domingo, março 25, 2007




Tratado de Roma – meio século

Antunes Ferreira
É
hoje que se comemoram em Berlim (e por toda a União Europeia) os 50 anos do Tratado de Roma, que seis países assinaram: França, Alemanha, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo, criando assim no entender do comissário europeu Joaquín Almunia em artigo «as bases para o maior, mais inovador e generoso projecto de integração de Estados soberanos jamais empreendido na história da Humanidade».

No entanto, as comemorações não escondem que a Europa a 27 vive a maior crise deste último meio século. Resultante da reprovação – até quando? – da Constituição Europeia, documento imprescindível para o avanço da integração política. O tratado que a propunha, como se sabe, exigia a aprovação por todos os Estados-membros. A reprovação do documento nos referendos francês e holandês de Maio e Junho de 2005 foi a gota que fez transbordar o copo..

Note-se que a Declaração de Berlim (que a Travessa do Ferreira também publica de seguida) defende, como não podia deixar de ser, a UE. Aliás, Almunia também escreveu que «a Europa é mais do que nunca necessária. Porque unidos somos maiores e mais fortes. Porque só assim poderemos enfrentar os desafios que ultrapassam as fronteiras nacionais, e mesmo da UE, como as alterações climáticas, a dependência energética e a pressão dos fluxos migratórios. Encaremos, pois, o futuro com confiança, porque depois do muito que nos deu, a Europa ainda tem muito para nos dar».



Mas, uma coisa são as declarações mais simpáticas ou mais críticas, os enunciados de intenções, os desejos apetencialmente legítimos. Outra, bem diferente, são a realidade implacável, os desencantos perante a hipótese de falhanço, o receio do desmembramento. A União Europeia alcançou o euro. Muito bem. Mas precisa de ser mais do que um espaço económico e financeiro. Precisa de ser uma verdadeira União em todas as vertentes, nomeada e especialmente, a política.

A cimeira informal de chefes de Estado e de Governo dos 27 assinalou o cinquentenário do Tratado de Roma, acto fundador do que é hoje a União Europeia. As comemorações que decorreram em Berlim, por a Alemanha ocupar actualmente a presidência da UE, tiveram o seu início com uma interpretação da quinta sinfonia de Beethoven pela Berliner Philharmoniker, regida pelo maestro titular, o britânico Simon Rattle, a que se seguiu um banquete oferecido pelo presidente germânico, Horst Koehler.

O ponto alto das cerimónias foi a assinatura, por todos os Estados-membros, da já mencionada Declaração de Berlim, que faz historial do processo de integração europeia, traçando os rumos a seguir e os novos desafios que se colocam a uma Europa bem maior do que a dos seis estados que fundaram, em 1957, a então CEE, a Comunidade Económica Europeia. A capital da RFA está carregada de simbolismo, porquanto foi emblema de uma cidade dividida e, depois, passou a representar a reunificação da Alemanha, após a queda do muro de Berlim, em 1989.

Europeísta convicto, creio que as indecisões e a correspondente paralisação da vertente política terão de ser ultrapassadas com a celeridade possível. Não se podem adiar para as calendas coisas que são essenciais para o projecto europeu. Se não formos todos, Cidadãos da Europa, mal se coloca o futuro deste ciclópico projecto. Vae victis.

Os Homens conhecem-se e reconhecem-se sobretudo nos momentos difíceis, perante as adversidades, na frente dos aparentes pelotões de execução. Para que estes não passem de encenação de uma farsa é preciso que todos prossigamos sem grandes desfalecimentos esta caminhada que tem de ser ganha passo a passo, etapa a etapa. Porem, sem demoras desrazoáveis.
Jean Monet e Robert Schuman
O que já se fez neste meio século é muito e era impensável para Jean Monet e Robert Schuman, chamados e muito justamente os pais da Europa. Mas, não podemos, nunca podemos, viver do passado, muito menos no passado. Este teve a importância que nós lhe atribuímos – mas ir para alem disso é uma atitude impensável.

Respeitemos, portanto, os que nos antecederam, os que deram forma à actual UE, os que avançaram na moeda única, na livre circulação de cidadãos e mercadorias, na abolição concomitante das fronteiras. Outrossim, olhando para o futuro, temos de continuar a construir uma Europa cada vez mais unida, integrada e solidária. Vamos a isso.



A queda do Muro de Berlim


Declaração de Berlim

"A Europa foi durante séculos uma ideia, uma esperança de paz e de entendimento. A esperança tornou-se realidade. A unificação europeia trouxe-nos paz e bem-estar. Criou um sentimento de comunhão e venceu divergências. Foi com o contributo de cada um dos seus membros que a Europa se unificou e que a democracia e o Estado de direito foram reforçados. Se a divisão contra naturam da Europa está hoje definitivamente superada, é graças ao amor que os povos da Europa Central e Oriental nutrem pela liberdade. A unificação europeia é prova de que tirámos ensinamentos de um passado de conflitos sangrentos e de uma História marcada pelo sofrimento. Vivemos hoje numa comunhão que nunca antes se havia revelado possível.

Nós, cidadãs e cidadãos da União Europeia, estamos unidos para o nosso bem.

Na União Europeia, tornamos realidade os nossos ideais comuns: no cerne está, para nós, a pessoa humana. A sua dignidade é inviolável. Os seus direitos são inalienáveis, Homens e mulheres são iguais em direitos.

Aspiramos à paz e à liberdade, à democracia e ao primado do Direito, ao respeito mútuo e à responsabilidade, ao bem-estar e à segurança, à tolerância e à partilha, à justiça e à solidariedade.

É ímpar a forma como juntos vivemos e trabalhamos na União Europeia. Disso é expressão a colaboração democrática entre Estados-Membros e instituições europeias. A União Europeia assenta na igualdade de direitos e na colaboração solidária. Assim se torna possível a preservação de um justo equilíbrio entre os interesses dos Estados-Membros.

Defendemos na União Europeia a autonomia e as diversificadas tradições dos seus membros. As fronteiras abertas e a tão viva diversidade das línguas, das culturas e das regiões são para nós fonte de enriquecimento. Só em conjunto, e não isoladamente, poderemos alcançar muitos dos objectivos que nos propomos. A União Europeia, os Estados-Membros e as regiões e autarquias partilham entre si as diferentes actividades a empreender.

II

Enfrentamos grandes desafios que não conhecem fronteiras nacionais, e a União Europeia é a resposta que temos para lhes dar. Só em conjunto poderemos preservar para o futuro o nosso ideal europeu de sociedade, a bem de todas as cidadãs e cidadãos da União Europeia. Neste modelo europeu conjugam-se sucesso económico e responsabilidade social. O mercado comum e o euro dão-nos força. Deste modo, podemos moldar de acordo com os nossos valores a crescente interpenetração das economias no Mundo e a concorrência cada vez mais intensa que caracteriza os mercados internacionais. A riqueza da Europa reside nos conhecimentos e saberes das suas gentes; é essa a chave para o crescimento, o emprego e a coesão social.

Juntos lutaremos contra o terrorismo e a criminalidade organizada, sem deixarmos de defender a liberdade e os direitos cívicos na luta que travamos contra aqueles que os querem aniquilar. O racismo e a xenofobia jamais poderão voltar a ter uma oportunidade.

Pugnamos por que os conflitos que afligem o Mundo sejam resolvidos pacificamente e por que as pessoas deixem de ser vitimas da guerra, do terrorismo e da violência. É intenção da União Europeia promover a liberdade e o desenvolvimento no Mundo, vencer a pobreza, a fome e a doença. Queremos continuar a assumir um papel de liderança em prol destes objectivos.

Queremos avançar juntos na política energética e na defesa do clima e prestar o nosso contributo para afastar a ameaça global das alterações climáticas.

III

A União Europeia continuará a viver da sua abertura e da vontade dos membros que a integram para, simultaneamente e em conjunto, consolidarem o desenvolvimento interno da União. A União Europeia continuará também a promover a democracia, a estabilidade e o bem-estar para além das suas fronteiras.

A unificação da Europa veio dar vida a um sonho de gerações passadas. Manda a nossa História que preservemos tal fortuna para as gerações vindouras. Devemos para isso moldar, a cada passo e ao ritmo dos tempos, a configuração política da Europa. Por isso nos une hoje, cinquenta anos passados sobre a assinatura dos Tratados de Roma, o objectivo de, até às eleições para o Parlamento Europeu de 2009, dotar a União Europeia de uma base comum e renovada.

Porquanto temos a certeza: a Europa é o nosso futuro comum".



2 comentários:

Anónimo disse...

São estas coisas que nos fazem dizer que um jornalista - especialmente um muito bom, como é o caso - nunca deixa de o ser. É como andar de bicicleta: nunca se esquece. É como o vinho do Porto: quantos mais anos, melhor. E é como o vestido (ou a pescada): antes de o ser, já o era.

Hoje é o cinquentenário da Europa (des)unida. Hoje, pela madrugada, eu vi que o AF também já lá estava, em cima do acontecimento.

Continuo leitor fiel do blog e, sobretudo, do excelente Antunes Ferreira. Diga lá, ó Mestre: quando pára de escrever bem? Nem no outro Mundo - se o houver...

Anónimo disse...

Enfim. Saiba o Antunes Ferreira que a Travessa do Ferreira já chega às páginas dos jornais impressos. Hoje mesmo, no 2.º caderno do Público vem uma transcrição do blog que está a caminho de ser uma celebridade. Vá ver. Esteja atento. Bem merece a referência.

Claro que gostei muito do seu trabalho sobre a Europa. Tal como diz o seu «misterioso» camarada no DN, e passo a citar «São estas coisas que nos fazem dizer que um jornalista - especialmente um muito bom, como é o caso - nunca deixa de o ser(...)» Também pasmo como você esteve mesmo em cima do acontecimento. É obra! Muitos parabens!