quinta-feira, maio 01, 2008



Small blue pill
Antunes Ferreira

De vez em quando, dou uma volta pelos Spam que o zeloso guardião do Gmail arquiva para futuro delete. Bendita invenção essa, que nos limpa por antecipação os mails mais sujos, propagandísticos, caricatos e outros que tentam penetrar um tanto à sorrelfa nas nossas caixas de correio informático.

Há de tudo nestas curiosas mensagens que centrais omnipotentes e omnipresentes remetem a um cidadão cumpridor dos seus deveres fiscais, sem lhe dar hipótese de defesa, aliás legítima. Não fora esta invenção dos anti Spam e outro galo cantaria. Anda uma mãe carinhosamente a criar um filho sem saber para o que este está guardado.

Nesse circuito informático-quase-quotidiano, um dos temas mais aliciantes, pelo menos aparentemente, são os produtos miraculosos oferecidos a troco de uns miseráveis dólares (normalmente a dita publicidade provem dos EUA) e que trazem a felicidade mais risonha aos machos que se sentem diminuídos, pelo menos da cintura para baixo.

Hoje caiu-me em rifa uma mensagem – ou, para ser mais preciso, cair-me-ia sem a protecção referida e abençoada – com grande súmula de pormenores, enviada pela Dona Gertrude Conway com um título muitíssimo apelativo e sucinto simultaneamente, o que, nos dias que vão correndo, é obra acabada. Reza então: Just a smal bluepill will turn you to Casanova!




Para alcançar esse salutar e aliciante propósito basta entrar no site http://cyberdiscountpharmacy.com. É tiro e queda. No estabelecimento cibernético há de tudo, como na loja que, ainda que virtual, termina a frase feita. A versão, como se sabe é há de tudo como na farmácia, mas aqui semântica e semioticamente seria como o vestido ou a pescada.

As pílulas «endireitadoras» vão do Viagra ao Cialis, passando pelo Levitra. Não tem nada que enganar. Uma azulinha, outra que é mais cápsula, outra amarela, são verdadeiros agentes recuperadores de uma eficácia notável no que concerne à actividade do órgão masculino. Não há disfunção eréctil que lhes meta medo. Mezinhas duma cana! O sempre em pé da minha infância, o pau de Cabinda ou as cantáridas frente a elas são peanuts envergonhados.


Diga-se em abono da verdade que a cyberdiscountpharmacy.com tem também remédios de todas as qualidades, cores e feitios para doenças que vão da hermes até à Parkinson, passando pela gripe mais ou menos virulenta (não encontrei nenhuma para a das aves, lamentavelmente), pela dor de cabeça agravada, a cefaleia, o peso a mais, as infecções pulmonares e urinárias, as dores de dentes, o mau hálito, as viroses mais destrambelhadas, enfim, o cardápio completo. Não; nada encontrei para os bicos de papagaio.

Voltando às pílulas do Casanova, e dada a cor anunciada, o azul, penso que a publicidade deveria ser Just a small bluepill will turn you to Blue Bear. Perceberam: azul com azul. Penso mandar oportunamente à ciberfarmácia esta minha proposta que, quem sabe, será o princípio de uma bela e auspiciosa carreira no domínio da publicidade farmacêutico-virtual.


Um Casanova, um Barba Azul, um Sade, um Valentino e muitos mais, tornaram-se arquétipos que os senhores elegeram para modelos do machismo e da performance sexual. A prática, porem, é quase inalcançável… A utilização destes nomes é, por conseguinte, uma iniciação à quimera masculina, um atentado ao que resta residualmente do que se chamava o pudor, uma artimanha publicitária.

As coisas são o que são. A este propósito, há aquela estória do cavalheiro super machão (luso) que afirmou que ia bater o recorde universal de damas, não de tabuleiro, mas daquelas com quem conviveria intimamente na cama. Parangonas surgiram do pé para a mão, tudo o que era comunicação propagandeou a proposta, o público, nomeadamente os homens, avolumou-se nas bilheteiras do pavilhão com dez mil lugares onde iria decorrer o evento.

Face à desmesurada procura [o mercado, dizem, tem sempre razão (?)], os organizadores decidiram mudar para um campo de futebol com o dobro da capacidade. Nada. As filas aumentavam quotidianamente, não havia game boxes, era o impensável. Foi-se para o maior estádio da terra, 65 lugares nas bancadas e mais uns no relvado.

Daí que os do clube pseudo-proprietário da instalação aumentassem a sua percentagem na receita do espectáculo, pois era absolutamente necessário, mesmo indispensável, preservar o tapete verde. E, mesmo assim, poderia ser preciso proceder à sua reparação, quiçá até a substituição, para o campeonato que se aproximava a passos largos. Estava-se no defeso, o calor apertava e, consequentemente, a prestação amorosa com o Guiness no horizonte, era perfeita ao final da tarde e a céu limpo.

Chegou o dia D. No relvado, ao centro, um estrado de dimensões amplas, sobre o qual estava colocada uma cama também ampliada. Os altifalantes berravam decibéis imensos, a assistência esperava, ansiosa, impaciente, histérica e eufórica, pela hora H. Uma jovem, descalça até ao cocuruto, estendia-se, langorosa, no leito.

O locutor mandou que se fizesse silêncio, os espectadores amansaram, e avisou que o cidadão se propunha fornicar com mil companheiras. Um ahahahah vibrou no ar, fruto de quase 70 mil gargantas, de muita cervejola e outros ingredientes. E o artista, outrossim em pêlo, naturalmente, aproximou-se, sorriu para os assistentes, acenou-lhes vitoriosamente e atirou-se à dama.

E o animador, pelo microfone: uuuuuumaaaaaaaaaa!!!! E a populaça: bravooooo!!! Por aí fora, alternando os numerais com a intensidade dos aplausos, uma loucura. E as partenéres sempre peladinhas e sempre a afluírem, uma por uma, ao altar do incansável herói. Trezentas e noventa e seteeeeeeeeeeeeeeeee!!!!!! Hurraaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!!

Lá pelas setecentas e picos começou a instalar-se uma dúvida atroz na multidão que consumia, furiosamente, pastilhas para a garganta vendidas por indivíduos mais oportunistas ou mais previdentes. Mas o praticante emérito continuava, impávido e sereno, a copular, sem um esgar de esforço, muito menos desfalecimento.

Novecentas e noventa e oitoooooooooooooooooooooooooooo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! O tsunami estrondoso instalara-se na multidão frenética. O locutor já quase não se percebia, mas os algarismos tinham-se amontoado num ritmo espantoso. Novecentas e noventa e noveeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Impossível descrever o ensurdecedor aplauso.

Milllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Calaram-se as bocas numa expectativa galopante, o livro dos milagres estava no papo, só um Portuga alcançaria tal feito, qual Vasco da Gama, qual Cabral, qual Camões??? E, de repente, o cavaleiro sentou-se na beira da cama, esboçou uma tentativa de sorriso e desmaiou. Mesmo assim batera e por larga margem, o almejado recorde.

Mas a plebe, a nobreza e algum clero, que se espremiam nas bancadas, nos camarotes (incluindo o do presidente e das altas individualidades), no gramado, soltou um último grito tonitruante, impressionante, lancinante, fatal: Maricaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaas!!!!!!!!!!!!!!! Vae victis.

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