quarta-feira, julho 05, 2006
Carruagem para Lisboa
Antunes Ferreira
Pelo andar da carruagem é que se conhece quem lá vai dentro. O rifão popular é dos mais insidiosos e mordazes que o Povo produziu. A arraia miúda dos nossos Fernão Lopes e Gil Vicente tem uma sabedoria que lhe vendo sendo transmitida há séculos e séculos e séculos. Os Senhores Doutores falam da carga genética, dos cromossomas, dessas coisas que a populaça não entende. Dizem mesmo que as crianças já vêm programadas de forma diferente.
Penso que esses especialistas querem, no fundo, dizer que os chips invadiram os genes para os eliminar ou, pelo menos, para os substituir.
E o Zé Povinho nickles. Bordalo não era dessas frioleiras. No seu tempo não havia nada disso. Ninguém imaginava que a ovelha Dolly seria clonada em 1996, dando origem a um gigantesco engarrafamento de ideias, à mistura com declarações mais ou menos científicas e com anátemas mais ou menos religiosos.
Bordallo Pinheiro, nas suas Caldas fazia do barro o que lhe apetecia. Como ferramenta principal, alem das mãos, tinha a imaginação associada à criatividade. Se bem que à época não fossem muito usuais tais termos, a verdade é que se produziam obras primas por dá cá aquela palha. E as argilas moldadas, pintadas e levadas ao forno para cozer eram isso mesmo, obras cuja colateralidade familiar não precisava de adjectivos geométricos.
Pois então, é pelo andar da carruagem, que se conhece quem ela leva dentro. Hoje somos mais autos. As primeiras já deram o que tinham a dar, os equinos que as tiravam hesitam entre a coudelaria e a praça de touros, entre os dotes hípicos e os poucos talhos que ainda sobrevivem. Salvam-se os burros italianos com o carpaccio asinino. Salvam-se, uma gaita. Para entrarem na cozinha – é porque não se salvaram do açougue.
Ao que se dá conta pelas rodovias lusitanas, os carrinhos dos portugas são, em boa medida, carrões. É ver passar Mercedes, BMWs, Audis, Bentleys, Jaguares, e jipes dos subsídios, de belas e abastadas cilindradas. Mas não só nas ruas, nas estradas, nas auto-estradas. Veja-se o que se passa no todo o terreno. Não há Baja nem dança onde não esteja carro de «poupança.» E de malta a encher a pança. Os chamados utilitários, de pequena cilindragem, mesmo com o já vulgaríssimo ar condicionado, não se notam muito. A massa está caríssima.
Confessamo-nos quase sempre muito infelizes. Ou é o Estado que não nos enquadra (do Governo, nem se fala), ou é a União Europeia que não nos subsidia, ou é a Santa Sé que não há maneira de santificar, num ápice, os pastorinhos, ou é – e principalmente – a gajada da FIFA que nem meteu o Ricardo entre os cinco melhores guarda-redes do Mundial 2006. Somos, assim e maioritariamente uns desgraçadinhos. No antigamente, eram as letras dos fados. Hodiernamente, somos os últimos da Europa Unida em praticamente todas as disciplinas. Excepção feita aos acidentes nas estradas, ao índice de SIDA, ao insucesso escolar e uns quantos mais, em que somos… os primeiros. É triste.
Quarta-feira, um quarto para as dez da noite. Um penalti, aliás verdadeiro, impede a selecção nacional de chegar a Berlim. Resta-nos Estugarda onde discutiremos com os donos da casa, o terceiro lugar. Achtung! Diese Freunden sind sehr gefährlichen! Não são uma grande equipa, têm cinco esquemas de jogo, mal medidos, mas estão repimpados num sofá da sala de visitas deles. À nossa espera, com uma grande caneca de cerveja na mão.
Ora aqui temos. Tal como vai andando a carruagem, tudo indica que os Herren que nela viajam estão preparados para se vingarem em nós da maldade que os croissants lhes fizeram. E nem podem o Felipão e o seu grupo unido (que só ontem foi vencido) argumentar com o facto dos Galos Tricolores terem-nos vencido, aos Galos de Barcelos. Numa luta de Galos alguém tinha de ganhar. Nestes preparos, empate não vale. E os alemães para algum lado se têm de atirar. Oxalá seja o errado.
Depois, há que enrolar as bandeiras, dobrar os cachecóis, fazer as malas e voltar para o torrão natal. Uma vez mais: pelo andar da carruagem quem vem lá dentro são os bravos Conquistadores, ainda que não tenham conquistado o canecão. Há que agradecer-lhes o terem-nos relembrado e devolvido - o direito ao sonho.
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1 comentário:
Mestre,
Sou um fiel leitor da prosa saída do vosso pensamento e que as teclas, batidas, do vosso computador através da Internet trazem até mim. Assisti como foi natural a todos os encontros entre a selecção portuguesas e o seus adversários.
Desde os meus verdes anos, nunca achei graça nenhuma a 22 jovens andarem a correr atrás de uma bola, num campo relvado ou pelado. Mas estive fincado, durante o MUndial 2006, atrás do "ecran" do televisor, mais para analisar a "chanfalhada" dentro do campo e as emoções de umas dezenas de milhares de pessoas nas bancadas. Fora do campo, das bancadas e, em todos os lados uns (sei lá quantos!) legionários/as a trasmitirem para a RTP e depois para o "poviléu" português, pormenorizadamente como se de algo importante ou de interesse para o país se tratasse. Envolveu-se o Povo na orgia futebolista como forma de "engana o menino e toma-lhe o pão".
Porém aquilo que me deixou deveras contente é que o nome de Portugal foi escrito nos jornais, falado na rádio e visto em imagens os jogadores: o Figo, o Deco, o Ricardo, o Cristiano Ronaldo e outros.
Alguns amigos do país que me acolhe há quase 30 anos foi demasiado bonito terem-me dito: "portuguete, portuguet good, good"!.
Bem é que eu ainda não perdi o sentido da lusitanidade e estas afirmações ainda me dão mais orgulho de continuar a ser um luso e beirão dos quatro costados.
O Mundial 2006 não tarda que entre no ról do esquecimento e a selecção "portugueta" igualmente. Voltará sim às luzes da ribalta em 2010. Nessa competição já não vai jogar o Figo, o Cristiano Ronaldo sim e outros talvês não.
Há uns dois anos o real Madrid passou pela cidade onde vivo, vinda do Japão. Nela vinha inserido o Luis Figo. Acreditei-me como correspondente e estive na pista de atletismo a observar as emoções do público.
Grandes paineis na bancada designavam o nome do Figo. Umas raparigas, junto à passagem dos jogadores para o balneário seguravam nas mãos uns calções com o nome do Figo e beijavam-nos. Quando o Figo passou foi um total delirio, todos queriam um autógrafo do portugês.
Entre os cerca de 100 mil espectadores,apenas ali se quedavam três portugueses: eu o Zé Pinto, o Luis Figo e o Carlos Queiroz, treinador na altura do clube madrileno. O Carlos Queiroz, ficou surpreendido quando eu já de máquina fotográfica pronta para disparar, pelas costas lhe disse, em português: "Ó Carlos Queirós vire-se?"
Foi uma "disparo" fantástico!
No meio daquelas jovens que beijavam os calções do Figo, não sabiam que era português mas sim jogador do Real Madrid.
Sou admirador do Bordalo Pinheiro, das suas obras cerâmicas e do seu incomparável humor.Gostaria de oferecer umas "taças" das Caldas (as que levam 5 litros) a uns tipos que conheço e não digo o nome...
Por último: tivemos uma grande equipa "portugueta" que foi por aqui bem "badalados" o seus feitos; mas não temos coisas e loisas à venda que designem "made in Portugal". O Fado, triste e o gingão ningém o engole nem que seja servido com "molho de tomate".
Há uns anos havia um produto de marca que até estava a dar resultado o "marketing"... A TAP voava para o oriente e fazia aqui escala.
Sumiu-se!
Mesmo ficando,dois ou três dias estacionados no parque do aeroporto os aviões à espera de peças para reparar as "machines" avaridas, era bom ver-se por aqui o nome de Portugal designado na fuselagem das aeronaves.
Abraços
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