quarta-feira, setembro 13, 2006





Promessa e compromisso

Antunes Ferreira
Não tenho o prazer de conhecer pessoalmente o jornalista Pedro S. Guerreiro. Mas sou seu leitor assíduo, bem como do Sérgio Figueiredo e da Luísa Bessa. Aliás, embora não seja o meu domínio, de forma nenhuma, registo aqui que, como quase leigo na matéria, o Jornal de Negócios é bom, bem feito e acessível a ignorantes como eu.

Nunca me permitiria, pois, discutir o que o jornal e em especial estes três colunistas dão à luz do dia. Como velho jornalista que sou – caldeado em muitas situações, algumas bem difíceis, outras menos agradáveis, outras ainda mais empolgantes – tenho para mim que o que hoje se publica quotidianamente pouco ou nada tem que ver com o que se paria quando, por exemplo, chefiava a Redacção do Diário de Notícias.

Mas tenho de acrescentar que já lá vão uns bons quinze anos. Se o Mundo mudou o que mudou neste espaço de tempo, como não haveria de mudar a maneira de fazer jornais? E já nem me refiro a estes «mistérios informáticos», a estas tecnologias de ponta, a estas cibernéticas democratizadas.

Somos o que somos e no tempo em que estivemos, estamos e, quiçá, ainda estaremos. Completo 65 anos já na próxima semana e um destes dias disse a minha mulher Raquel que com o peso do calendário, volta não volta precisaria de duas canadianas. Isto em frente de testemunhas tão idóneas quanto possível.

Com a ironia e o jesuitismo q.b. característicos, a goesa que me caçou há quase meio século, respondeu, na constância dos presentes, que o que eu queria eram duas canadianas, mas de 18 aninhos cada uma. E para quê? Acrescentou. Tu já não sabes o que havias de fazer com elas. Reticências, por favor.

É assim a vida. Venho eu escrevendo com alguma pertinácia e vezes repetidas que o País não está tão mal quanto o pintam os vencidos da política, os idosos restelianos. Ainda se pode ler acima o que penso do desempenho do meu Amigo Fernando Teixeira dos Santos, Ministro das Finanças de José Sócrates. E, zás, sai a terreiro o Pedro S. Guerreiro na edição de ontem do JE com o escrito que me permito transcrever de seguida.

Não pedi permissão ao autor, muito menos ao diário para o fazer. Mas creio que serei relevado da falta cometida – que não tem nada de involuntária. Dissera eu o contrário e estaria a mentir com quantos dentes ainda tenho na boca. Pois, funcionando como uma espécie de álibi, aqui está o artigo de que gostei tanto que o insiro no travessadoferreira. Tenho dito.

Há vida dentro de défice

Pedro S. Guerreiro
É
à confiança que o primeiro-ministro manda que lhe leiam os lábios: o peso da despesa pública na economia portuguesa vai cair este ano. É a primeira vez em décadas. Não é uma promessa, é um compromisso. Promessa foi estabelecer esse objectivo no Orçamento do Estado de 2006; compromisso é estar em Setembro com a informação económica e orçamental necessária para já poder descruzar os dedos.

No segundo trimestre deste ano, a despesa pública não só caiu face ao PIB como foi menor que a verificada no mesmo período do ano passado. Para um país que esteve obcecado com défice e contas públicas durante anos esta é uma grande notícia. Se for uma tendência sustentada, isto significa o princípio do fim da dependência das receitas crescentes. Era a fatalidade endémica das nossas contas públicas: uma despesa impossível de conter e que exige sempre que as receitas cresçam mais. Ou seja, que se cobrem mais impostos. Ou seja, duas subidas da do IVA de 17% para 19% com Durão, de 19% para 21% com Sócrates. Isso e venda de património e técnicas criativas.

José Sócrates diz hoje neste jornal que não será assim este ano. Que a despesa cai mesmo em 2006. Que o «monstro» das despesas com pessoal do Estado, essa componente hiper-rígida do nosso Orçamento, também cai. Há várias maneiras de olhar para estes números (e é necessário que se observe que a redução da despesa beneficia da saída de professores e de laboratórios nacionais destas contas), mas entre ver um copo meio cheio ou um copo meio vazio, é mais justo vê-lo a encher-se. Porque é um travão à despesa.

É em face deste cenário optimista (que inclui a «novidade» de o País dispensar este ano um orçamento rectificativo) que o governador do Banco de Portugal vem credibilizar a expectativa de ter um défice de 4,6% este ano sem recursos a receitas extraordinárias (no PSD ainda se jura a pés juntos que assim não será; o Banco Central Europeu duvidou do mesmo na semana passada). Mais: Constâncio admite rever em alta o crescimento da economia este ano – já se fala em aumentos do PIB de 1,3%. E isto num ambiente de retracção do investimento (parte do controlo da despesa vem também daí, o que não é necessariamente bom), com uma contribuição negativa da construção, que amarga ante uma estagnação na obra pública e uma quebra evidente no imobiliário, como mostram os dados do crédito à habitação agora revelados, com o menor número de contratos celebrados em cinco trimestres.

A economia portuguesa está a enfrentar os seus traumas. Já exporta de novo, já atrai investimento directo estrangeiro, já amedronta evasores fiscais, já começa a controlar a despesa pública. Desobstruindo estes atrasos de vida colectivos, pode enfrentar-se os seguintes da lista: flexibilidade laboral, investimento em inovação, burocracia, informalidade. No próximo ano, diz o Banco de Portugal, a recuperação do investimento (público, empresarial e das famílias) poderá dar um novo impulso à economia. É em 2007 que os projectos de IDE que Manuel Pinho e Basílio Horta exibem começarão a render, primeiro na construção de infra-estruturas, mais tarde nas exportações.

Esta é uma justa recompensa para os portugueses, que têm aceite apertar os cintos sem, apesar de tudo, grandes convulsões sociais. É também uma vitória do primeiro-ministro – até porque, contra a opinião corrente de então, soube afinal escolher bem o seu segundo ministro das Finanças.
(In Jornal de Negócios, 2006-09-13)

3 comentários:

Anónimo disse...

Dr. Antunes Ferreira
Cá estou eu, de novo, da Invicta Cidade, a entrar na dança. Com este hábito que adquiri de visitar quase todos os dias este blog, descubro com satisfação o artigo que transcreve do jornalista Pedro S. Guerreiro, bem como o seu.

Sou também leitor do J de N, que me parece o mais bem feito na área da economia, sem menos preso para os outros. E, apesar dos escritos que me criticaram, não perdi a vontade de colaborar. Assim fizessem muitos leitores e ver-se-ia a dimensão do travessadoferreira.

Hoje é só para dizer que mesmo para um descrente como eu os dois textos me cairam bem. Será que é desta? Ainda tenho muitas dúvidas... Mas se o nosso Portugal for em frente - palavra que até estou a pensar em filiar-me no PS, mas no PS do José Sócrates e do Fernando Teixeira dos Santos.

Para já, dou-lhes o benefício da dúvida. Até depois.

Anónimo disse...

O Ministro das Finanças disse ontem que encarava a possibilidade de baixar o IVA se... Se não for propaganda; ... se for verdade...; se tal vier a acontecer...; se for até ao fim deste ano...; se, se, se... ainda um destes dias seremos todos felizes. Se não...

Anónimo disse...

Sou de Santa Catarina e de ascendência alemã. Um amigo comum, Walther Kriegel me deu o enderesso de seu blog. Estou visitando-o quase todos os dias e me parece bem feito e muito levado com temas portuguêses. Creio que Santo Antônio o protege e vai continuar protegendo.

A política de Portugal me interessa muito. Tem coisas que é difícil de entender, gente boa e gente ruim, desde o Mário Soares até o Cavaco. Você parece estar por dentro, porisso o tou lendo com tamanho interesse. Tou tambem aprendendo muito com você, Doutor Ferreira.

As crónicas da guerra colonial são ótimas; um cara pode vêr que você participou dela e tirou proveito. Tem pessoal que deve ler elas com muita saudade.

Ôi Doutor Antunes Ferreira:

Eu lhe mando um abraço forte e solidário e vou prosseguir lendo seu blog e sempre que tenha a oportunidade vou escrevendo e registrando minhas opiniões e alguma dicas