quinta-feira, fevereiro 15, 2007





À VOLTA DO ANO

Fevereiro

Maria Lúcia Garcia Marques
Assim à primeira vista, Fevereiro parece um mês mal amanhado, diria mesmo um mês falhado, dado que manigâncias contabilísticas lhe roubaram dois dias e ele ... ficou-se! Como diz o Rifoneiro, “Fevereiro coxo, em seus dias vinte e oito” e, crítico: “Fevereiro, o mais curto mês e o menos cortês” e insinua: “Fevereiro trocou dois dias por uma tigela de papas”.

Mas aqui, atenção!, há forte injustiça gastronómica porque (digo eu) “Fevereiro, dente no fumeiro”! e aí temos a apoteose dos enchidos – uma boa morcela da Guarda, bem “torrada” mai los grelos e a batata duma horta ribeirinha; um chouriço e umas febras no braseiro da lareira a envolverem a noite do lar em cheiros capitosos ... Um mês assim merece mais do que ficar entalado entre dois confrades, a modos de charneira de almanaque.

E é por isso que Fevereiro tem a sua graça quando lhe desaba o Carnaval, nos seus brilhos e enganos, breve reinado do Faz-de-Conta ardendo no meio de plumas e ouropéis, em corsos e desfiles a alardear um gozo de encomenda mais ou menos desesperado. Toada de um “Orfeu Negro” a morrer na 4ª feira ...
Eu não gosto do Carnaval, como não gosto dos contos de fadas azul-céu porque não são nem verdadeiros, nem definitivos, nem seguros – são falsas passagens anestesiantes por cima do que verdadeiramente a carne vale ... E ela, mesmo sem disfarces, tem perfume e sabor. É concreta e estimulante. Sorve-se e guarda-se como o sumo de uma laranja. A laranja é a glória dos frutos e o triunfo de Fevereiro. No seu surrealismo militante, Paul Éluard globalizou: “A terra é azul como uma laranja “. Eugénio de Andrade casou-a com o Universo: “Na laranja o sol e a lua / dormem de mãos dadas” (in Antologia Breve) e hierarquizou assim uma sua cosmogonia:

“Inventar a cor primeiro
das laranjas
depois o sol escorrendo dos
lábios
só depois o trevo só depois
a neve”
(in Rente à fala)

E este frio último, fixando como um verniz a intensidade do quadro, veste Fevereiro como uma luva. Lembra um desenho de Cruzeiro Seixas, ou o “Samba de uma nota só”, ou o final de Casablanca. Lembra-me as tirinhas de casca de laranja cristalizada, envoltas em chocolate, da saudosa Ferrari, a desfazerem-se-me na boca.

Porque Fevereiro é-me assim: agridoce, adstringente e breve!

2 comentários:

Anónimo disse...

Não se já aqui o disse. Gosto muito desta Senhora a escrever. Mai nada.

Anónimo disse...

Que bem escreve esta Senhora! Só um texto por mês? Senhor Antunes Ferreira: peça-lhe (mande-lhe fazer...) mais.