terça-feira, julho 29, 2008

Grito de Alerta

Ana Serras
N
esta encruzilhada onde me encontro, neste ponto espaço-tempo do conflito, do terramoto interior, senti que a eternidade cortou o meu tempo. Chegou o momento da decisão. Essa decisão existencial, que não é objectiva, por tão interior ser, que pertence ao TODO, que nos liga ao universo, onde ninguém está só, e compreendi a totalidade de tudo o que me rodeia, na qual o acaso não desempenha qualquer papel, a qual contem uma ordem, que muitas vezes nos escapa e vi, vi tudo diferente: as árvores, as flores, as pessoas, as coisas. Surgiu-me, qual visão no escuro, o momento da decisão, a opção de todo o meu ser, ser inteiro, total e derradeiro.
E perguntei-me: será que o meu corpo físico tem vontade de acompanhar este resto da caminhada, tem força, é capaz de vir atrelado a? Tudo me vem das entranhas, do ponto central de mim, no qual tudo se cruza, onde reina o silêncio, onde a realidade é uma ilusão, onde não há registo de factos, nem acordar de memórias, o ponto onde habita a essência. E o encontro deu-se, como um raio que trespassa e fere, o encontro comigo mesma aconteceu! Tudo foi diferente, a partir desse momento mágico, e decidi, que não perderia essa força, resultante da simbiose do eu com o mim, e ouvi música, dancei qual chama de vela, live, livre, toquei o verdadeiro Absoluto, não manifestado, que em nós reside: veio daí uma serenidade, uma plenitude e a pulsão incontornável de mergulhar em tudo inteira, ir ao fundo, para além da pele de todas as coisas.
O meu corpo acompanhará este sentimento de irradiação de mim para o que me cerca e, quando este desistir da caminhada, ficará o ETERNO, o que nos outros deixo, a inter-relação subjectiva da Verdade, da qual só nos apercebemos dos efeitos. E choro, choro lágrimas que são universais, que pertencem a esse canto da vida, que em cada um provoca algo de diferente e pergunto-me: onde fica o espaço para o meu canto? A que tempo ele pertence?


O que me rodeia violenta-me muitas vezes, sinto sempre que deveria fazer mais e diferente, mas logo a seguir vem a responsabilidade pelo outro, pela minha missão por estas paragens e abafo o grito de liberdade que sou. Porquê esta obsessão em fazer bem, correcto, coerente, se muitas vezes o meu voar me empurra para o alto da montanha, para o vento frio a dar no rosto, para a chuva a encharcar-me, para o sol a tostar-me, para o mar a tocar para mim, para a liberdade total que se solta do meu interior e me chama? Não exijo compreensão, não aceito hipocrisia. Não tolero representações absurdas: quero o total, o encontro com a essência de tudo, o ser inteiro e que ele me apareça, tanto no mais íntimo, como no mais material de todas as coisas.

Quero sentir, em liberdade, o fluir de tudo em mim, que me trespassa tantas vezes como uma espada e, por isso, me magoa, me faz sofrer e quero afirmar, que desse sofrimento aconchegado, acalentado com as lágrimas do quotidiano, sai um grito de esperança infinito, de convicção, pois, um dia, os homens vão compreender, sentir, que têm tudo nas mãos, que uma árvore é um ser vertical, total, que uma planta é um pormenor lindo e frágil de igual importância, que um animal é sempre um companheiro e que todos, mas mesmo todos, somos pontos de um círculo gigantesco, estabelecendo as inter-relações que escolhemos, mas todas tendo algo a ver com todos e tudo. E esse grito, esse grito é de alerta, de alívio, de alegria, de força, de solidariedade e representa o grito, em verdade, da vida em nós, que se propaga pelo universo e que é eterno.
Não foi esse grito mesmo, que eu estive aqui a dar?
Julho de 2008


Pontapé de saída

É o começo. O pontapé de saída. Esta contribuição da Ana Serras é a primeira pedra do nosso PONTO DE ENCONTRO. A ideia que foi plantada começou por indo ganhando raízes e, agora, brotou a primeira flor do embrião que é a nossa vontade de avançar. O muito obrigado do Travessa (e o do louco que sou) fica aqui registado, sem tabelião, nem papel selado, nem acta, nem nada. Abaixo a burocracia! Que se lixe a burrocracia! Morra a certidão!
Só uma adenda: de médico e louco todos temos um pouco. E os esculápios que se cuidem. Venham mais colaborações. A. F.


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