domingo, abril 29, 2007







Os caminhos da Ásia

Antunes Ferreira
O número 78, de Janeiro/Março do ano XX dos Cadernos de Economia tem por título Os Caminhos da Ásia. Saltaram-me os olhos para a obra, ainda que a Economia não seja propriamente a minha especialidade. Comecei por deitar-lhe uma vista de olhos descomprometida. Como sempre, o grafismo era um primor, atractivo, participante, como mandam as regras.

É conhecida a minha apetência pelos temas asiáticos. Talvez por ter uma mulher goesa, talvez por me sentir bem na Índia e na China, talvez por isso tudo. Talvez, quem sabe, por ser Português. Os nossos avoengos, como é sabido, foram os primeiros europeus a chegar à Índia, à China, ao Japão, por mar. E a outras partes do mundo asiático.

Portugal goza, ainda hoje, de um privilégio neste particular. Pude comprová-lo pessoalmente, em Goa, Damão e Diu, mas também em Cochim e Calecute, no antigo Ceilão, hoje Sri Lanka, na Malásia e em particular em Malaca, bna Tailândia, na Coreia do Sul, e fico-me por aqui. Deambulando por tais paragens, foi-me possível testemunhar o apreço de muita gente pelo nosso País.

No aeroporto de Kuala Lumpur

Um só exemplo. No aeroporto de Kuala Lumpur, saídos da primeira classe de um jumbo da Lufthansa, eis-nos na cabeça de uma longa fila de espera. Eram apenas duas, concorrentes, uma tentando ser maior do que a outra. Minha mulher e eu estávamos, como disse, No primeiro lugar. Mostrámos os passaportes. O funcionário, apenas os olhou, pediu-nos para esperar um momento, volto já, e foi ao escritório nas traseiras do balcão de atendimento.

Veio acompanhado de um Senhor moreno, em camisa branca, com galões carregados de fitas doiradas. São Portugueses? Assentimos. O meu Pai e a minha Mãe também. (E eu sou... meio). São de Margão. E a Raquel entusiasmada, eu sou da Raia. E ele, concelho de Salcete. São mesmo de lá. Chamo-me Mascarenhas, com h, porque aqui usam dizer que sou Mascarenas. Gargalhámos.

Voltando-se para os restantes passageiros que integravam a nossa fila, disse-lhes que fizessem o favor de passar para a outra, porque tinha de falar em especial connosco. Uns quantos protestos, algumas dúvidas, que teriam feito aqueles gajos, mas o ensonado da hora aconselhava temperança e paciência e assim aconteceu.

Foram duas horas de conversa, numa mistura de inglês, português mascavado e concani. Que terminou com a combinação de, no dia seguinte, irmos jantar a sua casa, o que aconteceria. Com o carro do Ministério dos Negócios Estrangeiros à nossa espera, pois dois elementos daqueles serviços tinham-nos ido receber à aerogare. Eu ia entrevistar o primeiro-ministro malaio…

Podíamos ter nas nossas malas quilos de coca, de haxe, de oiro, de diamantes que tudo passaria sem um ai, pois o Senhor Director dera, entretanto, uma ordem rápida e seca a um subordinado que, obediente, riscou a giz o passe liberatório da bagagem. Não tínhamos. Mas poderia ter começado aí uma promissora carreira de traficante autorizado…

Que equipa de colaboradores!

Peço mil desculpas, mas despistei-me. Volto aos Cadernos de Economia. Como é habitual, o Ramos Gomes alambazou-se com uma equipa de colaboradores de se lhe tirar o chapéu. Longe de mim ser exaustivo. Aleatoriamente: Murteira Nabo, Carlos Monjardino, Basílio Horta, Paulo Teixeira Pinto, Mira Amaral e muitos outros, terminando com as duas páginas assinadas pelo Nicolau Santos.

De tudo um pouco. Do crescimento impressionante destes dois gigantes da globalização. Do desenvolvimento das relações económicas com as duas potências. Do papel de Portugal. De Bangalore, a «Silicon Valley» indiana, com um pool de talento de mais de 150 mil engenheiros de software. Do desafio da tecnologia portuguesa. A terminar A Miragem Asiática de um outro bom Amigo, o competentíssimo Nicolau Santos.



Nicolau mete ombros a uma tarefa difícil. Tenta desmistificar o que por aí vai correndo sobre Portugal poder ser o interlocutor privilegiado da Índia e da China, em alguns mercados, nomeadamente o de Angola. É uma análise um tanto amarga – mas… realista. Transcrevo: «A ausência de, já não digo negócios concretos mas ao menos de intenções dos ditos, evidencia (…) que somos um animal demasiado pequeno para fazer parcerias com os grandes conglomerados chineses e indianos».

E, a terminar: «Claro que não se deve ignorar a China e a Índia. Mas é bom ter presente: 1) que elas não precisam de nós para nada; 2) não pensam em nós com parceiro para algum objectivo ou como local privilegiado na Europa para investir; 3) e nós temos outras apostas bem mais importantes, como os mercados dos Estados Unidos ou Angola».

De qualquer forma, os Cadernos de Economia dedicados à Índia e à China têm forçosamente de ser lidos – e com muita atenção. Convém que nós, Portugueses, estejamos informados sobre estes assuntos. A informação e a sociedade que lhe corresponde são cada vez mais sinónimos de poder. Não foi por acaso que Marshall McLuhan (1911-1981), o Papa da Informação deu à sua obra mais conhecida o título de «A aldeia global».
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Ramos Gomes

António Ramos Gomes é o exemplo acabado do Jornalista que é também empresário. Conhecemo-nos em Angola e desde logo ficámos amigos. O que se prolongaria até hoje, para meu contentamento e felicidade e creio que também para ti, António. Os seus Cadernos de Economia vão no ano XX, ou seja sendo já uma publicação de referência, também ultrapassaram a linha da maioridade. Para quem anda em tais lides – são incontornáveis. Até mesmo, imprescindíveis.


Trabalhámos bastas vezes juntos. Sei da fibra do Ramos Gomes. Sei da aventura a princípio um tanto quixotesca que são os Cadernos. Cadernos que começaram a marcar, e hoje definitivamente marcam a nossa Economia. Um Director altamente prestigiado como é Mário Murteira sai para a rua acompanhado sempre de nomes sonantes no domínio.
Não quero deixar de terminar este breve apontamento com uma menção que dá bem a noção do prestígio dos trimestrais. Estávamos em 1995 e eu era o ajunto e assessor do malogrado António de Sousa Franco, naturalmente para a Comunicação Social. Momentos complicados, para não dizer mesmo difíceis, com um governante – e não atraiçoo aqui a sua memória – que não ia muito à bola (releve-se-me a expressão) com os órgãos da mesmo CS.
Por alturas de mais uma crise com a gente da Informação, o ministro das Finanças deu-me a indicação de que, nesses momentos, não queria prestar quaisquer declarações nem dar explicações, nada. Com a franqueza de uma Amizade que vinha do primeiro ano do Liceu Camões e se prolongara até à Faculdade de Direito de Lisboa, aconselhei-o a não proceder assim. Debalde.
O António Ramos Gomes surge-me, nessa precisa altura a pedir-me para apresentar junto do meu Amigo António Luciano a sua solicitação para um texto dele a publicar nos Cadernos. Com a paciência também em baixo respondi-lhe que nem pensasse nisso. Retorquiu-me que, ao menos, eu podia tentar.
Ficaria de mal comigo próprio se não o fizesse, arrostando embora com a cólera do ministro que, mesmo entre amigos – que éramos sem qualquer espécie de dúvidas – quando se aborrecia não era fácil. Assim, um tanto de pé atrás, horas depois da advertência que ele me fizera, disse a Sousa Franco o que se passava.
Espanto dos espantos. Em vez do desaguisado previsto, saiu, tão-só uma pergunta: «Para quando é que o Ramos Gomes quer isso?». Pasmei, mas andei em frente: «Para daqui a três semanas, ainda que, se fosse antes…». «Diz-lhe que no final da próxima semana terá alguma coisa». E acrescentou «ele merece-o. É um tipo decente, trabalhador, empreendedor e honesto. E bom profissional».
Tudo dito. António: um grande abraço e é com muito prazer que aqui faço o registo do último Cadernos de Economia. Boa sorte Amigo e felicidades para a tua obra. Bem a mereces.
A.F.
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4 comentários:

Anónimo disse...

Os caminhos da Ásia, em boa altura escrito pelo meu particular amigo Dr. Antunes Ferreira (embora, de momento, as nossas relações vestem fraldas), despertou em mim interesse.
Bem o Dr. Antunes Ferreira, considera-se um homem da Ásia e eu também.
Aturam-nos duas mulheres asiáticas e deram-nos filhos que são as meninas dos nossos olhos. Colocamos de lado a nossa latinidade, de raízes e sem contarmos, temos dentro do nosso ser a paciência oriental.
São elas que nos governam, que nos repreendem e se tiverem de nos passar um "raspanete" conjugal na altura que prevaricamos, fica para a amanhã seguinte.
Tenho mais anos Ásia que o meu amigo Dr. Antunes Ferreira, embora ele a tenha descoberto muito antes de mim.
A Ásia é um amor e mesmo antes de a conhecer já gostava dela.
Quando frequentei a escola primária, o meu velho professor, que Deus Nosso Senhor o tem no céu, ensinou-me a história de Portugal e a gloriosa expansão portuguesa depois de 1500.
Não passei da 4ª classe e aos 11 anos estava a caminhar as ruas do Porto a carregar tabuleiros de queijo da serra.
Os putos "amarelitos" do bairro da Sé, alcunharam-me de "queijeiro" e que tinha vinha "lá de xima da terra da coina". Não emigrei para o Porto por necessidade, só que o meu pai não me queria ver, igual a ele, atrás de umas ovelhas nos lameiros e cabeços.
Vida dura, como um "raio", guardar as "badanas"; ordenhá-las com a lã molhada e levar, nas trombas, uma burrifadela, de água fria, quando se sacudiam.
Surgi na Ásia (Tailândia) há 30 anos e de quando, embora o círculo que englobava a cidade fosse enorme, não haviam prédios altos. Apenas um, o Hotel Dusit, com 30 andares (que ainda está hoje conforme o conheci) e uma outra meia dúsia deles que não passavam do décimo segundo andares.
Foi lindo, muito belo ter assistido ao nascimento de uma cidade, a de Banguecoque, que hoje não fica atrás de outra da Europa ou América.
Em termos de segurança fica (sem pontinha de dúvida) à frente de outras em qualquer parte do globo. Entro à hora, noite ou dia, que me apeteça em casa, caminho pela centro da cidade e ninguém me molesta.
Podem enganar-me no preço de uma bugiganga que compre, mas pilharem-me ou me agredirem isso nunca. Para que não saiba aí vai a informação: Banguecoque, de momento, deve comportar cerca de 14 milhões de almas.
Nos meus 30 anos de vivência, ainda não encontrei um português que partisse e não desejasse de voltar.
Todos pretendem voltar, so que, penso, nem sempre o dinheiro chega para tudo e a Tailândia não fica próximo a Portuga.
Quando começo a contar uma história é o mesmo que comer pinhões ou amendoins torrados, nunca mais se tem vontade de parar de mastigar.
Mas a procissão ainda está só no adro!
Há mais, mas muito mais a contar. O meu amigo Dr. Antunes Ferreira, passou mais a D.Raquel no aeroporto de Kuala Lumpur e teve um tratamento de "five stars".
Não me surpreende nada essa hospitalidade, até porque os portugueses deixaram raízes na Malásia (Malaca) e os holandeses depois de consquistarem o entreposto, não deixaram lá nadinha, mesmo que tivesse sido um bolbo que faz nascer e crescer uma tulipa.
Fico por aqui porque se fosse contar a presença portuguesa na Malásia, havia aqui pano para mangas.
Mas vamos a uma história linda das muitas que vivem na minha memória. Fui, durante, 10 anos um viajante e os países que corri são de fazer inveja, a um Presidente da República, e visitados 72!
Uma volta ao mundo em 42 dias e ganhei ao Júlio Verne!
Foi a vantagem que tive de exercer a profissão de mecânico para a Texas Instrumentos, nas árabias, que me concedia o privilégio de cada seis semanas a trabalhar nas areias quentes do deserto de sair duas ou três, para refrescar, com o bilhete de avião de borla.
A companhia da Arábia Saudita, mandou-me para Dubai, no principio do ano de 1981, para preparar umas máquinas que estavam num estaleiro em Sarja (emirato pegado a Dubai). Ao outro dia quando chego ao serviço, sou cumprimentado pelo José que era natural de Goa.
Não havia sotaques de língua e falava a língua portuguesa igual a mim.
Ficamos amigos desde logo.
Antes de partir da Arábia Saudita uns trabalhadores, de Sri Lanka, falaram-me que o seu país era muito bonito para visitar e que os portugueses tinham por lá ficado.
Os rapazes de Sri Lanka tinham os apelidos de Sousa e de Gama.
Mesmo com preliminares conhecimentos da passagem de Portugal pela Ásia, longe estaria o meu pensamento que em Sri Lanka os portugueses tinham deixado nomes.
Desde combinei com os rapazes o dia que estaria em Colombo a coincidir com as suas chegada e eles depois, um me levaria para Baticoloa e outro para Jafna (norte da Sri Lanka onde à noite se vêm as luzes de Madras na Índia).
Obti o bilhete de forma me quedar uma semana em Bombaim e depois passar mais duas em Sri Lanka.
Sai do aeroporto de Dubai cerca do meia dia e passado umas duas horas e pouco estava a desembarcar no aeroporto de Santa Cruz em Bombaim.
Saio do avião vestido de calças jean,camisa de marca e calçava botas à "federico" (bota ponteaguda texana).
Entro na porta da emigração e....... ó Deus, disse para os meus botões e mandei um palavrão: estou f********, não me deixam entrar.
Razão: é que Portugal e a Índia ainda não tinha colocado as contas em dia desde a invasão de Goa!
Sabia lá eu dessas politiquices... Eu até já era um cidadão do mundo e nas tintas se Portugal e a Índia se tinham já "acomodado" ou não.
Os funcionários da emigração informam-me "sir you must go back to Dubai, Portugal and Índia have not diplomatic relations".
Mas entretanto uma senhora, funcionária, pede-me o passaporte (passporte de capas verdes e só mais tarde, como os tomates maduros ficou encarnado) e saiu.
Passado poucos minutos chega um funcionário (era o chefe da emigração do aeroporto de Bombaim), homem de uns 35 anos e fala o português igual ao meu.
Esta história que agora a conto é uma das mais lindas de minha vida...
Aquele funcionário, considerava-se português como eu e visível a sua satisfação de estar perante alguém que se exprimiam na mesma língua a de Camões.
Não fui despachado, de volta, para Dubai, mas saí imediatamente do aeroporto, acompanhou-me ao táxi, recomendou ao motorista o hotel para onde me deveria levar.
À noite jantamos juntos no Caesar Hotel.
José Martins
P.S. Embora tenha conhecimento sobre o desenvolvimento industrial da China e da Ìndia, ficará para outra ocasião.

Anónimo disse...

Sr. José Martins

Uma das coisas que mais gosto são histórias de viagens. As pessoas que mais admiro, entre elas o Chefe Antunes Ferreira, têm como denominador comum o facto de serem viajantes quase compulsivos.

E que tal fazer-se uma série de crónicas na Travessa dedicada aos amigos TrotaMundos, com publicação, por exemplo, semanal... Tenho mesmo saudades das aventuras do Casal Antunes Ferreira por esse "Mundão a fora", como dizem os brasileiros.

Senhor José Martins, mais uma vez, adorei a sua narrativa, espero que nos conte mais da viagem da sua vida.
AS

Anónimo disse...

O Senhor José Martins tem imensa piada, tanta que até lhe desculpamos umas «sarrafadas» no Português. O seu despique com o seu Amigo Dr. Antunes Ferreira terá de ser, um dia, esmiuçado.

Tal conversa a dois, qual dueto de viajantes será, estou certo, um momento muito engraçado, pois ambos gozam dessa faculdade de escrever coisas muito interessantes, salvaguardadas as devidas distâncias. Fico à espera.

Antunes Ferreira disse...

Ó sôr José MMM (Mentes? Minto! Martins).

Relações que vestem fraldas - na nossa idade? Só se se tratar de analisar a segunda... infância. Está intimado, querido amigo da Cidade das Anjas e dos Anjos: toca a (re)escrever para o Travessa.

E não se preocupe com as tais (e algumas) «sarrafadas» apontadas pela Dr.ª Paula Marques. Que é um amor. Mande uns mails e eu, como ex-chefe de Redacção, dou-lhes um jeito, tentando não fazer perder o seu peculiar sabor e saber. Avante, camarada! (salvo seja...)