quinta-feira, janeiro 10, 2008

À ESQUINA DE HOJE

Computas & computas

Antunes Ferreira
Juvenal diz que os seus cinco netos são todos dados às informáticas. Nos almoços familiares lá na casa, que decorrem desde há uma caterva de anos – há mesmo quem diga que assim acontecia logo no Paleolítico Inferior - com uma regularidade impassível, muitas vezes se tem discutido, naturalmente com bons modos, que a família é civilizada e cívica, a questão.



Dona Deolinda, mãe extremosa, mesmo um tanto galinha, tem uma opinião que brande como se fosse o Rolando a combater com a Durandal na mão destra. As crianças, quando nascem, já vêm dotadas de um chip, daí que saibam tanto de computadores, telemóveis, game boys, ipods, internetes e coisas dessas. Para eles é tudo natural. Na generalidade, regista-se um apoio quase sem reticências à digna Senhora. Já na especialidade o caso fia mais fino.

Seja permitido ao escriba uma nota complementar, dir-se-ia mesmo uma adenda. Abra-se, portanto, aqui e agora um parêntese que oportunamente se fechará. Isto porque, sabendo-se que há pessoal com dotes culturais acentuados, alguns perto, mesmo, dos enciclopedistas, que o Senhor Rousseau não leia esta heresia, muito do Povo comporta-se ainda como arraia-miúda que foi e ainda é.

Ora muito bem. Trata-se da espada antes mencionada. Perguntarão – mas que espada? A Durandal. Ora essa, tínhamos passado por cima disso, ao jeito corrido da leitura despretensiosa e vem agora este com erudicites agudas. Homem, tenha maneiras. O autor, ciente da razão que lhe assiste, bem como de algumas carências a esse nível, apesar das Novas Oportunidades, dá por bom prosseguir na senda do esclarecimento adicional.

Anda por aí muita discussão sobre a iliteracia dos Portugueses, ou, pelo menos, de uma boa parte deles. Saber ler é importante; mas entender o que se lê é ainda mais, diz quem sabe destas coisas a que, por vezes, uns quantos energúmenos chamam frioleiras. Não se afaste, porem, o escrevinhador, do rumo que traçou, ainda que deva ser breve e conciso, para voltar aos informáticos.

Conta a Chanson de Roland que, na sequência da tentativa de invasão pelo exército de Carlos de França à Espanha, então muçulmana, que se iniciara no ano de 778, e face à revolta dos saxões em terras francas, o rei decidiu retirar para apagar esse fogo que ameaçava consumir-lhe internamente o reino. Deixou, porem, para trás, o seu sobrinho, o grande cavaleiro Rolando, comandando um grupo especial, para defender a retaguarda.

Nos Pirinéus, as passagens eram e são estreitas. Rolando recua cuidadosamente. Mas, em Roncesvalles acontece o inesperado. Os mouros que aproveitavam o momento para uma contra-ofensiva, foram substituídos pelos bascos, os quais, aos milhares, depois de emboscada terrível, e já acompanhados pelos sarracenos, deram cabo da tropa de Rolando, segundo a Canção o último a morrer.

Coisa estranha essa aliança de cristãos, os bascos, com infiéis, os mouros. Mas que foi, foi. De tal sorte que, na arrevesada língua da região, o nome por que ficou conhecida a Batalha de Roncesvalles foi Orreaga’ko Gatazca. Vá lá compreender-se essa gente, dona de um idioma quase tão complicado como o húngaro ou o finlandês. Feitios.

Terminando. Vendo-se perdido e com a morte já bem chegada a ele, Rolando não quis que a sua fiel espada Durandal caísse em mãos inimigas. Num último esforço, tentou quebrar-lhe a lâmina contra a rocha do local. Mas ela não se partiu. Reza outra versão da lenda que o cavaleiro chamou então em sua ajuda o Arcanjo São Miguel, ao mesmo tempo que ainda conseguiu arremessar para o vale a Durandal que tantas glórias lhe tinha propiciado.

No entanto, a malfadada arma, pior do que um fórmula um ainda que com espionagem industrial, atravessou miraculosamente centenas e centenas de quilómetros, indo finalmente fixar-se no rochedo de Nossa Senhora de Rocamadour, onde ainda hoje pode ser admirada. Si non e vero, e bene trovato. Fecha-se, como há sete parágrafos se prometera, o parêntese. Só agora?

Por conseguinte, os infantes hodiernos – bonita expressão, não acham? – já saem da linha de fabrico dotados de chip especial. Daí a aptidão natural para esses temas que metem (ou metiam, corre tudo tão depressa) circuitos integrados e correlativos, deixando a anos-luz de distância um qualquer pobre e infeliz Silicone Valley.

Dando de barato que assim é, e concordando, assim, com a Dona Deolinda Carvalho Marques e Mendes, e, acentua-se, não admira a ninguém que esta seja uma geração cibernético-informático-internética. Ou pior. Tente-se pedir a um bebé que começa a balbuciar os primeiros sons vocálicos que diga otorrinolaringologista e ver-se-á a reacção da amantíssima progenitora da criancinha.

Perfeito. (Para alem de andar com o leão ao peito). Estamos, por conseguinte, perante o Homo Interneticus, ou Homo Senhorbillgaticus. Já havia muitas outras categorias de Homo ao longo do percurso histórico. Desde já, uma advertência: isto, por mor do H nada tem a ver com afirmações publicitárias, por mais detergente que a questão seja.

Vejam-se, na decorrência dos homínios, quando começaram a descer das árvores, (muitos ainda parecem lá estar) o Homo Habilis, o Homo Erectus, o Homo de Neandertal, o Homo Sapiens, o Homo Sapiens Sapiens. Longa lista que ultrapassa os tempos, calcorreia os séculos, dá água pelas barbas aos calendários, relógios & afins.

Sendo assim hoje em dia, o que está a dar – ou, pelo menos, parece que – é o engenheiro informático. Há uns decénios era mais o advogado, o médico, o arquitecto, paulatinamente ultrapassados pelo economista. Logo seguido pelo financeiro e pelo auditor, tudo carreiras de êxitos, ainda que o desemprego em Portugal venha aumentando. São assim as coisas.

Um irmão do Juvenal, que é técnico de contas, tem uma técnica muito especial de contar contos. Histórias, quer-se dizer, que os outros já passaram à História. Ou, melhor, estórias. Juvenal Pinto Mendes, no caso sem e, que o referido e último apelido é dele, herdado do Pai que Deus tenha, tem barrigadas de riso com as anedotas do mano Cristóvão.

Dê-se, portanto, a palavra a este Mendes que numa dessas reuniões familiares avançou. Com a importância da Informática, surgem a todo o momento situações nas quais convém atentar. Muito se fala de computas, de modems, de baterias de note bukes, dessas coisas todas. Um exemplo era o engenheiro Malaquias.

Galguista, por vezes a roçar a impertinência, o chefe dizia a má educação, mas competente, ainda que um tanto desactualizado. Numa tarde de Inverno, chuvosa e fria, lá no escritório, a engenheira informática Gabriela Sarda, sua colega na empresa Ratosofte, estava a ajudá-lo a configurar o computador e perguntou-lhe que password ele queria utilizar. Malaquias Matias, tentando atrapalhá-la, disse: - Pénis.

Ela, sem dizer uma palavra, muito menos rir-se ou rir ou dar parte de fraca,introduziu a palavra-chave no computador. Desde então, corre à boca pequena na companhia que nunca ninguém vira – e nunca mais tornaria a ver – o Malaquias tão envergonhado. Os risos foram tantos que até o Presidente do Conselho de Administração saíra do seu gabinete para apreciar o que estaria na origem daquela girândola de gargalhadas. Aliás, a Gabriela foi a primeira a não conseguiu resistir e quase que morria de riso quando a máquina deu a resposta: "PASSWORD REJEITADA: NÃO TEM TAMANHO SUFICIENTE".

(Com a amável colaboração da Filomena Caetano, a quem agradeço ser tão boa Amiga e me ter enviado a mensagem que está na origem deste escrito).

Sem comentários: