quinta-feira, julho 24, 2008

A Divina Providência

Antunes Ferreira
N
ão há fome que não dê em fartura, diz o Povo na prática da sabedoria que lhe é característica – e milenar. Mas, não trato aqui de escalpelizar os rifões populares, coitados, que para o assunto só servem mesmo de termo de iniciação do escrito. Seja-me relevada a falta.

Entro ao que vim: a Divina Providência – cautelar. Houve um tempo, não tão afastado como isso, em que o cidadão comum, quando ouvia a expressão, franzia o cenho e perguntava – mas que raio é isso? De que se trata? Os ínvios percursos jurídicos davam – e dão, e darão – motivos mais que sobejos para essas inquirições vindas da plebe. Da plebe – e não só. (Há que tempos que não usava esta expressão, de tal forma que, ao fazê-lo hoje, sinto um gozo avolumado).

Uns quantos privilegiados sabiam do que se tratava e outros, em número ainda menor, até sabiam como apresentá-la aos doutos tribunais. A síndrome do Santo dos Santos vigorava e ninguém diria que esse quase mistério insondável das escrituras judiciais caminhava a largos passos para o vulgar de Lineu. O que acabou por acontecer.




Hoje, qualquer fulano interpõe uma providência cautelar. Não acreditam? Uns exemplos, a esmo. A CMP e mais precisamente o seu presidente Rui Rio, decidiu-se pela requalificação do tristemente conhecido Bairro do Aleixo. Onde a droga circula com uma olímpica serenidade. Na prática, demolir-se-ão cinco torres de muitos andares.

O pessoal não gosta. Diz que Rio disse que não demolia (para ganhar a Câmara, em tempo eleitoral) e vai mesmo demolir. Toma lá com uma providência cautelar. O edil desvalorizou a hipótese/ameaço: «é normal que metam uma providência cautelar, hoje em dia em Portugal mete-se uma providência cautelar por tudo e por nada».


O Senhor Gonçalves Pereira, presidente do incrível CJ da FPF não ficou satisfeito com a cegada, mais uma, que foi a reunião a dois tempos do órgão federativo. Ora toma lá com uma providência cautelar. Uma não; duas. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa deu provimento às duas, suspendendo a efectivação das deliberações surgidas da tal sessão. Os campeonatos que esperem.



A Airplus TV Portugal requereu à Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom) a nomeação de uma nova comissão de avaliação para reapreciar as propostas para a Televisão Digital Terrestre (TDT) paga, depois de concurso em que a Portugal Telecom (PT) conquistou o primeiro lugar. "Este júri não demonstrou ter as qualidades de competência e de isenção necessárias para avaliar um processo desta natureza", afirmou o presidente da operadora sueca em Portugal, Luís Nazaré. E, desde logo, se aventou nova hipótese: ora toma lá com uma providência cautelar.

Providências cautelares são, nos dias que vão correndo neste Portugal taciturno, corriqueiras. Andam por aí, como ameaçou o outro. Divinas Providências.

(Também publicado no www.sorumbatico.blogspot.com onde colaboro todas as semanas, normalmente aos Sábados)

2 comentários:

Unknown disse...

Gosto particularmente da imagem da “olímpica serenidade”, e considero que, em relação ao presidente do cj da federação, foi mais uma “cagada” que uma “cegada”, diz bem, mais uma, que fez.

Esperemos que por estas bandas nunca se lembrem de providências cautelares, seria mau para nós leitores, a espera pelos sucessivos recursos, (de que a nossa justiça também é fértil), (tanto órgão há no nosso quadro jurídico para recorrer, chiça!)

:|
:)

abraço

Alice Matos disse...

São frutos da época... enfim...
Bj...