domingo, novembro 11, 2007



À RODA DOS DIAS

Novembro

Maria Lúcia Garcia Marques
N
ovembro sempre se me afigurou um mês pacífico e feliz, algo sério e muito ponderado, de quem faz contas à vida e toma o peso à consciência. Parece antecipar um qualquer fim anunciado e, pausadamente, na madura idade dos seus dias, vai pondo ordem na casa.

É o senhor absoluto do Outono, vestido dessas cores brunidas pelo tempo, em ouropéis de folhas, céus velados, fins de tarde de veludo a descair na noite – e os mil brilhos que se acendem nela mais parecem as velas de uma procissão que piedosamente vai fechando a ronda dos dias.

É o penúltimo dos doze meses do calendário de Júlio César que reformou o anterior calendário romano em que o ano começava em Março e, portanto, ele era o nono. Daí NOVEmbro (como SETEmbro era o sétimo, OU(C)TUbro era o oitavo e DEZembro o décimo). E eis que o número 11 que adquiriu na nova datação surge, na simetria dos seus dígitos, portador de harmonia e equilíbrio. Repare-se nestes dois 1s perfilados que nem soldadinhos de chumbo, sólidos e irmanados na sua postura vigilante e protectora numa paridade de pura simetria.

E a simetria dá segurança, conforta, repousa os olhos e a mente. No “efeito espelho” que lhe é próprio, tanto para os similares como para os contrários, retrata a dualidade de que os homens, a natureza e a própria vida somos feitos: o nosso corpo quase todo construído em duplicado (dois olhos, dois ouvidos, duas mãos...) e, no cosmos, a água e o fogo, a terra e o ar, o dia e a noite, o calor e o frio, como, na existência dos homens, o bem e o mal, o amor e o ódio, a guerra e a paz, o perdão e a culpa ... e, para todos, o inexorável dual, sempre em duelo, da Vida e na Morte.

Será por isso talvez que em Novembro, na espiritualidade católica, se celebram, geminados, o Dia de Todos os Santos – não apenas os dos altares mas também os vivos, que os há... – e o Dia de Finados, con-sagrando a memória dos que caminham, a par mas apenas sem se verem, dos dois lados do rio da existência: os Vivos e os Mortos. E nisso eu creio: tanto afã, tanto sofrimento, tanto trabalho duro e querer constante, tanta esperança e risco empenhados nesta vida têm de ter uma paridade: um lugar eterno de refrigério e paz, um tempo de justiça (de expiação, talvez, de regeneração, decerto), no outro lado, na outra margem, em terra de plena e límpida Alegria.


Uma paridade que, no registo terreno, São Martinho, o Santo do mês e tão do culto popular, intuiu, ao dar, numa noite de invernia, a metade da sua capa a um pobre que lhe pediu auxílio. Veja-se a inteligência do gesto: a caridade não esteve em dar tudo, pois despojar-se inteiramente mais não fazia que inverter as posições e manter intacta a injustiça; esteve sim em repartir, dando do que era seu em quinhão igual, exemplo vivo da partilha equitativa dos bens deste mundo pelas criaturas de Deus.


E ponto final em tanta “filoteologice”! Vamos mas é àquilo com que Novembro rima mesmo: um bom punhado de “quentes e boas” com um copinho de jeropiga. E venha de lá esse Verão de São Martinho!

NR - Castanhas - caras. São Martinho - raro. Prefiro agua-pé. AF

1 comentário:

Maria Faia disse...

Estimado Amigo Antunes Ferreira,

Apesar das minhas grandes ausências, quero hoje deixar-lhe nesta sua casinha um beijo amigo, com votos de Festas Felizes e de um Ano Novo repleto de alegrias e Felicidades.

Beijinhos,
Maria Faia