quinta-feira, maio 29, 2008
Encontro gramatical
Fernanda Braga da Cruz
Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador.
Um substantivo masculino, com aspecto plural e alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. O artigo, era bem definido, feminino, singular. Ela era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingénua, silábica, um pouco átona, um pouco ao contrário dele, que era um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos.
O substantivo até gostou daquela situação; os dois, sozinhos, naquele lugar sem ninguém a ver nem ouvir. E sem perder a oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar, conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu-lhe esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro.
Óptimo, pensou o substantivo; mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a movimentar-se. Só que em vez de descer, sobe e pára exactamente no andar do substantivo.
Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela no seu aposento. Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, suave e relaxante. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram a conversar, sentados num vocativo, quando ele recomeçou a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo.
Todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo directo. Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente. Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula. Ele não perdeu o ritmo e sugeriu-lhe que ela lhe soletrasse no seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele e foram para o comum de dois géneros.
Ela, totalmente voz passiva. Ele, completamente voz activa. Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais. Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do objecto, tomava a iniciativa. Estavam assim, na posição de primeira e segunda pessoas do singular. Ela era um perfeito agente da passiva; ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.
Nisto a porta abriu-se repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou logo a dar conjunções e adjectivos aos dois, os quais se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, subtónica, o verbo auxiliar logo diminuiu os seus advérbios e declarou a sua vontade de se tornar particípio na história. Os dois olharam-se; e viram que isso era preferível, a uma metáfora por todo o edifício. Que loucura, meu Deus!
Aquilo não era nem comparativo. Era um superlativo absoluto. Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado aos seus objectos. Foi-se chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo e propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que, as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois dessa situação e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história. Agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.
(Redacção feita por uma aluna de Letras, que obteve a vitória num concurso interno promovido pelo professor da cadeira de Gramática Portuguesa)
Um mimo
O Florentino Antunes, Amigo de muitos anos (não é meu primo, apesar do apelido), companheiro de muitas vidas, da tropa até a um hipermercado, ressuscitou, por mor de um outro Amigo, o Magalhães Pequito. Foi uma alegria! Vai daí, o gajo bué da fixe aparece-me no lançamento do meu «Morte na Picada». No meio da confusão das mais de 200 almas que foram à fnac do Colombo, nem tive tempo para trocar umas larachas com ele. Para o abraço, indispensável, sim. Mal pareceria.
Acaba de me enviar este primor de texto, um verdadeiro mimo, assinado pela Fernanda, aluna da Faculdade de Letras, portadora de um apelido conceituadíssimo na nossa praça. Penso que não é a primeira vez que nos encontramos, o escrito e este escriba sem eira nem beira. Já mo tinham enviado, nem me recordo quem. Hoje, não escapa. Aqui fica ele. A. F.
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9 comentários:
Também recebi este texto por email e acho-o magnífico! Beijos de bom fim de semana.
Só hoje me é permitido agradecer sua visita e comentário no ForEver PEMBA. Não conhecia seu blogue, que vou lendo à medida que o tempo permite. Parabéns pela qualidade do mesmo e disponha sempre.
Boas amigo Henrique Ferreira,
Tem aqui um belo exemplo de um blog bem trabalhado, e com um dedo de sabedoria pelo seu passado, deve ter imensas histórias, porque não as deixar aqui partilhando um pouco de si e sua história do passado jornalístico para com todos os que aqui vêm ao seu blog?
Está mto bom e aqui voltarei amigo.
Um forte abraço,
Nuno de Sousa
Este Nuno era eu, só que me enganei no endereço de email e apareceu um Nuno não identificado :-)
Um forte abraço e uma boa noite para si,
Nuno de Sousa
E ainda bem que o postou, é um texto interessantissimo... gostei imenso de o lern e de cá voltar
beijinhos
Paulinha
Muito obrigadinho. Nada mais.
Ôi Gotaelbr
Não tem nada que agradecer. Fico muito satisfeito de me dizer, do outro lado deste Oceano lusíada, que visitou e gostou do meu blogue. Se o quiser, mande-me o seu mail para podermos trocar correspondência e envie-me algo para eu postar aqui no Travessa.
Abração
Amigão Nuno
Obrigadérrimo. Já tenho publicado coisas resultantes da minha vivência que, como sabe, não é tão pequena assim. Vou pensar na sua sugestão que também agradeço. Espero que volte aqui.
E porque não mandar-me umas fotos (que tão bem as faz) para o Travessa publicar?
Fico à espera.
Leonorzita
Para ti, minha querida, subscrevo a minha resposta ao Nuno. Isto é, se o quiseres, manda coisas para o Travessa publicar. O Registos não pode monopolista...
Queijinhos
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