

NA ROTA DO CALENDÁRIO
Julho, The Examinator
Maria Lúcia Garcia Marques
Poderia ser “The Terminator” que quase iria dar no mesmo. Porque é este um mês confluente das tensões fatídicas que vêm com os famosos, discutidos, rejeitados e, hoje recuperados “exames de avaliação”. Toda a minha vida vivi e convivi com eles – fui sujeita e sujeitei outros a um número deles cuja conta já perdi. Houve tempos e casos em que eles eram tão marcantes que o meu tempo (e, por vezes, até o da família) se media, numa espécie de a.c. ou d.c., por um antes d... e um depois de...como se, a esse propósito, Cristo tivesse alguma vez descido à terra ...!
Sem querer teorizar sobre um assunto que, aliás, está na berra, penso, no entanto, que nós, portugueses, não conseguimos ainda entender que a avaliação seja um dado natural e essencial ao bom rumo de qualquer exercício, estruturação das verdadeiras competências ou puro ajustamento dos diversos poderes. Continuamos a acreditar piamente que “quem tem padrinhos não morre na prisão”, o que, em termos vivenciais, se traduz em costumeira azáfama de mover céus e terra agenciando cunhas, compadrios ou simples conhecimentos, a todos os níveis e a todos os propósitos.

Porque não pensar que, para o caso específico dos estudantes, os exames poderiam e deveriam constituir episódios sazonais na vida de cada um, não propriamente agradáveis mas de certa maneira saudáveis como as vacinas. Exactamente o contrário do que deles fizeram algumas novas pedagogias – ou pedagogias mal entendidas – aliadas ao lusitano pendor para o “deixa andar”, rarificando até ao limite as chamadas “avaliações”, encarando-as pelo lado errado e fazendo delas o que nunca deveriam ser: momentos excepcionais, altamente “perigosos”, expostos aos acasos da sorte e aos insondáveis caprichos de uns quantos mestres à moda antiga.
Ora, como já disse, passei a vida a lidar com a situação (sobretudo a nível universitário) e não posso honestamente deixar de constatar que, quando regulares e próximos q.b., os actos de avaliação constituem um factor indispensável à interiorização dos saberes, à apropriação pessoal e útil do aprendido, ao convívio solitário com as questões e dificuldades que desenvolvem aptidões tão preciosas para a vida futura como a presença de espírito, a distribuição e aproveitamento metódico do tempo e das interrogações, a pertinácia, a endurance, a imaginação e, porque não?, a chamada “lata” que mais não é que uma imaginação exercida em estado absoluto de necessidade.
Gostei de, num apropósito afim deste, ler as palavras de Roberto Carneiro: “(a avaliação) obriga a que recuperemos a ética do esforço, do estudo, do método, da disciplina, da cooperação, do mérito, do trabalho persistente e humilde, do empreendedorismo e abertura ao risco”.

Mas, à revelia de todos os descrentes e desconfiados, podem crer que os ditos exames são por vezes pontos de encontro afáveis, se não bem-humorados, entre os professores e os seus alunos, em que dá para se tomar o pulso e a medida do que restou das respectivas interrelações académicas. Tais foram aqueles que eu recordo enquanto professora de Língua e História Pátria, no velhíssimo 2º ano de liceu em que, por exigências do programa, tinha que dar algumas luzes de “História de Portugal” a crianças de 11-12 anos. Foi assim que, a propósito da 1ª dinastia, me lembro de ter destacado a figura e o papel de duas Rainhas: Isabel de Aragão e Leonor Teles. No ponto seguinte (agora chama-se “teste”) perguntei: “Na primeira dinastia houve duas rainhas importantes. Diga quais foram e porquê”.
Obtive estas duas pérolas como resposta:
• a Rainha Isabel de Aragão foi muito importante e até foi Santa porque fez sair rosas da saia em vez de pão que levava para os pobres porque o Rei não queria que ela andasse com eles porque eram más companhias. A D. Leonor Teles não foi nada importante porque era muito má.
• a Rainha D. Leonor Teles foi muito importante por ter muito jeito para a política e porque, além de ser muito inteligente, também era aleivosa e barregã.

Ainda a respeito da mesma Figura, no exame oral de fim do 1º ciclo, perguntava a uma examinanda aflita: Então a menina não se lembra de uma Rainha, já no fim da 1ª dinastia, que foi muito falada... Nada! A menina não se lembrava. Uma Rainha que teve um papel muito importante na política... Silêncio. Então nunca ouviu falar da Rainha D. Leonor Teles? Aí o semblante da moça iluminou-se e, num sorriso feliz, exultou: Ah, uma que era fresca...!
Naquele Julho esbrazeado, naquela sala sufocante, o certeiro desplante daquela “avaliação” foi uma lufada de ar... fresco e verdadeiramente redentora.