segunda-feira, setembro 03, 2007

A língua - uma afirmação de poder
- defende Seixas da Costa

*Em entrevista ao Diário Económico o embaixador de Portugal no Brasil
diz que precisamos de mais organização para pôr o País a funcionar


Na edição da passada sexta-feira, 31, o Diário Económico publicou uma entrevista com o embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa. Nela, chamou a atenção para o valor da língua portuguesa como elemento estratégico no plano internacional. Para o diplomata, a imagem de Portugal no Brasil tem vindo a mudar. "Imagine-se a surpresa dos brasileiros quando surgiu a ideia de que a TAP poderia comprar a Varig...", afirmou.
Já aqui o escrevi: Francisco Seixas da Costa é um bom Amigo. Mas isso não quer dizer que, fosse ele diplomata menos bom ou, mesmo, assim-assim, não o dissesse. Tenho perdido muito e muitas vezes por ser frontal. E tento ser objectivo – o que, por vezes, é complicado. Por isso, reafirmo: para mim Seixas da Costa é o melhor embaixador português actualmente. Por isso, e com a devida vénia ao Diário Económico, aqui transcrevo a entrevista, para que conste.
A.F.


DE - Sempre quis ser diplomata?
Francisco Seixas da Costa -Não. Foi uma mera casualidade. Estava no serviço militar como miliciano. Era adjunto da Junta de Salvação Nacional, na Cova da Moura. Um dia num café da Av. Infante Santo encontrei um diplomata que me disse que havia um concurso para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Concorri. Era funcionário da Caixa Geral de Depósitos, quando terminasse o serviço militar regressaria. Achava graça às questões internacionais, mas concorri por acaso.

DE - E ficou.
FSC - Fiquei. Éramos umas largas centenas para cerca de vinte lugares. Fez-me prova oral o então assistente de Económicas Aníbal Cavaco Silva e fui aprovado.

DE - Nunca se arrependeu?
FSC - Não. Fui gostando mais à medida que evolui na profissão. Contrariamente ao aspecto glamouroso da diplomacia, há situações de vida e percursos diferenciados que criam uma certa tensão, o que pode ter consequências na abordagem da carreira, no entusiasmo com que se olha para o futuro. No meu caso, os desafios complicados acabaram por ser estímulos.

DE - Ser diplomata é também ser político?
Em certa medida é. Os diplomatas têm de representar no exterior a política do Estado e acabamos por nos aproximar de uma afirmação política no sentido mais nobre do termo, que é o da defesa do interesse nacional.

DE - E ser político é ser diplomata?
FSC - Alguns políticos têm vocação para a acção diplomática, mas a política não é a melhor escola para a diplomacia.

DE - Sente-se a encarnar as duas peles?
FSC - Tive um período de tentação pela política. Julgo que o cumpri da forma mais profissional e entusiasmada possível. O ciclo fechou-se.

DE - Fecha a porta a uma nova experiência?
FSC - Não a tenho no horizonte. Estou a poucos anos do final da minha carreira diplomática. A partir dos 65 anos não podemos continuar no exterior. Espero ter a oportunidade de até lá me realizar na profissão.

DE - Não gosta da linguagem ‘sanitizada’ da diplomacia tradicional. O que é um diplomata menos tradicional?
FSC - Talvez a circunstância de ter passado algum tempo na política me tenha aculturado a uma forma de expressão pública um pouco atípica. Sinto, por vezes, uma tentação para a franqueza que é superior ao que procura seguir a generalidade dos que utilizam o discurso diplomático. Até hoje ainda não vi grandes desvantagens nisso.

DE - Um ‘não’ de um diplomata é diferente dos outros ‘não’?
FSC - Há um pouco a ideia de que aquilo que um diplomata diz não significa aquilo que quer dizer. Isso está ligado a uma precaução e a um cuidado da diplomacia com a linguagem. No entanto, o principal elemento que caracteriza o sucesso da vida diplomática é a credibilidade. Quando se diz um ‘não’ é preciso que os outros acreditem que é efectivamente um ‘não’. Na relação entre Estados, é preciso que quem nos ouve saiba claramente o que queremos dizer. Por exemplo, uma deadline, ‘não podemos aceitar isto’… Temos de ter a certeza de que quem o diz está a reflectir a posição do Estado que representa.

DE - Pela sua experiência internacional, o ‘não’ de um português é diferente de outros ‘não’?
FSC - A minha experiência diz-me que os diplomatas portugueses têm um comportamento mais ou menos idêntico aos seus colegas. Vivem num mundo em que a maneira de dizer as coisas varia mais do que acontece nas diplomacias de países mais organizados. Procuram ter uma margem de afirmação que, por vezes, apresenta diferentes sensibilidades. O diplomata português tem hoje uma liberdade que pode conflituar com a passagem de uma mensagem unívoca.

Não há no MNE uma cultura organizacional

DE - Porque é que isso acontece?
FSC - Porque, infelizmente, há muito tempo, não há no MNE uma cultura organizacional que traduza uma forma disciplinada de funcionamento dos diplomatas portugueses. Assumo isto com total frontalidade. Eu próprio também funciono nesse registo porque é inescapável. Vivemos uma excessiva liberdade no modo como o diplomata português interpreta a afirmação da política externa portuguesa. O que permite alguma criatividade menos consentânea com o que o rigor imporia.

DE - Isso tem a ver com alguma instabilidade política?
FSC - Tem a ver sobretudo com a perda de alguma cultura organizacional interna.

DE - Alguma vez existiu?
FSC - Existiu em alguns momentos. Se calhar, foi a própria liberdade que o 25 de Abril trouxe que acabou por tornar menos densa essa matriz de afirmação comum dentro do Ministério. Até agora, não tem prejudicado verdadeiramente a política externa portuguesa, permitindo alguma criatividade, mas entre aquilo que um diplomata português diz e aquilo que um diplomata de países mais organizados reflecte vai uma grande diferença. Há uma latitude de afirmação que, por vezes, pode confundir o interlocutor estrangeiro.

DE - De Nova Iorque para Brasília foi um salto inesperado?
FSC - Foi via Viena [na OSCE]. O salto não foi, obviamente, programado. Pensava poder continuar por mais algum tempo a função que estava a exercer e que me parecia não estar a correr mal…

DE - Como foi recebido no Brasil?
FSC - Os embaixadores portugueses são sempre bem recebidos em Brasília.

DE - Portugal continua a exportar produtos tradicionais: azeite, bacalhau e vinho são as principais exportações. Que podemos exportar mais?
FSC - Um dos grandes problemas com que um diplomata se confronta é saber, à partida, qual é a oferta portuguesa, o que é que tem para colocar no mercado exterior. Nos últimos 30 anos, a exportação portuguesa concentrou-se nos países da UE. Tem havido falta de imaginação e uma procura de mercados mais confortáveis. No Brasil, estamos a crescer a níveis de 30% ao ano, mas partimos de uma base ridícula. O comércio português com o Brasil nos anos 70 estava zerado, como dizem os brasileiros. Determinados produtos como o calçado ou os têxteis, que faziam parte da produção tradicional portuguesa e que hoje estão em contra ciclo com a pressão da globalização, não têm espaço no Brasil. Neste momento, talvez seguindo o velho conselho de Porter, Portugal está a fazer melhor aquilo que já fazia bem. O vinho e o azeite significam alguma coisa, mas não têm reflexo significativo na balança comercial. Qualquer maquinaria dá logo um salto quantitativo. Por mais que possamos subir no vinho, e não podemos subir muito mais (somos o primeiro exportador europeu e o terceiro mundial), por mais que possamos crescer no azeite (72% do que se consome no Brasil é português), por mais que possamos crescer no bacalhau, nada disso terá consequências significativas no comércio bilateral. Temos de encontrar outros nichos de mercado, nomeadamente equipamentos com valor acrescentado, e precisamos de mais empresas a trabalhar para o Brasil.

DE - Que conselho dá a um português que queira investir no Brasil?
FSC - Que se informe bem relativamente à cultura administrativa e de trabalho brasileira. Tenho receio de que muitas pequenas e médias empresas portuguesas seduzidas por um contacto acabem por ter algumas desilusões. Estou a tentar encontrar uma maneira de garantir algum apoio, em termos de massa crítica informativa. O ICEP está a caminho de criar esses elementos de informação. Tenho um projecto de uma parceria entre as grandes associações empresariais portuguesas e as câmaras de comércio portuguesas no Brasil para se dar uma ‘almofada’ informativa de apoio ao trabalho dos empresários portugueses.

DE - Teve eco essa ideia?
FSC - Ecos relativos. Ainda não consegui montar essa operação, mas espero consegui-la.

Relações bilaterais mudaram

DE - Que mudou nas relações bilaterais nestes dois anos?
FSC - Seria pretensioso se dissesse que mudou muita coisa. Houve uma adaptação e melhor conhecimento dos titulares políticos dos dois países. O Governo português tem cerca de dois anos. No Brasil houve alguma tensão política no último ano e meio. Há agora um melhor conhecimento entre o Presidente Lula e o primeiro-ministro José Sócrates, que está a aplainar as relações de uma forma única nos últimos anos. Desapareceram pequenos conflitos de natureza técnica e comercial, no azeite, no vinho do Porto… Há um descrispar da situação dos brasileiros que vivem em Portugal, mesmo que o problema não tenha desaparecido e, eventualmente, até se tenha agravado. Vivem-se momentos de maior realismo.

DE - Houve uma nova vaga de imigrantes clandestinos
FSC - Em 2003 havia 30 mil brasileiros inscritos na Casa do Brasil, dos quais 20 mil quiseram legalizar-se e 10 mil não se apresentaram para o efeito, eventualmente regressaram ou mudaram de país. Hoje, as estimativas apontam para 70 mil brasileiros ilegais em Portugal. Isto significa que tivemos nos últimos quatro anos um surto ilegal de presença brasileira altamente significativo. O facto deste caso não ter assumido proporções públicas dramáticas diz bem da sensibilidade do Governo português no tratamento desta questão.

DE - A imagem do português no Brasil alterou-se ou ainda se confunde com o homem da padaria?
FSC - A imagem do português e de Portugal no Brasil tem vindo a mudar não só com uma presença diferente de empresários portugueses, mas também com a circunstância de haver muitos brasileiros em Portugal que levam para o Brasil a imagem do Portugal contemporâneo.

DE - Dessa imagem que ressalta mais?
FSC - A surpresa. Aquilo que mais surpreendeu os brasileiros, desde que cheguei, foi a percepção de que a TAP podia comprar a Varig.

DE - Mesmo que a TAP seja liderada por um brasileiro…
FSC - Esse é o elemento compensatório brasileiro!

DE - Porque é que o negócio não se fez?
FSC - Houve um grande realismo da TAP face à complexidade do sistema Varig. Tem uma dinâmica organizativa muito complexa e que acabou por se balcanizar em várias empresas. A TAP comprou uma delas, que aparentemente está a ter sucesso.

Um bom relacionamento

DE - Há equívocos que permanecem no relacionamento bilateral?
FSC - Há um bom relacionamento. O Brasil sabe que Portugal é na Europa um defensor dos seus interesses garantido e automático. Sabe, no entanto, que Portugal tem o peso que tem no contexto europeu e mundial. Temos de cuidar de um aspecto que talvez possa beliscar a prazo o relacionamento com o Brasil. Está a desaparecer a última geração que tinha uma afectividade natural com Portugal. Hoje há menor ligação à diplomacia da retórica… Até a nova classe política brasileira, que não passou por Portugal ou pela Europa, que não esteve aqui exilada, tem hoje referências e formas de olhar para Portugal diferentes. Há ainda um olhar negativo para o antigo colonialismo, o que é normal nos países que foram colónias, mas talvez não o seja num país emergente como potência mundial. É preciso cuidarmos da afectividade. Como dizia o Alberto Costa e Silva, que está encarregue das comemorações dos 200 anos da chegada de D. João VI ao Brasil e foi embaixador em Lisboa, a afectividade foi o que nos permitiu manter vivas e alerta as nossas relações nos momentos em que nada se passava ou em que a conflitualidade emergia. Aprendi a apreciar esse aspecto positivo da afectividade natural, mas que tem de se trabalhar e aculturar.

DE - Além da retórica, a língua une-nos tanto como poderia? A cultura portuguesa continua a ter dificuldades de penetração no Brasil. É um problema económico ou dificuldade de comunicação?
FSC - Há um problema estratégico sobre a língua portuguesa no mundo que temos de discutir. Temos de perder o sentido patrimonialista da língua. Se o português tem futuro esse futuro está no modo maioritário como ela é falada. E esse é o modo brasileiro de falar português. É preciso que se comece a dizer isto de uma forma clara. Temos hoje quatro grandes línguas internacionais de afirmação cultural: o inglês, o francês, o espanhol e o português. O resto são línguas que podem ter uma grande dimensão de falantes ou um grande peso económico (como sejam o chinês, o russo ou o alemão), mas não têm uma grande dimensão de natureza cultural. Devemos olhar para o português como elemento de natureza estratégica no plano internacional. Brasil e Portugal têm de o encarar como elemento constitutivo da sua afirmação de poder no mundo.

DS - Que se passa com a aplicação do acordo ortográfico no Brasil?
FSC - Vai entrar em vigor talvez mais rapidamente do que em Portugal. O debate é muito activo no Brasil. Por maior que seja a vontade política de caminharmos em conjunto na grafia das palavras, o que não tem a ver com a maneira de falar que será sempre diferente, o acordo tem impactos de natureza editorial muito significativos, que não podem ser descurados. Em Portugal as alterações de grafia serão maiores do que no Brasil. É preciso um tempo de adaptação, que varia de país para país. É muito mais fácil em São Tomé porque as obras aí editadas são muito limitadas…

Escritores e músicos com visibilidade

DE - Que escritores e músicos portugueses têm visibilidade no Brasil?

FSC - A Mariza e a Teresa Salgueiro são as cantoras mais conhecidas. Apesar de ter apresentado música portuguesa em programas de rádio brasileiros ainda não consegui impor Sérgio Godinho, Jorge Palma, Fausto… Confesso o meu insucesso até agora. Mas fico muito contente a ver outros avançar. Há bastantes escritores portugueses nos escaparates brasileiros: Saramago, Inês Pedrosa, Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto, Miguel Sousa Tavares, Domingos Amaral, José Rodrigues dos Santos… Numa livraria de Porto Alegre contei 38 escritores portugueses nas prateleiras, o que é muito bom. Há um espaço de crescimento e uma grande apetência pela escrita portuguesa. Na música é mais desigual. A grande qualidade da música brasileira não ajuda a abrir espaço à música portuguesa…

DE - Foi responsável pela política europeia nos governos de António Guterres e teve particular envolvimento na segunda presidência portuguesa da UE. Que expectativas tem sobre a actual presidência?
FSC - Creio que vai ser tão rigorosa e prestigiante como foram as anteriores. Esta começou bem com a Cimeira UE-Brasil…

DE - Como foi recebida no Brasil?
FSC - Bastante bem. Notou-se que havia da parte de Portugal, nesta que será provavelmente a sua última presidência, pelo menos nestes moldes, a vontade de corrigir uma anomalia no relacionamento da União com um país da importância do Brasil. Julgo que o gesto foi apreciado. Temos agora a responsabilidade de contribuir para aprofundar este relacionamento.

DE - Há quem afirme que o mandato que recebemos da presidência alemã sobre o novo tratado não é tão claro e exequível como muitos disseram. Há condições para aprovar o tratado de Lisboa?
FSC - Temos de ser prudentes e não pensarmos que o mandato é tão claro como alguns querem fazer crer. Na UE as coisas são sempre mais complicadas do que parecem. Mas o ambiente político que se criou à volta da aceitação do mandato como que isolou os principais problemas que possam surgir. Sabemos de onde podem vir os problemas e onde se podem centrar. Esperamos que os mesmos países que ajudaram a Alemanha a fixar este mandato sejam capazes de ajudar também Portugal a resolver as questões que possam surgir. Portugal tem a oportunidade de ligar o seu nome a um momento tão importante da UE.

DE - Como deve ser ratificado o tratado?
FSC - Não tenho opinião. Tenho apenas uma opinião pessoal contra qualquer tipo de referendo.

DE - Está em férias, de regresso ao país. De que é que Portugal precisa mais?
FSC - Rigor e organização do trabalho. Portugal vive numa atitude relativamente impressionista face ao futuro. Os sinais de que o país está preparado para aceitar um conjunto de reformas difíceis, quase consensualmente necessárias, significam que também deve estar preparado para assumir uma nova atitude em termos organizacionais. Precisamos de mais disciplina, menos laxismo, mais pontualidade, para nos tornarmos um país moderno e sermos uma sociedade de sucesso. Estamos a fazer as mudanças sobre a pressão da globalização e isso obriga-nos a queimar etapas.

DE - Sente-se isso quando se está fora?
FSC - Não tanto quando se vem do Brasil… Mas fui sentindo isso ao longo da minha vida: quando vinha da Noruega, da Inglaterra, da Áustria ou dos EUA.

DE - Será pela pressão e necessidade de ajustamento que muitos põem em dúvida o carácter socialista deste Governo? É essa a sua convicção?
FSC - Não sei se podemos ligar a actividade dos governos a uma determinada ideologia. Podem ligar-se os partidos que estão nos governos, mas a conduta governamental não deve ser vista como uma prática socialista ou liberal sistemáticas. Não vale a pena ter ilusões. Há um padrão com margens muito limitadas de flexibilidade, uma espécie de um template que se aplica às políticas europeias e que faz com que os governos não tenham espaço significativo de explicitação ideológica. Aqui ou ali é possível aos governos aplicar medidas mais liberais ou sociais e aproveitá-las para ‘vender’ a sua imagem junto da comunicação social…

DE - Quem está a falar é o político ou o diplomata?
FSC - Fala o cidadão que olha para estas questões de uma forma mais compreensiva, experiente e pragmática, desde que o pragmatismo não signifique cinismo.

Passarinho pelos blogues

DE - O que é que o seduz na blogosfera?
FSC - Seduz-me o imediatismo: ser rápida, perecível, a que muita gente acede para informação ou um apanhar de sensibilidades. Passarinho um pouco pelos blogues, ajuda-me a perceber o Portugal contemporâneo, particularmente os de jornalistas. Esmagadoramente, em Portugal, a blogosfera é conservadora. A progressista é minoritária.

DE - Pode confessar os seus grandes prazeres?
FSC - A mesa, a leitura e as viagens. Os outros são secretos…

DE - Que diferencia o gourmet do consumidor comum?
FSC - É a angústia de poder comer mal! O gourmet vive sempre no drama de ter uma desilusão na mesa seguinte.

DE - Considera-se um bom gourmet?
FSC - Não. Até porque há vários tipos de alimentos que não como. Não sou de grandes experiências gastronómicas. Sou muito clássico. Não ando à procura de coisas muito sofisticadas.

DE - De que gosta mais?
FSC - Da cozinha tradicional portuguesa.

DE - Come-se bem no Brasil?
FSC - Muito bem. Come-se melhor bacalhau em muitos restaurantes brasileiros do que na maioria dos restaurantes portugueses. A comida brasileira também é muito boa.

DE - Que mais aprecia na comida brasileira?
FSC - Gosto da comida mineira, muito ‘pobre’, mas muito saudável quanto à pureza dos produtos. Está próxima do nosso paladar, o que facilita.

DE - Tem uma lista dos melhores restaurantes brasileiros?
FSC - Tenho. Faço parte do júri da revista Veja para os restaurantes de Brasília. Estou, com um amigo, a pensar criar um blogue sobre restaurantes brasileiros. Fora do Rio e de São Paulo, os bons restaurantes são muito poucos. São Paulo é provavelmente, depois de Nova Iorque, a melhor cidade do mundo na qualidade dos restaurantes.

DE - O que é para si um bom restaurante? Que valoriza mais?
FSC - Naturalmente, a comida, mas também o serviço e o ambiente.

DE - Qual é o melhor restaurante português?
FSC - Há um critério que costumo seguir: chegado ao aeroporto de manhã e apetecendo-me ir a um restaurante, onde vou? Vou ao Poleiro, na Rua de Entrecampos, em Lisboa.

DE - Se estiver no Rio de Janeiro ou em São Paulo?
FSC - Em São Paulo, Bela Sintra, que é um restaurante português. No Rio, o Mosteiro, um restaurante tradicional português, cujo proprietário nasceu em Monção e é pai do actual ministro da Saúde do Brasil.

DE - As férias de um diplomata têm um significado diferente?
FSC - Costumo passar férias quase sempre em Portugal. É o momento de recuperação do país que perdi em 11 meses que estive fora. Conheço Portugal muito bem, de norte a sul. Considero-me um especialista em Portugal. Tenho um mapa de estradas onde vou marcando as estradas que conheço e onde quase já não há espaço. Conheço as localidades praticamente todas. Foi isso que me levou a fazer um guia gastronómico para amigos…

DE - Como são as férias deste ano?
FSC - Mais prosaicas. São passadas em Vila Real com o meu pai, que tem 96 anos e que tenho de acompanhar.

Chego aos dois livros por dia…

DE - Que anda a ler?
FSC - «A Década de Sampaio em Belém», de João Gabriel; «Nos Bastidores da Diplomacia –O bife de zinco e outras histórias», um livro delicioso do diplomata brasileiro Leite Ribeiro; «Portugal e a Integração Europeia», de António Costa Pinto e Nuno Severiano Teixeira; e um pequeno livro de Eduardo Lourenço, também sobre a Europa. Em férias chego a ler dois livros por dia. Vou ler e reler alguns das estantes do meu pai…

DE - E quanto à escrita?
FSC - Estou a escrever sobre a vida diplomática, algo que poderá ser chamado «Cartas a um jovem diplomata». Ainda está no início. Tentarei, não sei se vou conseguir, escrever um pequeno livro sobre a Europa para publicar no Brasil, uma Europa para brasileiros.

DE - O Brasil é inspirador para outras escritas?
FSC - Um colega meu, Luís Filipe Castro Mendes, escreveu no Brasil muita poesia. Mas eu sou incapaz de escrever ficção. E não tenho tempo.

DE - Memórias ficam para mais tarde?
FSC - Mas ficam para ser escritas.

DE - Se estivesse perante uma plateia que o desconhecesse, que auto-retrato faria?
FSC - Sou um servidor público, um profissional do serviço público. Não sou burocrata e olho para a vida de uma forma lúdica. É isso que procuro ser. Não sei se é assim que os outros me vêem.

(NE - O título e os subtítulos são da responsabilidade deste blogue)


Tentação para a franqueza

É quase impossível não gostar dele. Francisco Seixas da Costa é simpático, culto, franco e informado. Percebe-se isso quando o observamos no Brasil: a atenção com que é ouvido e os laços fáceis que estabelece com toda a gente. Percebeu-se isso quando foi secretário de Estado dos Assuntos Europeus, nos governos de António Guterres. Foi um dos obreiros da segunda presidência portuguesa da União Europeia e deixou marcas de grande profissionalismo. Não se esqueceu sequer de coligir, pelo seu próprio punho, um pequeno guia dos melhores restaurantes portugueses para distribuir aos seus pares comunitários… Casado, tem 59 anos, nasceu em Trás-os-Montes, Vila Real. Licenciou-se em Ciências Sociais e Políticas na Universidade Técnica de Lisboa. O 25 de Abril apanhou-o na tropa e um acaso, como gosta de dizer, levou-o à carreira diplomática em 1975. Entre outros lugares, passou por Londres, em Nova Iorque foi representante permanente de Portugal junto da ONU e em Viena representante permanente junto da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa. Foi o negociador português dos tratados de Amesterdão e de Nice. Gosta de blogues, além dos pessoais centrados na gastronomia, criou um na Embaixada de Portugal no Brasil, muito útil para se perceber o relacionamento bilateral. Consciente da importância dos afectos, diz não se ter dado mal, enquanto diplomata, com a «tentação para a franqueza». Frontal, apoiou Mário Soares nas últimas presidenciais. Chegou a ser criticado por poder pôr em causa o relacionamento institucional com o futuro Chefe de Estado. Foi o primeiro embaixador recebido em Belém pelo novo Presidente Cavaco Silva, curiosamente o mesmo homem que lhe fez a prova oral no concurso de admissão para a diplomacia.


2 comentários:

Anónimo disse...

Com que então este é que é o tão famoso embaixador de que o Doutor tanto falava. Lembro-me muito bem dele quando era Secretário de Estado e até os vi duas ou três vezes, juntos e na bela conversa pela Europa: Itália, Holanda e não sei mais quê.

Já na altura fiquei com boa impressão dele. Pelo que o Doutor tem escrito (eu acredito em si, o que não é fácil..., mas conheço-o dos tempos do DN e da Bola, das RTP1 e 2, embora nunca tenha falado consigo) é um Homem muito especial. Acertou, Doutor.

Esta entrevista é um exemplo de categoria, de destemor, de profissionalismo, em suma de verdadeira Diplomacia. Houvesse muitos como ele e outro galo cantaria...

Muito obrigado aos dois, ao Embaixador e a si, que faz um excelente blog e abraços para ambos.

Anónimo disse...

Fui ao blog da Embaixada em Brasília, tantas têm sido as referências que dele tenho lido. Mas, agora, neste do Dr. A. Ferreira, esta entrevista do Senhor Embaixador Seixas da Costa, encheu-me as medidas. Muitos parabéns por tudo, Senhor Embaixador.