domingo, dezembro 17, 2006


Da Ilusão


Ricardo Belo de Morais
Numa mesma semana, dois amigos de proveniências absolutamente não relacionadas entre si queixaram-se do mesmo: desilusões. O mais elaborado referia-se a várias esferas possíveis, da sentimental à profissional. Essencialmente porque, como tantos(as), ao entusiasmar-se facilmente com tudo o que é novo, com tudo o que é começar, se assume na ingrata posição de vítima mais-que-potencial da desilusão.

Sabe, por isso, que conforme vamos crescendo (ou envelhecendo), todos temos dois caminhos fundamentais a seguir. Iludirmo-nos cada vez mais (candidatando-nos, com isso, aos mais variados sofrimentos) ou desiludirmo-nos cada vez menos... justamente porque optámos, conscientemente, por fugir cada vez mais da ilusão.

O tema está longe de ser novo e pacífico. Se é certo que quanto menos nos iludirmos, menos risco corremos de sofrer a dita desilusão; também é bem certo que a única forma de evitar “mossas” passa por nos fecharmos, de forma cada vez mais estanque, nas nossas defesas. Ora, não é menos verdade que de cada vez que nos fechamos, nos tornamos mais frios, mais ausentes e menos abertos a tudo o que de bom o mundo e as pessoas têm para nos dar.

Por ser um tema recorrente nas minhas decisões de vida, sentir dois amigos às voltas com a questão fez-me recordar as palavras de John Donne, o afamado clérigo e poeta britânico do Séc. XVII. Famoso pelas suas meditações ligadas à condição humana e recheadas de poderosas metáforas, a mais conhecida será, porventura, esta: «A Humanidade tem apenas um autor e está contida num só volume. Quando um homem morre, isso não faz com que um capítulo seja arrancado do livro, ele é apenas reescrito numa linguagem melhor. […] Nenhum homem é uma ilha, inteira e isolada em si mesma. A morte de qualquer homem diminui-me, porquanto estou envolvido na Humanidade. Por isso, nunca mandeis(mandes) saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por vós/ti.»

Perder algo ou alguém que nos enche a vida e o coração (ou que pareça, pelo menos, conter essa promessa) é um rude golpe. Para os optimistas, apesar dos ciclos de vida que se fecham, das pessoas que simplesmente se afastam e do tempo que (quase) sempre se esgota, parte da Condição Humana passa por acreditar que tudo e todos se (nos) renovam. Se quiserem, a aplicação, às relações humanas, do velho adágio que fala da abertura de uma janela, quando as portas se fecham.

Para os realistas e os pessimistas (muitas vezes injustamente metidos no mesmo saco), tudo isto é válido. Oscilando entre uma condição e a outra, eu próprio admito que cortar os vasos comunicantes com o mundo e a espécie humana nos faz correr o risco de perder a felicidade, ainda que transitória – ou ilusória.

E é aqui que entra a frase do meu segundo amigo a braços com uma tristeza, na semana que passou, ao dizer que «há desilusões óbvias e esperadas.» Que são a maioria, acrescento eu. E que a lucidez detecta (quase) de imediato, se deixarmos de lado os sentimentos que nos toldam a capacidade de julgar e avaliar.

Algures no meio do Tempo, situável no final do século passado, a Humanidade que John Donne analisava mudou, talvez para sempre. Tornou-se egoísta, hedonista, umbiguista, volátil, fútil e predadora. Neste cenário, os sonhadores e românticos (onde modestamente me incluo, embora nos últimos anos não pareça) estão “condenados” ao último reduto de si mesmos. Se tiverem sorte, contando ainda com a esfera de afectos que sobreviveram de uma vida antiga - ou anterior - de relacionamentos sociais e familiares.

No mais, nos dias que correm, quem ainda abre a guarda e as expectativas a ponto de deixar-se iludir, no romance como no trabalho, merece a desilusão. E sofrê-la não é (ou não tem de ser) um castigo, mas sim uma lição de vida. De resto, por falar em vida, ninguém nos disse que ela seria fácil.

E acredito, ainda, que não há esse “mal do isolamento”, de nos transformarmos em fortalezas blindadas, de defesas em riste, à cautela. Até porque nem mesmo a arquitectura militar dispensa os portões ou as frinchas das vigias, por mais pequenas que sejam.




NR - O Ricardo Belo de Morais é, alem de gajo porreiro, um bom Amigo. O que é cada vez mais difícil de encontrar dado que a colheita foi mesmo muitíssimo limitada e a cepa está em vias de extinção - o que, lamentavelmente, viria a acontecer aos dinossaurios, exceptuando, óbvio, os do Senhor Spielberg.

Isto de bom Amigo tem que se lhe diga. Copular estes dois termos, se bem que um substantivo, o outro adjectivo, ou melhor, vice-versa, é tarefa que um qualquer Hércules não desdenharia completar. Os Árabes disseram e o rifão ficou nos anais: «Um Amigo foi por nós escolhido; a família calhou-nos. Allah Ackbar».

Ponto final, parágrafo. Na outra linha. Com mais muçulmanos ou menos muçulprimos, o RBM é mesmo um bom Amigo e o resto são cantigas, as quais o vento leva. No caso vertente - não. Não porque o jovem escrevinhador - para o que lhe havia de dar... - está fundeado solidamente na Amizade e na Solidariedade, já não na Cova da Piedade. E porque não?

A partir de agora (e ao fim de requerimentos e solicitações que recuam ao Paleolítico), com mais ou menos filosofanço à mistura,tem porto de acolhimento permanente aqui na Travessadoferreira. Assim ele queira vir do mar e aqui fundear. Ricardo, nunca te esqueças: há mar e mar, há ir e tirar bilhete de ida e volta.
A.F.

2 comentários:

Anónimo disse...

O artigo parece bem escrito - mas é dificil compreendê-lo. O Senhor Belo de Morais deverá escrever mais simples, para a gente o entendermos. Pessoal como eu que só temos a antiga quarta classe da primária que hoje nem sei o que é.

Sou sincera e às vezes tenho-me lixado com isso. Aproveito para desejar Bom Natal e Ano Novo cheio de posperidades

Anónimo disse...

Não o conheço Ricardo Belo de Morais, mas permitome aconselhá-lo a não ser tão pessimista. Boas Festas