segunda-feira, agosto 13, 2007
Saudades do futebol
Helder Fernando
Adepto do Benfica, pratico o benfiquismo desde criancinha. Não sendo encarnado fanático (também gosto do ManUnited, do Liverpool, do Atlético de Madrid, do Leixões e do Sporting de Braga), acho que todos os outros clubes depois do Benfica são excelentes, embora deseje, com fervor, que percam sempre que entrem em campo. E, como sou português, sou masoquista em circuito fechado, entretenho-me alegremente a dizer mal do meu Clube de cada vez que ele resvala para o disparate, coisa que acontece frequentemente há para aí duas gerações. Para falar coisas feias sobre o S.L.B. basto eu, os de outras camisolas que se calem à minha frente. É por isso que sou benfico-masoquista em circuito fechado.
Mas isto agora não interessa para nada nem mesmo em crónica de Verão. O que realmente interessa é encontrar urgentemente soluções - e não lenitivos - para que, de uma vez por todas, não se repita este enorme, monstruoso, angustiante espaço em branco sem o desporto-rei, sem uma única jogada de mestre, sem o passatempo "Com o Santos na Liga Portuguesa de Futebol", sem os fantásticos relatos na rádio e as denunciadoras imagens em câmara lenta na televisão, para que fixemos na nossa memória presente e futura a arte, a inteligência, a dedicação, a alegria, a emoção do maior espectáculo do mundo.
Lamentavelmente, estamos a muitos milhares de quilómetros de qualquer terreno onde, na verdade, se jogue futebol, fora ou dentro da época. Bastava que as estrelas jogassem para a televisão e para os relatos na rádio, ficava feliz. Se cada equipa tem mais de vinte jogadores, só sendo necessários, à partida, onze, enquanto uns descansavam nas férias, os outros iam-nos deliciando em jogos exclusivos.
Assim é que o futebol de alta competição correspondia, na mesma medida, ao amor-com-amor-se-paga. Existirão coisas na vida mais empolgantes do que um poderoso remate à trave, uma cabeçada de cima para baixo, um voo felino do guarda-redes, a exibição técnica e táctica de todo o conjunto, uma finta de fazer sentar o adversário, meia-equipa balanceada no ataque com passes de bola teleguiados, levando tudo à frente, aproximando-se da baliza contrária, o estádio em pé...o golo!!?
O goooooollloooooooooo!!! O tal orgasmo de que falam alguns protagonistas. E os másculos jogadores aos abraços e beijos entre eles, uns por cima dos outros, os bamboleares de quem atinge o êxtase para lá da linha de golo.
E os penteados dos atletas, as fitinhas no cabelo, as suas tatuagens, o beijo no dedo anelar, o gesto de embalar, na dedicatória do golo em direcção ao rebento que nasceu, o rodopiar a camisola na mão exibindo, viris, o tronco atlético, a saliva que se fartam de cuspir para regar a relva, as cotoveladas, as rasteiras assassinas, as discussões com o árbitro. E os gestos dos treinadores para dentro do campo, o lago de beatas de cigarro à sua volta, as expressões de espanto, alegria, tristeza ou de guerreiro, sabendo que as câmaras estão a mostrar tudo.
E as manobras da arbitragem para disfarçar a asneirada mas garantir a emoção nas bancadas. E os bilhetes no mercado negro, a linguagem de guerra dos presidentes dos clubes, os insultos ao árbitro, o aliviante palavrão à solta, dentro e fora do campo, as coreografias das claques organizadas, o seu clubismo extremo, as cadeiras que mandam pelo ar, as bombas de Carnaval, o aplauso fogueteiro com labaredas, o modo como se libertam de paus e garrafas em direcção às claques inimigas. E, nas conferências de imprensa, os jogadores e dirigentes tapados quase na totalidade por garrafas de vários tamanhos, placas gigantes coladas ao microfone para lhes cobrir os rostos mas nos obrigar a ler os nomes das empresas ou dos produtos.
E o modo, à moda, como são colocado nos cabelos gelatinados dos jogadores vindos do duche, os bonezinhos com os símbolos publicitários - ainda não na estridente profusão dos fatos-macacos dos pilotos motorizados, mas lá chegaremos - a tradicional eloquência dos conferencistas, as perguntas tão oportunas e tão inteligentes dos repórteres, as imagens inesquecíveis dos artistas da bola ao volante dos seus bólides topo de gama, para os espatifarem, de vez em quando, no final de uma merecida noitada contra o stress. Vestindo, o futebol, todas as camisolas de todas as cores, incluindo a cor-de-rosa,
oferecendo a milhões e milhões de pessoas, mesmo às que nunca assistiram a uma partida, drama e júbilo, grandes tristezas e enormes alegrias... que doce vício é o futebol!
(In Macau Hoje)
Ó Senhor Oliveira
Antunes Ferreira
O Hélder Fernando é um gajo quase porreiro. E não o é em absoluto – porque é benfiquista. Mais, confessa-o despudoradamente. Claro que toda a gente sabe que não se pode ser perfeito e que no melhor pano cai a nódoa. Porém é triste ver um cavalheiro tão prendado prostrar-se reverencialmente perante um Vieira, andar de braço dado com um eng.º Santos (agora já não há o Veiga, tadinho), chorar a partida de um Simão, aplaudir as camisolas cor-de-rosa, ai, ai.
Mas enfim, é a vida. Apesar desse tremendo handicap, registo aqui e hoje uma crónica que regularmente, o sujeito publicou no Macau Hoje. Na verdade, este moçambicano colonizado virou macaense – e ficou por aquelas bandas do Rio das Pérolas. Se mais não houvesse, este era um verdadeiro testemunho da pluralidade deste blogue.
Mas não descanso enquanto não o convencer a colaborar no Travessa com textos próprios – mas sem pagamento… E estou certo de que o Oliveira (o tipo também é, mas não usa) fará parte desta equipa. Que não é do Benfica, de jeito nenhum, como diria o portuguesíssimo Deco. Em tempo: já começou a doer. Que o diga o FêCêPê.
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