sexta-feira, agosto 03, 2007




SORUMBÁTICO

Viva o «precariado»

Alfredo Barroso
E
m abono da verdade se diga que era a direita que queria pôr este país nos eixos. Mas a incompetência e o descrédito dos seus governos (Durão Barroso e Santana Lopes, ambos com Paulo Portas) fez com que eles caíssem, isto é, fugissem ou fossem corridos por indecente e má figura, para utilizar uma das expressões do povo fora dos eixos.

Criou-se, assim, um nicho (político) de mercado, propício a quem quisesse pôr o país na ordem - ou a pôr ordem no país, se optarmos por uma versão mais suave. Ordem nas contas públicas, no deve e haver do Estado, nos lucros das grandes empresas e nas perdas dos pequenos cidadãos, nos salários de quem ainda tem emprego, nos subsídios de quem já não o tem e nas reformas dos que estão a ficar com os pés para a cova.

O despropósito e despautério da direita lusíada fizeram com que esse formidável nicho de mercado viesse a ser ocupado, rapidamente e em força, pela chamada esquerda moderna (seja lá isso o que for), que se diz muito amiga dos pobres, mas prefere deitar-se com os ricos (certamente porque não cheiram mal da boca). E é nisso que estamos.

Sejamos sérios: para conservar a nação em bom estado, é preciso pôr o país nos eixos e meter o povo na ordem. O pedigree de esquerda (como diz o outro) é um óptimo disfarce e ajuda muito a convencer um país que é (pau) para toda a obra e por isso gosta de ser (pau) mandado. Um país que refila, mas amocha. Está habituado a resignar-se.

Ora, num país resignado e sem alternativas (o engenheiro Sócrates tirou o tapete programático ao doutor Marques Mendes e este foi espojar-se no Chão da Lagoa), conta bastante o ar severo de quem discursa, a catadura sombria de quem manda, a capacidade de indignação espectacular de quem está no poder. Indignação – imagine-se! – perante o atrevimento dos que não se resignam a ser tramados pelo poder e a ficar mais pobres e desamparados em consequência das reformas corajosas (?) que esse poder lhes impõe. (Já repararam que o nosso primeiro-ministro está sempre zangado quando discursa?).

Mas vejamos. Os partidos políticos que constituem o chamado bloco central (PS e PPD/PSD) ou o arco da governabilidade (expressão inventada pela direita para incluir também o CDS/PP, e, sobretudo, para excluir os que estão à esquerda do PS, ou seja, o PCP e o BE), estabeleceram dois critérios essenciais (ditados pela ortodoxia neo-liberal em voga) para avaliar o estado da nação, a saber: a redução (rápida e brutal) do défice orçamental; o aumento (mesmo que muito pindérico) da taxa de crescimento do PIB.

Pois bem. À luz destes dois critérios, ninguém duvidará de que a performance do governo da esquerda moderna chefiado pelo engenheiro Sócrates é bastante superior às performances dos patéticos governos da direita chefiados pelos doutores Durão Barroso e Santana Lopes (o que fugiu e o que anda por aí). Para já não falar da performance dos outros governos da esquerda moderna chefiados pelo engenheiro António Guterres
(que se refugiou entre os refugiados das Nações Unidas). Agora é que a direita rejubila! Quer dizer: a direita dos interesses, das empresas, da alta finança, em suma: da massaroca!

Claro que, se avaliarmos os resultados deste governo da esquerda moderna à luz de outros critérios totalmente legítimos (embora não caros ao neo-liberalismo em voga) – por exemplo: o poder de compra dos cidadãos, que continua a diminuir; e a coesão da sociedade, que continua a degradar-se à medida em que cresce o desemprego, aumenta a precariedade e se alarga o fosso entre ricos e pobres –, é evidentemente desconsolador o balanço dos que estão acocorados no nicho político deixado vago pela direita lusíada.

Digamos que aquilo que este governo da esquerda moderna tem estado a fazer, com mais eficácia do que os governos anteriores e mais aplauso da direita da massaroca, é aplicar, à classe média em geral e aos trabalhadores em especial, a técnica da banda gástrica (novo método político cujos direitos de autor vou registar): já não se trata só de apertar o cinto, mas também de reduzir artificialmente a vontade de comer. No fundo, o propósito é o de reformatar a modernidade económica, banindo do vocabulário corrente as perigosíssimas noções de desenvolvimento humano, equidade e bem-estar social.

Estamos, assim, a assistir à emergência de uma nova classe social, a que alguns sociólogos já chamam «precariado». Uma espécie de neologismo que resulta da síntese dos termos proletariado (ao qual fora arrancada grande parte da classe média, no século XX) e precariedade (do emprego, do salário, da vida quotidiana e, portanto, do futuro). Viva, então, o precariado! Uma nova classe social tanto mais vulnerável quanto menos solidários e mais solitários forem os seus putativos membros – política e sindicalmente incapazes de se organizarem, envergonhados pela sua despromoção social, com receio de serem tratados como comunistas pela esquerda moderna e, por isso, já resignados.

Eu, que nunca fui comunista nem alguma vez pertenci à esquerda moderna (sou, mais prosaicamente, social-democrata genuíno, nada fictício), não tenciono resignar-me. Mas tenho perfeita consciência de que pouco ou nada posso fazer, para além das linhas desta prosa sorumbática - que não agrada ao poder do dia, seja ele político ou outro. Fui varrido há meses dos lugares de estilo onde se escreve prosa política convencional, isto é, atenta, veneradora e obrigada, ou, então, vagamente irreverente e inconformista q. b.. Pus agora a cabecinha de fora. Espero bem que não seja cortada. E viva o precariado!

NOTA: Como habitualmente, esta crónica está também afixada no blogue «Traço Grosso»



Olá, Amigo

Meu caro Alfredo

Há quanto tempo não te vejo, em pessoa, porque não faltam por aí escritos e fotos tuas. O que, de resto, bem mereces. Por mim, reformado e mal pago, o que é o normal e o natural, bem tento encontrar alguma coisa que complementasse os euros que. Não estou, não estamos, a Raquel e eu, a morrer de fome, nem estendemos a mão à caridade – ainda. Porém, as respostas que me têm «oferecido» resumem-se muito simplesmente: sou um ancião, caduco, já passou a minha época, sou bué de velho, enfim. Desculpa-me o desabafo, tanto mais que não vinha por ele. Adiante.
Como podes ver, venho refugiando-me neste blogue. Se o Pacheco Pereira tem – por que bulas não haveria eu de ter um também? Cá estamos. No cerne da questão. O resto conta-se num fósforo. O Ricardo Charters d’Azevedo, meu Amigo desde os bandos (e os bancos) do Lyceu Camões, mandou-me por mail esta crónica tua. Que achei bué de fixe. (NR – Os meus cinco netos meteram-se o bué nos cromossomas e, agora, não consigo ver-me livre do gajo). Por isso, decidi publicá-la aqui no Travessa do Ferreira.
Para tanto «imeilei» o Sorumbático, para que me fosse dada autorização. Este antigo Chefe de Redacção do Portugal Socialista, do DN & correlativos, ainda se atem a coisas dessas. Porreiro. Na volta do correio (inletrónyco), um tal Medina Ribeiro apressou-se a dizer-me que achava que sim. E até me deu o teu endereço. Nos dias que vão correndo, isso é cada vez mais raro. Registei-o. Boa! Na verdade, apesar dos epítetos atrás enunciados, ainda creio que estou dentro do prazo de validade.
Ela aqui fica, com a homenagem de quem sempre te leu com admiração e amizade. Porque tu, Alfredo, és mesmo bom a escrever. Um dia, já lá vão uns largos anos, disse isso à tua tia Judite. Ela, fez que sim com a cabeça, nem sequer bateu palmas. O marido, esse, um grande Homem e Amigo que se chamou José Manuel Duarte, acompanhou-me no entusiasmo com que eu me referia a ti. Daí para diante, já deixei de contabilizar opiniões idênticas, mais ou menos entusiásticas.
Meu querido Amigo: se tiveres, de quando em vez, um buraquinho no teu tempo, muito gostaria que escrevesses umas linhas, ainda que poucas, aqui no Travessa. Poucas – mas óptimas, que boas é miniatura que não se te aplica. Se não – ficamos amigos como dantes e como sempre. E eu continuarei a roubar alguns dos teus escritos para aqui os transcrever. Até que mo proíbas. Basta; nem é preciso bateres-me…
Antunes Ferreira



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