Entreposto não - entrecosto
A saga do meu último Hyundai
Antunes Ferreira
Já vou no meu quarto Hyundai. Que é o último. Explico de seguida.O primeiro foi, até dos primeiros que chegaram a Portugal. Comprei-o principalmente por ter estado em Ulsan uns tempos antes, aquando da minha primeira visita à Coreia do Sul. O que era uma pequena e pacata aldeia piscatória cresceu por influência de ali se ter instalado a empresa de fabrico de automóveis Hyundai. Em coreano, Hyeondae quer dizer modernidade. Hoje, a cidade tem mais de um milhão de habitantes e é o centro da maior região industrial do país.
Visitei as instalações fabris e fiquei entusiasmado com a tecnologia (na altura ainda associada à japonesa Mitsubishi), mas igualmente com a absoluta limpeza que nela reinava, para além dos índices de produtividade que me foram apontados. De tal sorte que escrevi então no Diário de Notícias de que era chefe da Redacção que na fábrica «se podia comer no chão» tradição coreana.
De tal forma o impacto muito favorável me atingiu que, tempos depois, nos primeiros anos de 90, comprei o meu Hyundai. E a este, mais dois se seguiram. E sempre satisfazendo-me, o que justificava a «reincidência». Aliás, a muitos familiares e amigos recomendei o automóvel, baseado na satisfação que ele(s) me proporcionava(m). Era só meter gasolina - e andar.
Em Setembro do ano passado comprei um novo Accent (as posses não dão pra mais…). Mal sabia o que me esperava. Já em Fevereiro deste ano, o bicho começou a fazer um «barulhinho» a que comecei por não ligar. Animal novo precisa de adaptar-se ao condutor e vice-versa. E, sobretudo, aos relevos desta nossa cidade das sete colinas, alegadamente. E ao estado das ruas…
Porém a dimensão sonora foi-se ampliando para uns quantos decibéis que não sei quantificar. Vinham os estranhos ruídos lá debaixo da viatura; mas, confesso a minha ignorância, disso – nem pó. Daí que me tenha deslocado às oficinas do Entreposto, o representante da marca, ali aos Olivais.
A via-sacra dos Olivais
Malfadada hora. Resumindo e concluindo: vai para uns três meses, senão mais, que tenho feito uma via-sacra para o local, que já começo a conhecer da frequência. Creio que em noite de breu, com as luzes em black out e os olhos vendados já lá chegarei, mesmo com GPS…
A avaria deixou o pessoal da assistência pasmado. Nunca tal se verificara. Nenhum cliente tinha apresentado tais queixas. Pensei para mim que quiçá estivesse perante um carcinoma ferrugento auto. Não era. Os especialistas disseram-me que eram apenas umas coisas desapertadas. Puseram o desgraçado no ar à força hidráulica – e não era. Uns apertos circunstanciais, mas tinha de lá voltar para substituir umas peças, nada de grave. Dias depois, assim aconteceu. Só que, dias depois também, voltaram… os ruídos. Afigurou-se-me que tinham aumentado. Voltei às oficinas.
Garanti que achava que e por aí fora. Deixei o «bólide» e fui à minha vida, que a morte é certa. Tinha, de resto, uma preocupação e grande. O médico operador de minha mulher queria falar. Felizmente, não passou de um susto. Era só para dar boas novidades. À tarde, quando de novo ali fui, presumi que estava tudo bem, pois me disseram que o 26-CD-86 estava ali fora e podia ir-me. Nem perguntei sobre a doença, muito menos da terapêutica. Saí.
Para voltar uns dias depois. Ó diabo, o perito da casa pôs o boguinhas no ar, uma outra vez. Duas horas depois, que tinha de lá voltar porque era necessário substituir todo o conjunto das peças, de que uma parte fora já mudada. Mas – há sempre um mas… - era preciso pedir autorização ao importador para a vinda das tais peças.
Os clones Entrepostos
Comecei a explodir. O responsável com quem falei (e que, até esse momento, tinha sido de uma gentileza e simpatia notáveis, é preciso que o diga) e a quem disse que, face ao ocorrido, iria protestar junto da Administração e exigir um carro novo, tentou acalmar-me, que não era caso para isso, que das oficinas nunca saíra uma viatura sem estar em condições, que a garantia seria escrupulosamente cumprida.
Meti travões suavemente ao prólogo da indignação. E então? Muito rapidamente me iriam telefonar a comunicar-me se já estava concluída a operação com o citado importador. Referi ao meu interlocutor que somente as suas atenções para comigo me demoviam de impor coisas à Administração, mas – outra adversativa – não era tudo Entreposto? Importador, vendedor, oficinas – não tocavam pela mesma pauta?
Pois que e mais que, que, mas eram diferentes, mas difícil de explicar. Pensei para mim, de novo, que seria assim uma espécie de clones, de Vieira contra Veiga, tudo no SLB, em família, sem que um falasse mais alto do que o outro, ou, pelo menos, não o tentasse fazer. E fiquei-me a perguntar quem seria o Santos do Entreposto? Na altura, ainda não se materializara o Camacho…
Passou mais de um mês. E de telefonema, nada. Já em estado de ebulição telefonei a saber. Não sabem como é difícil. A central telefónica geralmente leva uns bons minutos a atender. E, quando se alcança o desiderato, a(s) operadora(s) não sabe(m) quem é o senhor por quem procuramos, vai-nos passar, mas talvez não seja.
A espoleta já estava armada. Falei com um cidadão que me disse que tinham estado de férias, mas, dentro em pouco me telefonaria para dizer o que se passava. Se as famosas peças, aqui de um verdadeiro auto teatro trágico/ridículo, já teriam vindo. Isto porque, ainda que encomendadas ao importador pelas oficinas do… importador/vendedor, talvez ainda estivessem… para chegar. Disse-lhe que esperava que o pouco fosse mesmo pouco, senão não me ficaria. Não telefonou.
A ouvir música
Telefonei eu. Primeiro, outro senhor que me atendeu, aliás nenhum dos dois que solicitara á telefonista, a pretexto de que não me conhecia (isto apesar das repetidas visitas ao local), que tentaria encontrar quem eu desejava. E deu-me música pelo telefone, coisa de que não gosto. Mesmo nada. Ao fim de cinco minutos e poucos segundos (cronometrei o invento, digo, o evento) desliguei e voltei a ligar.
Agora, para me chatear com quem quer que me atendesse e informar que daria do caso conhecimento à Embaixada da Coreia do Sul, escreveria um texto pouco simpático para o Entreposto e publicá-lo-ia onde quer que fosse. Logo depois, um telefonema de um dos senhores hyundaicos, a comunicar-me que hoje às nove horas me devia deslocar (adivinhem onde…) aos Olivais, às oficinas etc. e tal.
Assim fiz, tendo perguntado se o meu último telefonema aviso/ameaça fizera com que as peças tivessem sido artilhadas de ontem para hoje, pois já lá estavam. O que representava para mim uma singular coincidência. Nada, não senhor, tivemos de as tirar de outra viatura. Espero que novas, acrescentei. Novinhas em folha. Não jurou.
Ora pronto. Esta é uma longa estória que me proporcionou o grato sentimento de ter passado a conhecer a zona, melhor do que o bairro onde morava há mais de trinta anos e que hoje já não é o meu. Aí, teria de estar agradecido ao Entreposto, não sei se ao importador, se ao vendedor ou se ao reparador das oficinas. Mas não o faço – por motivos óbvios. A minha religião não mo permite, mas, sobretudo, a boa educação proíbe-mo.
Não dei quaisquer nomes porque entendo que (já) não vale a pena. Mas, garanto-vos: este foi o último Hyundai que comprei. Palavra de honra. Do Entreposto – estou farto; agora, só entrecosto.
(NR - As fotos não são das oficinas Entreposto/Olivais)
6 comentários:
Olá :-)
Bem contada a saga, com o humor habitual. Da minha saga com a seguradora já te falei, pelo que aqui fica a minha solidariedade.
Pode ser que ainda te ofereçam uma limousine, embora seja grande demais para estacionar grátis num buraquinho que haja a sorte de encontrar em Lisboa.
Abraço
VM
Também já tive problemas com as oficinas do Entreposto/Hyundai. Para reparar uma avaria no meu Elantra, tive de lá ir quatro vezes. E sempre a prometerem-me que no dia tal, que amanhã, etc. E a não cumprirem. A Hyundai, na Coreia, saberá disto? Talvez através da Embaixada, quem sabe, lá chegasse. Estes senhores merecem-no.
As oficinas julgavam ser intocáveis. Os clientes são muitos e muito mal tratados em bastantes delas, sobretudo das de marcas. Atrasos, falta de peças, aguardar que elas venham de fora, promessas de datas, incumprimento delas, tudo e mais umas botas.
Os grandes nomes, como a Hyundai (é «só» a sexta produtora de viaturas MUNDIAL), deveriam ter mais cuidado para que não acontecessem coisas destas - imperdoáveis.
Quando surgem pessoas como o Antunes Ferreira (que eu nem conheço pessoalmente, só do seu blog), francas, destemidas, sem papas na boca e sabendo escrever e, mais demolidor ainda, utilizando com mestria a ironia,as coisas fiam mais fino. Quase podia dizer que aqui está uma «cantiga de escárnio» dos Cancioneiros. Mas dos nossos dias como é evidente.
Senhores da Hyundai, da Administração às Oficinas: que têm a dizer disto? Se calhar, calam-se. E assobiam para o ar. É mais fácil. Mas, cuidado, a internet tem muita força e os blogs podem ser mortais.
Eu tenho um Hyundai - e quero ver o que me vai acontecer quando for aos Olivais. Aliás, concordo com o Sr. Pedro C. Neves, da Amadora. A Hyundai coreana tem de saber destas coisas.
Também tenho um Hyundai. Sei o que são os Olivais. Estou consigo Senhor Antunes Ferreira. Dê-lhes!
Utilizei as oficinas do Entreposto dos Olivais apenas uma vez e ....chegou.
Eu tenho um i20 e parece que comprei um carro velho,já reclamei.estou a espera.Faz uma zoeira entre duas mil e as três mil fora o resto.que por agora não falo.
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