domingo, junho 25, 2006
SORRISOS AMARELOS
Um par de botas
Antunes Ferreira
A Ana Salina, que começou a ser minha pupila no Diário de Notícias usando um par de botas indescritível, é uma outra filha para mim e para a Raquel. Quando a levei para o Tribunal de Contas a fim de trabalhar no Gabinete de Comunicação que eu ali criara, já não as trazia calçadas. Sempre me perguntei se as aventura por uma qualquer janela, ou se o par de exemplares teria ficado arquivado no fundo de dispensa esconsa, ou, ainda se pensava utilizar os chancos como bem de transmissão por herança. Creio que este trilema me quedará para sempre no lobo cerebral mais à mão. Isto se a acusada não me informar pelas vias regulares. Não se veja nisto qualquer insinuação ao aparelho rodoviário, muito menos ao urinário.
A jovem matulona já tem hoje dois pimpolhos, um do primeiro, outro do segundo (maridos) e continua a gozar do estatuto de filha e eu do de pai, ao mesmo tempo que a Graça Hespanha do de mãe. A vida tem destas coisas, mas, vejam lá, o preclaro professor António Manuel nem se preocupava com tais andamentos. De igual modo procedia a Raquel Alcântara de Melo Ferreira. A confiança absoluta e inaudita nos respectivos cônjuges era e é e será sempre incomensurável.
Ao fim dos meus longos cinco anos de parvoêra, estamos, de novo, em contacto intenso. Por imilios, nem é bom falar; pelo MSN, nem pensar em falar. Aos primeiros, a Senhora Gaja vai respondendo de três em quatro meses, diz que por muita trabalhêra que lhe dá o João Henrique, o último pimpolho (até ver), aliás, o Ucranianozinho. E os outros dois, ou seja o primo Eugénio, digo, primogénito Xavier (sobre o nome do qual há uma história que um dia contarei, juro) e o consorte sem sorte João, também são umas melgas. A expressão é dela. E ela é meio alentejana, como já se aperceberam.
No que concerne ao Messenger, a ex-botifarras, se me lembro, tentou uma vez, arriscou e experimentou inclusive a webcam que diz ter. Boato miserável. Se realmente ela existe será uma Noku, meide in Almotaceme de Baixo, um pouco abaixo de Almotaceme de Cima. Isto porque, mesmo com a intervenção de quase toda a família – o infante louro e de olhos azuis para o efeito ainda não conta – aconteceu um realíssimo e alternadíssimo flope. Daí para a frente – népia.
Pois desta feita, a Salinas, sem s, mandou-me uma estorinha de tal modo excelente que não resisto a publicá-la aqui no travessadoferreira.etc.com. O chiste tem montes de piada (as tias da Lapa já me apanharam, terminologicamente falando?) com sal q.b. e linguagem de salão, depois de depurada, como é óbvio. Já diz a Prevenção Rodoviária «se conduzir, não beba», sobretudo ao volante, acrescento eu, pois os limpa pára-brisas são por fora.
Assim sendo, segue a dança. Ó malhão, malhão; que vida é a tua; comer e beber; comer e beber; passear na rua. Com algumas alterações e rococós bacocos, i.e., barrocos, aqui fica o contributo da Ana-sem-botas.
No vácuo
Um dia, ele disse à caríssima metade que ia ali ao estamine da esquina comprar um maço de cigarros, pois o tabaco bazara. E foi, sem beijo de despedida nem nada, porque o estanco era mesmo ali ao lado, três prédios à espera do RECRIA à frente. E desapareceu. Nunca mais ninguém lhe pôs o olho em cima; refiro-me à vista, como está bem de ver. Situação que se foi alongando intemporalmente no tempo.
Não se tratou, atrás, de expressão com sentido figurado muito menos pejorativo. O Mendes disse exactamente: «vou ali à esquina comprar cigarros»… e ficou dez anos, repete-se por mor das dúvidas ou dos aparelhos auriculares para surdezes diversas desligados, dez, sem dizer sequer água vai, completa e intrinsecamente desaparecido. Saltasse ele no vácuo e não seria mais espectacular. O Luís de Matos não faria melhor.
Um dia, bateram à porta e a Dona Mimi Mendes foi atender. Era uma campainha de carrilhão, um smole bigue bem, que se fazia ouvir por todo o T4 com arrecadação e ponto de estacionamento, ambos na cave 2. E… lá estava ele. Quieto. Sem dizer uma palavra. Dez anos mais velho, naturalmente, mas sem dúvidas, ele, José M. Mendes, industrial de panificação reformado, em corpo inteiro.
A digna e fiel esposa não se conteve. Em vez de lhe saltar ao pescoço e simultaneamente – o que deveria ser difícil, mas não impossível de todo – começar a despir a bata das limpezas e arrumações, despejou toda a revola acumulada e sofrida durante o decénio que, aparentemente, acabava ali.
«Seu isto!!! Seu aquilo!!! Seu filho da p… mãe!!! Não tens vergonha nessas trombas, safardana? Então disseste-me que ias ali à esquina comprar tabaco e desapareceste!!! Abandonaste-me, abandonaste as quatro crianças que tanto perguntaram por ti, ficas dez anos sem dizeres pevide e ainda tens o desplante, a desfaçatez, a lata, a ousadia de apareceres assim, sem mais nem menos. Olhe mau bandalho: e seu sofresse do coração e me desse o badagaio???!!!...»
E continua a arengar. «Vais-me pagá-las. E aos jovens, uma que já casou, dois que já namoram e o último que começa a fazer a barba com gilete de pilha. Fica sabendo que vais ouvir das boas! Esta merda eu nunca ta perdoarei! Esta solidão (principalmente na cama, ainda que tu já não fosses o que eras) jamais a esquecerei! Estás a ouvir, bandalho? Nunca!!! Mas, de qualquer forma esta é a tua casa, entra, mas prepara-te para…»
Aí, o M. Mendes dá uma palmada na testa e diz: «Porra! Esqueci-me de comprar fósforos…» Si non e vero, é bene trovato.
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