terça-feira, fevereiro 05, 2008

GOA, AMOR MEU

Uma noção, nunca uma nação

Antunes Ferreira
Encontro Mário Cabral e Sá na Fundação Orienteali nas Fontainhas, bairro tipicamente em estilo colonial português que hoje aparenta querer ultrapassar a decadência em que estava. Casas antigas renovadas, outras a serem reformadas, com mais comodidades, ainda que mantendo a traça antiga.
Como acontece com a casa onde viveu minha mulher, na Rua do Natal, que o novo proprietário, da família Botelho me disse que estava a assim fazer.

A vivenda onde Paulo Varela Gomes dirige a delegação da Fundação presidida por Carlos Monjardino é airosa e bonita. O seu interior, cuidado, é funcional. Diz-me o responsável que se aproximam obras para ainda a melhorar, a serem feitas antes da monção, de outra forma seria impensável dadas as condições meteorológicas desse período do ano.
Se calhar até já começaram, pois a nossa conversa decorre em finais de Novembro. De 2007, claro.

É ali que, muito gostosamente, conheço pessoalmente o jornalista goês, que escreve para diversos órgãos de comunicação indianos, e também é correspondente da Lusa. Do que ele se lamenta, por receber pouco, esparsas vezes e, mesmo assim, com atrasos. Mas não é esse o tema da nossa conversa, ainda que registe o desabafo. Por diversas vezes - nas andanças que tenho feito pelos lugares a que os Portugueses chegaram e, mesmo, se fixaram – me tenho confrontado com uma constante que não resisto a registar neste blogue.

Noutra altura esmiuçarei a questão. Não deixo, porém, de a enunciar agora. Será que nós estamos a deitar pela borda fora (ou, o que é pior, já quase deitámos), esse tesouro da cultura miscigenada e da convivência com as gentes locais? Por agora, devo sublinhar que Mário Cabral e Sá é um profundo conhecedor de Goa e da sua História. Investigador de gabarito, senhor de uma cultura enorme (apenas de conversar com ele disso me apercebo), escreve em Inglês, Português e Konkanim. Quanto às duas primeiras, fá-lo excelentemente. No que toca à terceira, passo. Santa ignorância a minha na língua de Goa.

Assuntos os mais diversos vieram à baila. Esta salutar prática da oralidade dialogante é típica da terra. Já o escrevi muitas vezes, mas não me canso de o repetir. Varela Gomes é, igualmente, um interlocutor muito interessante, os anos que leva por ali, em mais de uma permanência, conferiram-lhe a habilidade de saber coloquiar. O que faz na maravilha.

Eu, é o que se nota logo à primeira vez. Perco-me pela cavaqueira, bastas vezes me excedo, depois penso, tarde piaste, que quase monopolizo a palra. Esta confissão e a correspondente contrição pouco adiantam. Já cometi o pecado, resta-me esperar pela hipotética e quimérica absolvição. Mas, na manhã ensolarada de Panjim, creio não ter ultrapassado os limites.

Veio à baila a Índia e o seu percurso, naturalmente decorrendo o tema do que anterior fora igualmente leitmotiv de Goa. Ultrapassada estava a lição que Mário Cabral e Sá me proporcionara sobre Gomantak, o nome por que foi chamada no período védico tardio. O jornalista acrescenta que tal época decorreu entre os anos 100 e 500 a. C. e em sânscrito significava «terra semelhante ao paraíso, fértil e com boas águas». Razão tinham - acrescento eu em voz off - em tempo de antes de Cristo. E pasmo.

Já no concernente à Índia, chega-se, fatalmente, à luta pela independência, a Gandhi, a Nehru, a Jinah, a Tagore. Explica Mário. A Índia, separada do Paquistão, contrariando o sonho do Mahatma, foi, alcançada a libertação, de imediato considerada União Indiana. Era difícil que assim não fosse; ela foi sempre uma noção, jamais uma nação. Espanto.

Quando me retiro, Varela Gomes e Cabral e Sá têm assuntos para tratar, já bastou de paleio, penso para mim mesmo, não se me afasta do bestunto essa afirmação. E vou andando em direcção ao Palácio do Hidalcão e cada vez convertido ao que o jornalista goês afirmou. Nestas coisas, apenas tenho de recordar o que o Povo diz: aprender até morrer. Que, juntamente com o pagar, quanto mais longe, melhor.

Fotos, de cima para baixo:
Antiga casa de minha mulher, em reconstrução
Fontaínhas - Fundação Oriente
Fontaínhas - Casa já recuperada
Fontaínhas - Pormenor
Independência da Índia - Gandhi e a roda de fiar

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