quarta-feira, abril 25, 2007


À RODA DOS DIAS


Abril

Maria Lúcia Garcia Marques

Não fora o 25 e Abril seria um mês frágil, de ventinhos ariscos secando suas águas mil, um mês impaciente, a ver botar corpo a Primavera.
Não fora o 25 e Abril seria um mês pachola, a dar cumprimento ao adagiário:
“As manhãs de Abril são doces de dormir”
ou “Sono de Abril deixa teu filho dormir”.
Não fora o 25 e Abril continuaria caseiro e rústico a preconizar-se, tradicionário:
“Abril frio e molhado, enche o celeiro e farta o gado”.


Mas foi o 25 – e o grito libertário.
E o 25 bateu forte: virou o curso e o discurso, foi um brado, um suspiro, uma agressão – um punho ao alto, uma canção. Na manhã alvoroçada mudou tudo, quando já nada era de vontade, mas apenas hábito, orfandade, deserção ... Virou-se o mundo do avesso, como luva muito usada. Armou-se o circo da(s) liberdade(s). Fez-se vertiginoso o regresso ao Futuro finalmente recuperado.
E houve de tudo na feira agora franca: uma alegria vermelha transluzente de par com silêncios prudentes, a espreitar as novidades.
Éramos novos! E não sabíamos quão pesada nos seria a herança da(s) memória(s)! Era ainda o tempo-das-cerejas, do rubro sumo das promessas – um tempo aberto, às escâncaras, na sôfrega inspiração dos novos ares.
Mas envelheceram os dias e foi-se decantando o vinho da vitória.
O 25 de hoje já fez história – seis nações novas no curriculum e uma geração inteirinha cá por casa. Porém, regressados todos nós à velha Europa, atrasámo-nos no caminho. O mundo pula e avança mas não somos mais crianças e a bola colorida vai perdendo a sua mágica.
Foi o tempo da “passagem”. É o que “páscoa” quer dizer. E Abril é mês das Páscoas (das ressurreições e das aleluias), e talvez que, mesmo entre prós e contras, feitas as contas, ainda seja verdade o que o ditado diz:
“Antes a estopa de Abril que o linho de Março”.

4 comentários:

Anónimo disse...

Senhora Doutora

Sabe que este seu texto foi publicado nesse incrível Portugalclub? Lamentável...

Anónimo disse...

Ó menina, fique em casa a cozer meias e deixesse de dôtorices. E de elujios ao 25 de triste memória. Senão...

Anónimo disse...

Não se preocupe - nem com o Pclub, nem com o Manel dos Anzóis. Desgraças acontecem na vida. Parvoíces, também, mas leva-as o vento. A este propósito, não digo mais.

De todos os textos que a Maria Lúcia já aqui publicou (de que gosto muito), para mim o melhor de todos é este de Abril. Muitos parabéns, muitos parabéns.

Anónimo disse...

Senhora D. Maria Lúcia:
Isto sim, é literatura de primeira: autêntica poesia em prosa.
Foi para mim uma inesperada descoberta: encontrar ainda um texto tão belo e original a respeito de Abril.
Só posso desejar que continue a deliciar-nos com apontamentos como este.