoeiro, montado em alvo cavalo, para salvar a Pátria, redimindo-a de todos os muitos pecados cometidos, já o segundo, pluralizado, simboliza os que não aceitam o progresso, a realidade, a verdade e se comprazem em pressagiar todas as desgraças para Portugal. Os velhos do Restelo representam o conservadorismo, o medo, a estagnação. São eles que não acham que tudo está mal – porque tudo está péssimo. E sem quaisquer hipóteses de melhoria.
À pergunta cabotina «como é que isto vai acabar?» respondem eles com «o estado a que isto chegou» e, ainda, «esta merda já ninguém a endireita.» E atiram as culpas de todo esse quadro apocalíptico para cima do Poder. Apontam ao Governo, que é quem está mais à mão. E afirmam - já não em surdina porque não há polícia política – que os principais causadores da desventura nacional foram os comunas; que, por isso mesmo, é bem preciso um novo Sal Azar, para voltar a pôr isto nos eixos.
Nas ruelas de Alfama, da Madragoa ou do Bairro Alto, ou seja desta velha cidade alegadamente de Ulisses, criou-se uma frase sarcástica, verrinosa, politicamente incorrecta e semanticamente aldrabada: «deixá-los falá-los qu’eles calarão-se-ão.» É a resposta aos profetas da desgraça, saudosistas profissionais e militantes.
Reconhecer a crise e as melhoras
Quando aparecem umas linhas (que sejam), umas frases (sintéticas), umas imagens (desfocadas) que tentam repor a verdade, reconhecendo a difícil crise que por aqui se instalou, mas antevendo que melhores dias estão a chegar, naturalmente devagar, talvez até já tenham desembarcado, sem serem vistos por mor do «barulho das luzes», ei-los que saltam em defesa da catástrofe: é tudo mentira, é tudo propaganda do Executivo, é tudo pó para atirar aos olhos dos pobres Portugueses.
Um exemplo comezinho: ontem o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou que o Produto Interno Bruto (PIB) português cresceu 1 por cento no primeiro trimestre deste ano, face a igual período de 2005.Este ritmo de crescimento representa uma aceleração de 0,3 pontos percentuais face ao crescimento de 0,7 por cento da riqueza produzida em Portugal nos últimos três meses do ano passado, face a igual período de 2004, dizem os homens das estatísticas. E acrescentam que, relativamente ao último trimestre de 2004, a economia portuguesa cresceu 0,5 por cento nos primeiros três meses deste ano, o que traduz também uma aceleração face à evolução de 0,1 por cento registada no último trimestre de 2005, e tendo em conta os três meses imediatamente anteriores.
Os senhores da António José de Almeida ainda informaram que o referido crescimento económico foi suportado por um aumento homólogo de 7,2 por cento das exportações e, também, pela evolução positiva do consumo das famílias, que cresceu 0,8 por cento, comparando com os primeiros três meses de 2005.
A juntar a isto, os últimos números da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), revelados também ontem, mostram que a economia portuguesa pode estar a dar sinais de recuperação. O chamado «indicador avançado», que mede as expectativas dos agentes económicos, subiu 5,4% no último semestre. Estes dados da OCDE têm já em conta os valores de Abril - e, começam já a acompanhar a tendência registada na Zona Euro.
Uma inventona governamental
Claro que para os sebastianistas e para os velhos do Restelo, está-se perante mais uma inventona governamental, gizada pelo Sócrates & companhia, com a cumplicidade e colaboração, imagine-se, do INE. Pudera, não, os mentirosos da estatística estão sob a pata da Presidência do Conselho de Ministros, fazem o que este manda, qual independência, qual carapuça.
E os tecnocratas da OCDE também nos saíram uma boa prenda. Em Paris vivem à mesa do Orçamento do Teixeira dos Santos, dele recebem benesses e mordomias que passam por cima da Espanha e chegam lá num repente. E só não têm subsídios nem benefícios fiscais – porque daria muito nas vistas se assim acontecesse.
Perante isto, teremos de nos resignar à verdade dos velhos do Restelo? Redondamente: não! Para eles o quadro apocalíptico é o certo e seguro, o que afirma que estamos total e definitivamente tramados. Num esconso beco sem saída. Disfarçar a crise? Como, se os fiscais da verdade estão a postos para desmascarar estas… mascaradas. Sempre prontos para derrubar o que quer que seja, incluindo o Conselho de Ministros, ou principalmente ele.
Os senhores Marques Mendes, Ribeiro e Castro, Jerónimo de Sousa e Francisco Louça, uns mais do que outros ou uns «mais iguais do que os outros», atentos e vigilantes, lá estão para desmontar estas facécias e repor a dureza da crítica e da crise. Abençoados sejam, que sem eles isto era um ferrabódó desengonçado, um despautério de foguetório, uma feira das mentirolas.
Estou farto. E creio que muitos cidadãos o estão também, ainda que nos possamos repartir por duas alíneas, a saber: a) fartos de apertar o cinto, fartos de pagar, nomeadamente ao Fisco, fartos de manifestações de rua, fartos das subidas constantes do custo de vida, do vaivém do preço dos combustíveis, dos centros de saúde que não a proporcionam, das reformas escolares, da criminalidade. E, b) fartos dos constantes clamores dos derrotistas, para os quais tudo está mal e continua mal.
Parecem inconciliáveis as duas. Mas não são. São, até, perfeitamente complementares. De tal sorte que para eliminar uma, se tem forçosamente de eliminar a outra.
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2 comentários:
Concordo. Trata-se, aliás, de mais um excelente texto de Antunes Ferreira que leio com muito prazer há muitos anos, inclusivé em Angola. E, se não me engano, o Antunes Ferreira também andou pelo falecido Diário Ilustrado. Será assim? Se for, fico muito satisfeito. Ainda conservo a memória... para as boas coisas.
Muito obridado, Antunes Ferreira. Um abraço
Meu Amigo
Não tenho o gosto de o conhecer - mas não posso deixar de lhe agradecer as palavras muito simpáticas que me endereça. Ainda vou tendo leitores pacientes - ou distraídos... Porém, o Senhor Nunes Martins, do bairro de Campolide, é um «caso perdido». Passo a explicar.
Primeiro porque aos 79 anos está aí, fresco que nem uma alface e com uma memória de arromba. Pouca gente se lembrará dessa aventura inolvidável que para mim foi o Diário Ilustrado.
Era um puto. Estava no primeiro ano de Direito. E o vício de escrever bem como a ânsia de fazer publicações já me tinham conquistado, sem recuos, muito menos desistências.
Recordo os irmãos Tavares Rodrigues, o Pereira da Costa, o meu grande Amigo Trabucho Alexandre, um compincha muito especial chamado Victor da Cunha Rêgo, a Senhora Dona Manuela (sempre a tratei assim...) o Nuno Rocha, eu sei lá. Gente boa, gente que me ensinou muitíssimo, gente que exigia «muitérrimo».
Senhor Nunes Correia
Ao seu muito obrigado, permita-me que lhe responda com outro. Não por ser meu leitor - o que considero ser «doença inqualificável» - e do que lhe peço humildemente desculpa.
Mas, sobretudo, porque me fez recuar aos meus 18 anos. Que, sem saudosismos, foram... porreiros! Ou bué de bons, como dizem agora os meus netos. E, ainda de acordo com a terminologia usada pelos gaiatos, porque já roubei muito tempo e descanso a quem por estas colunas navega - vou bazar!
Um abração
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