segunda-feira, novembro 05, 2007
Suíças há muitas
Antunes Ferreira
O mal é um homem ter nascido ingénuo e manter-se assim depois de largadas as fraldas, jogar Play Station, comprar um curso universitário e um carro, namorar e dar o sagrado nó. A ingenuidade tem um preço, que difere de titular para titular, de acordo com o militante dela, com a galhofa dos que o rodeiam – os humanos são muito maus, mesmo péssimos – e com os cromossomas. Não sei bem porquê, mas fica sempre bem utilizar termos genéticos.
No fundo ela é uma ilha. Rodeada de malandragem por todos os lados. Claro, menos por cima e muito menos por baixo. Uma ilha só, nada de arquipélagos ou regiões autónomas, tal qual a do Robinson e do Sexta-feira, istmos à parte. Que o Mister Daniel Defoe não se melindre com a comparação quiçá espúria. Mas, neste isolamento, o protagonista é só um, nada de comparsas mais ou menos selvagens a anteriori.
Segismundo Palha tem 26 anos, um metro e setenta e nove, bem medido, setenta e dois quilos, em pelota, tem o canudo de Gestão, vota num partido do centro, embora não saiba muito bem o que é isso politicamente. Não milita, apenas deita o papelinho na urna de quando em vez, outras falta, nada de brancos – e nem é racista. Muito menos nulos. As coisas são muito desanimadoras, é o que é.
Comprou um T3 no Alto de Carnaxide, oitavo andar e meteu-lhe ar condicionado. É, ainda, proprietário de um BMW sem pedigri especial, segunda mão, mas em muito bom estado. Três anos, 42 mil quilómetros, ainda não precisa de ir à inspecção e 18 mil euros a seis anos. O seu gestor de conta no Banco do Jardim – atenção às caixas altas, é assim mesmo – confidenciou-lhe que fora um bom negócio.
Namorava há dois anos e uns ameaços, quando deu por si a propor à Rosalina, Chininha, nas revistas cor-de-rosa, casamento. Nesse período de tempo não tinham ido alem de uns beijinhos pouco repenicados, ela dizia que seria virgem até ao himeneu, ele concordara, o pai da pequena nem tinha receio de alguma derrapagem, os tempos vão como vão, e é raro encontrar um rapaz assim, bué de fixe.
Cerimónia a preceito, na Estrela, basílica cheia de flores e de pessoal, fotos no jardim também estrelado, não confundir, façam o favor, com ovos. Arroz, sim, muito, aspergido pelos colegas do noivo, do ISEG e da companhia de seguros, onde o Palha debutara e já chegara a responsável por departamento, muitos parabéns.
Lua-de-mel nas Maurícias, está na moda, do fino e do melhor. Lua, sim; mel, não. Bem se esfalfava a recém casada - e o ex-nubente, nada. Santa ingenuidade? Entrou a Ludovina por desanimar. Logo lhe havia de acontecer essa cena. Afinal, tanto se guardara para o branco do vestido de noiva do Tenente, e só o branco se justificava. Do estilista – no comments.
Retornados a Lisboa diz-lhe o esposo bendito que tem de se deslocar a Zurique, reunião da seguradora, coisa diminuta, daqui a três dias já estou de volta para o pé do meu amorzinho. Chequin informático e lá vai ele. E ela a desfazer-se em lágrimas com a mamã Ester, ó filha isso passa-lhe, deve ser só timidez.
O tanas, mamã. Vou toda descascadinha para a cama e ele, népia. E agora, baza para a Suiça. ‘Da-se! Isso são maneiras, menina? Não te ensinei a dizeres coisas dessas. E, alem do mais, até é bom que ali vá. As Suíças são sabidas. Não as das patilhas… O quê? Esquece. Vais ver que o Segismundo vem com outro entusiasmo e outras intenções.
Da Portela a casa é um pulo, a Segunda Circular está mais fácil com o viaduto do Lumiar. Amorzinho, quero fazer-te uma surpresa. Não pode ser, então as Suíças… Fecha as janelas do nosso quarto para que fique tudo escuro, ok? Oqueijíssimo, q’rido. E, já agora, dá folga à Olga (Olga é a empregada ucraniana, na outra vida, salvo seja, médica). Quero que estejamos sós.
Bendita viagem. Quarto apagadíssimo, nem cinzas, ucraniana a milhas, Chininha vai à casa de banho, roupas fora, colónia da Fátima, a Senhora da Azinheira ou o clube maravilha não têm nada com esta estória. Entra de mansinho no ninho de amor. Chega-se ao seu homem. E este, mostrando-lhe o pulso esquerdo onde avulta um relógio: Vê quiducha, luminoso, luminoso…
Puta que pariu as Suíças.
(Estória, com barbas, a que eu dou uma arquitectura nova, que me perdoe Siza Vieira)
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4 comentários:
Excelente Big Chief...hoje com este texto fez-me sorrir ao final de um dia tão dificil. Penso que se fosse eu a escrevê-lo, este seria um dos melhores cumprimentos que me poderiam dar. Obrigada pelas suas palavras que tão bem lavam a minha alma.
Ó Antunes, estáscom uma pedalada maior do que a da Vanessa Fernandes!
Cada texto diferente dos outros é um primor. E nem é necessário que recordes que te inspiraste em coisas antigas. Têm imensa piada e tu também, como sempre.
Já lho disse várias vezes, Doutor Antunes Ferreira, mas repito com muito gosto: você escreve mesmo muito bem. E diversicadamente. Sou sua leitora desde os seus tempos do Portugal Socialista, do Jornal Novo, do DN, até da Bola, e nada me espantam as suas proesas literárias. Continuo, por isso a ser sua fã.
Mas quero dar-lhe um conselho, com muita amizade e consideração. Sabe perfeitamente que tem muitas admiradoras. Quando o ouvia na TSF ou o via na RTP 1 e 2, apercebi-me que com a sua maneira de estar, a sua comunicabilidade, a sua cultura, com todas essas qualidades, trazia muitas senhoras e muitas meninas pelo beicinho.
É fácil admirá-lo e, porque não dizê-lo, «apaixonar-se» por si. O que aconteceu com amigas minhas e esteve quase a acontecer comigo...
Por isso, muita atenção. A Maria José Valério, nos seus tempos aureos (quando ainda nem pensava ter a madeixa verde) cantava uma canção muito gira, creio que da saudosa Beatriz Costa.
Dizia assim: Rapazes, cuidado, cuidado, rapazes. Há mulheres que de tudo são capazes, e a fortuna não está sempre ao nosso lado...
Como mulher sei bem das artimanhas e armadilhas que nós usamos para com os homens, muito mais ingénuos e parvalhões. Não vá em cantigas, sejam elas de «subordinadas» sejam elas quais forem. Um grande beijo
É bem o teu estilo ... avança com mais outra!
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