sábado, novembro 03, 2007




Não há duas…

Antunes Ferreira
Filipe Sargedas era um quarentão com a sua barriguinha, coisa de pouco cuidado, mas já saliente. Na Conservatória do Registo Predial, os colegas, na brincadeira, por certo, referiam-se ao pneu Filipestone e o segundo oficial não ia muito à bola com isso. Sacanas, resmoneava de si para si, gandas sacanas, um destes dias dou-vos o arroz. Quem sabe se até à sevilhana.

A digna e dedicada esposa, de seu nome Ludovina, prós amigos Vina ou mesmo Vininha, bem lhe dizia que devia ir perder os quilos excedentários, se até a Função Pública andava a dar cabo deles, excedentários, está visto, porque não havia ele de também o fazer. Na rua perpendicular, mais coisa, menos coisa, à sua, havia um ginásio, Health and Flexões, onde se podia praticar tudo, até hidroginástica, num antigo tanque para patos, avantajado, existente no quintal das traseiras.

Sargedas hesitava, porem. Porra, aquilo era carote, e ainda era preciso comprar o tal body-não-sei-quê, os ténis, essas coisas imprescindíveis para a função. Tudo na Sport Zone, embora. E, depois, vá lá saber-se se a estragadeira eurótica e neurótica não daria nenhum resultado na eliminação das adiposidades. Mais a mais, ele não era obeso, tinha apenas uns quilitos a mais. Uns vinte e tais, dó.

Tinha pensado em pedir ao Sôr Vieira para interceder junto do Camacho e ir para a Luz dar à dita, digo, dar umas voltinhas ao relvado, pois a Caixa Campus ficava na outra margem e ele vivia na Rua da Guiné, perpendicular à de Angola, no Bairro das Colónias – que, hoje, já deveria chamar-se das ex ou, quem sabe, dos PALOP.

Era uma outra característica que possuía, o benfiquismo agudo. Até fizera uma novena ao Santo Padre Cruz para que acontecesse o que aconteceu: o engenheiro Santos bazar. Reforçara, assim, a confiança no ilustre sacerdote em vias de, ao mesmo tempo que renegava sem tibiezas as claques que insultavam o Presidente, a quem o Benfica tanto devia. E outros havia que se atreviam a criticar. Porra!

Vieira não fora de modas. Andava um homem a sacrificar-se pelo clube e uns despeitados a ratar na pele dele. Portanto, «Basta! Intriguistas, invejosos e incompetentes não têm lugar no Benfica!» Parece que o Tinoco Faria não gostara, mas que se lixasse. E repetia que ao Presidente, realmente sim, o Benfica tanto devia No bom sentido do termo, diga-se, ainda por cima tristezas não pagam dívidas.

Mas os encarnados desmaiados, por vezes até cor-de-rosas, não eram a sua única consumição. A Vininha era a maior chatice. Que porque sim, que porque não, que ele já não era o mesmo de antes, havia por ali muita falta de tes…, perdão, desejo, entusiasmo, não a satisfazia. Isto porque a cama se tornara numa verdadeira terra de ninguém, obviamente para ele. Murcho a maioria das vezes, ela dizia que se tratava de reforma temporã. Se calhar o peso a mais.

O Pinto, subchefe da secção, era o amigalhaço do peito, vermelhusco também, mas apaniguado do Veiga (no que diferiam totalmente, o gajo era um bandalho, sempre se aproveitara do clube). Tinha uma foto da águia Vitória na carteira, junto a outra da mãezinha dele, felizmente ainda viva, lúcida e escorreita nos seus oitenta e tais, e bem lhe dissera, ó filho não te rales, vai tudo acabar em bem.

Filipe deixa-te de merdas e começa a tomar Viagra. Vais ver como isso se resolve. Não é que eu faça uso do medicamento, graças aos céus não preciso, abrenúncio, t’arrenego Satanás. Mas alguns compinchas que já recorreram aos comprimidos azuis, dizem que são bué de fixes. Nem pó. Com essas e outras ainda dizes, Fernando Pinto, que eu passei para o outro lado. Safa! Há muito gajinho que diz que do nosso lado para o dele muitos têm passado, mas do dele para o nosso não conhece nenhum, absolutamente nenhum.

As coisas iam assim, a Vina lamentando-se dia sim, dia sim, ai a minha vida logo esta desgraça me havia de cair em cima. Ainda se caísse outra coisa, vá que não vá. O Filipe não era um Felipão, como o Scolari, era apenas um Filipinho sem Luís, muito menos Vieira. Mas, quem sabe, melhores dias virão, esperançava a sofredora cara-metade.

Já passava da uma da madrugada, o Sargedas, repimpado no sofá da sala, a terceira cervejola na mão, uns tremoços para ajudar, seguia pela televisão o jogo entre o Inter e o Milan, repetição, cada um come do que mais gosta. Pensava mesmo em voltar ao frigorífico para mais uma bem geladinha. Ou quiçá um uísque, nada, não havia Castello em casa. Gelo, sim, mas não bastava. One de roques só de aperitivo.

Nisto, um berro tonitruante veio do quarto do casal, que estava às escuras, completamente. Filipe levantou-se de um salto e correu para o quarto, nem dava com o interruptor, mas acendeu a luz. A mulher, estendida na cama, nua em pelota, voltou a gritar. E um gajo abriu a janela da habitação, um rés-do-chão para o baixote, saltou e pernas para que te quero.

Vininha, que aconteceu, mulher? Entre o espantado e o acagaçado, ela respondeu-lhe com voz histriónica: esse filho da mãe fez sexo duas vezes comigo! Duas? E porque não gritaste logo da primeira vez? Ela, ensaiou uma resposta, mas saiu-lhe a verdade: Porque eu pensei que as coisas tinham mudado e eras tu! Só desconfiei quando ele começou a dar a segunda...

(Com um abração ao Claudino Henriques, meu comparsa apneico, que me enviou a estória em formato reduzido e que eu me dei o luxo de ampliar)

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro AF

Os teus «amigos»... de peniche, só falam quando tu escreves sobre a guerra colonial, muitos para dizerem bem, outros para te ameaçarem e insultarem. Estas tuas estórias deliciosas quase não motivam comentário que se veja. Há excepções, mas poucas. Já tens fieis? Criaste uma nova religião? A nossa Salina? O tal Joliva? a Dr. Marina?

Continua com estas anedotas muito bem escritas e, embora já com algumas barbas, que tu transformas como só tu sabes. Obrigado

Anónima Salina disse...

Sou tudo a favor.
E digo mais, já tenho saudades do "Trota Mundo"!
Adoro os textos das viagens do chefe.
AS

Anónimo disse...

Eu concordo convosco e não os conheço...mas tenho um viés: uma paixão assolapada pelo KK e por tudo o que escreve.

Anónimo disse...

Eu sempre disse que janelas abertas sao um perigo. O que vale é que nao gosto de futebol.