quinta-feira, março 22, 2007

GENTES

Olof Palme com Antunes Ferreira

Olof Palme
e o tinto sem rótulo

Antunes Ferreira
Porto, 14 de Março de 1976. Comício do PS sob o lema «A Europa está connosco». Conheci Sven Olof Joachim Palme nessa altura. Era, então, chefe da Redacção do Diário de Notícias e, nas escassas horas vagas que conseguia ter, também desempenhava as mesmas funções no Portugal Socialista.

Desloquei-me à Cidade Invicta como militante e nessa última qualidade no então semanário do Partido Socialista. O comício foi um êxito. Mário Soares, muito por força do prestígio que já tinha antes do 25 de Abril, mas fundamentalmente para garantir um percurso democrático da Revolução dos Cravos, levou ao Pavilhão Rosa Mota uma plêiade de políticos, figuras de primeira água da Internacional Socialista e da Federação dos Sindicatos Livres.

Entre toda esta gente de grande dimensão, estava Olof Palme, então primeiro-ministro da Suécia e um social-democrata que se batia, por exemplo, contra a guerra do Vietename. Tentei falar com ele. Pedi ao meu bom Amigo Rui Mateus para interceder, o qual me disse que apenas lhe dizia quem eu era e mais não seria preciso. Palme, sem farroncas nem arrogâncias, concordou. Uns escassos minutinhos. Mas, disse-me que tinha gostado de me conhecer e, logo que possível…

Mas ainda houve tempo para me pedir que lhe indicasse um bom tinto português. Quer ele, quer sua mulher Lisbet eram apreciadores do néctar. Disse-lhe que para mim um dos melhores era o Dão Grão Vasco. Na altura, os alentejanos não tinham expressão. Mas acrescentei que na tal futura oportunidade iríamos beber um tinto sem rótulo que. Ficou, aparentemente, muito interessado.

Tempos depois, antes de voltar à chefia do Governo de Estocolmo, veio a Lisboa na qualidade de membro importante da Internacional Socialista. Dois dias antes, diz-me a Maria do Céu, excelente telefonista do DN e minha também excelente Amiga, que tinha em linha um Senhor Palma que não falava português. Palma? Passe.

Muito raro em políticos

Era o Palme, a comunicar-me a chegada. Fiquei parvo. Afinal, cumprira o prometido. Era tão raro que assim acontecesse, nomeadamente com figuras da política… Fui espera-lo ao aeroporto e fui com ele até ao Ritz onde se hospedava. E combinámos para a noite seguinte a prova da tal botelha sem dizeres mas com sabores.

Assim aconteceu. Uma, nada; algumas. E bem, pois quando voltámos ao hotel (minha mulher Raquel, o Olof – já assim nos tratávamos –e eu) no meu Honda 600, vínhamos bem atestados, ao contrário do boguinhas já no fim do depósito. Tive de o ajudar a chegar ao quarto. Qual de nós mais tropeção…

Dois dias depois, o Olof regressou ao seu país. No aeroporto disse-me que esperava voltar a ser chefe do Governo, mas que isso nada tinha que ver com o convite que me fazia para uma visita à Suécia. Naturalmente, agradeci e retorqui-lhe que não esperasse pela demora, que eu ia mesmo. Desavergonhado como sempre fui… Tu e a Raquel disse-me. E com umas garrafas daquele vinho…

Voltou ao poder em 82. Continuávamos a trocar telefonemas e a fazer planos. No Natal de 85, aquando das boas festas habituais, informou-me que, well Henrique, Raquel and you are my guests next 6th march. Lisbet wants to know you both. So, wait for my call, ok? Era a data marcada para o casamento do seu filho primogénito.

Mas, o homem põe e o destino, ou lá o que é, dispõe. No final da noite de 28 de Fevereiro de 86, já raiava a madrugada, estava de serviço no DN e o telex fatídico veio parar-me às mãos: Olof Palm assassinado. No centro de Estocolmo, à saída de um cinema, juntamente com Lisbet, mais precisamente na esquina da Sveavägen com a Tunnelgatan, um homem desfechou-lhe um revólver causando-lhe a morte imediata. Sua mulher ficou ferida, mas em gravidade.

Era o fim da linha da vida para o membro do SAP (Socialdemokratiska Arbetare Parti), militante anti-apartheid, lutador contra o colonialismo e democrata convicto. O passeio à noite com sua esposa dava bem a imagem de um democrata verdadeiro, que, sendo primeiro-ministro, andava pelas ruas, ia ao cinema e ao teatro e jantava em restaurantes populares – sem escolta.

A esquina da morte



Em 1987, um ano depois do seu assassinato nunca resolvido – foi o único chefe de Governo a quem tal aconteceu – fui a Estocolmo. E à esquina que mencionei. Flores no passeio assinalavam o exacto local onde o meu Amigo Olof caíra vítima das balas criminosas. Conheci, depois, Lisbet. A quem levei meia dúzia de garrafas sem rótulo. Naturalmente.

Nunca se conseguiu resolver este estranhíssimo mistério. O principal suspeito, um tal Christer Pettersson, já morreu. Esteve preso, mas a polícia sueca teve de o libertar por falta de provas conclusivas. Muito se falou de quem estaria por trás do braço matador. Barões da droga, máfias diversas, até a famigerada Loja P2 e, imagine-se, até a CIA.

Ficou-me a recordação de um homem simples, bom, amigo do seu amigo, lutador de causas difíceis, político, homem de Estado. Apreciador de anedotas e de vinho tinto. De preferência, sem rótulo e made em Portugal.

NR – Estava ontem a rebuscar em gaveta esconsa papeis diversos desordenados que os que me conhecem dizem ser o meu estilo – e é. No meio do desgoverno documental, encontrei umas fotografias. Esta era uma delas. Feita à pressa pelo Rui Mendonça, fotógrafo do PS e um bom camarada, além de completamente louco. Escura; escuríssima. Mas penso ser um documento histórico – para mim.

Daí o ter-me dado na veneta escrever o que atrás fica. Com uma imensa saudade, mas também com um agradecimento à vida por me ter permitido conhecer tanta gente, alguma dela boa, como é o caso. Se não me insultarem, voltarei a escrevinhar umas linhas sobre tais coisas. Boas e más.

7 comentários:

Anónimo disse...

Por acaso ou não, o Antunes Ferreira é um achado. Até achou, no meio da muitíssima papelada que deve ter uma forto do falecido Olof Palme com ele.

Penso que, tal como disse aquando do texto dele sobre a Índia, você deve ter muitas mais fotos com tais «bichos». Daí eu pensar que, se ainda não entrou nas páginas da História - vai entrar.

Uma nota, apenas: Indira, Rajiov, Palme, os três assassinados. Creio que nunca me deixarei entrevistar pelo Antunes Ferreira... Safa...

Anónimo disse...

Eu bem avisei que este senhor gajo tem muito para contar e muito «boneco» para mostrar. Eu trabalhei com ele, foi um dos melhores chefes de Redacção que tive em toda a minha vida profissional.

Não mandava prepotentemente, não gritava habitualmente, não arrotava postas de pescada. Impunha-se naturalmente, sem esforço, quase passando despercebido. O que, num gordo não é fácil...

Mas tem o bom feitio dos adiposos. E sabe dois milhões de anedotas que conta primorosamente. Sabe muito de jornalismo gráfico e escreve mais como um escritor do que como um jornalista que é.

Correu Seca e Meca, por mérito e iniciativa próprios. Dizia-se no DN que talvez já tivesse estado em cem países ou até mais. Disso deu conta em reportagens, entrevistas, crónicas, eu sei lá.

Até reportou o terramoto na Roménia em 1977 se não me engano. Esteve por lá mais de uma semana, viveu coisas espantosas e depois escreveu um livro editado pelo nosso antigo camarada no DN Avelãs Coelho.

Não me pagou para escrever isto - nem tal faria nunca, sei-o bem - como nunca recebeu um tostão de gente de fora do jornal. Ou seja, que eu saiba, nunca se vendeu.

E o gajo, apesar de todo este estendal, aposto que não sabe quem sou eu... Nem saberá.

Anónimo disse...

Este gajo só pensa em autopromuversse. Se calhar esta fóto até é montada basta vêr a parêde toda prêta. Deiche-se disso, homem! Não xateie mais a jente!

Anónimo disse...

Ainda bem que fostè à gaveta...continua!

Anónimo disse...

Concordo com o Raul e até o apoio. Bendita gaveta e bendita busca.

Anónimo disse...

Sr. Manuel A. Ventura

À sua lista de defuntos, adicione Jonas Savimbi. Foi entrevistado pelo Chefe Antunes Ferreira mais do que uma vez, porém, uma delas fui eu a feliz contemplada para a transcrever. Não me lembro de rir tanto. Num comício algures em Angola, sem grandes condições acústicas, Savimbi tentava fazer-se ouvir e gritou a plenos pulmões "...eu não vi para «cortar as pernas a ninguém»!"... qual não foi o seu espanto quando o recinto ficou deserto!
Os detalhes ficam para o chefe, porque os "bonecos" desta última entrevista ao Jonas tenho eu! Hihihi

Ó Antigo Camarada do DN... quanto ao chefe não gritar... tem que se lhe diga! Eu própria cheguei a atravessar a redacção puxada por uma orelha e com o Chefe a dizer-me: "Hirra! Você é mais burra do que permite a Santa Madre Igreja!"
Ass. A Mártir

Anónimo disse...

Madame Salinas,
visto que <...as "bonecos" desta última entrevista ao Jonas tenho eu! Hihihi`...> poque nao tentar envia-los para a dita gaveta?
Assim sempre teriamos direito a mais um textozito!