domingo, junho 10, 2007



Uma forma de comemorar o 10 de Junho
Ruy Barbosa e a nossa língua

D
iz a lenda que Ruy Barbosa, ao chegar em casa um certo dia, ouviu um
barulho estranho vindo do seu quintal.

Chegando lá, constatou um ladrão tentando levar seus patos de criação.
Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com seus amados patos, disse-lhe:

"Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes
palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da
minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes
isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada
prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala
fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te
reduzirei à qüinquagésima potência que o vulgo denomina nada."

E o ladrão, confuso, diz:

"Dotô, eu levo ou deixo os pato?"

NE - Ruy Barbosa de Oliveira (1849-1923) é, por muitos, considerado o Pai da República no Brasil. Natural de São Salvador, logo baiano dos sete costados, ele foi jurista, político, diplomata, escritor, filólogo, tradutor, orador e jornalista. Por duas vezes foi candidato à Presidência do seu País. Foi, ainda, Presidente da Academia Brasileira de Letras. A forma como tratava a língua portuguesa dez dele um dos mais importantes filólogos.

Foi, sem dúvida, um dos mais importantes personagens da História do Brasil; era dotado não apenas de inteligência privilegiada, mas também de grande capacidade de trabalho. Essas duas características permi¬tiram-lhe deixar marcas profundas em várias áreas de actividade profissional. Participou em todas as grandes questões de sua época, entre as quais a Campanha Abolicionista, a defesa da Federação, a fundação da República e a Campanha Civilista.

Já em 1891 fora nomeado Primeiro Vice-Chefe do Governo Provisório. Em 1892 abandona a bancada do Senado, depois de o ter justificado num discurso. Ainda nesse ano lança um manifesto à Nação no qual diz a famosa frase: "Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação. Eu ouso dizer que este é o programa da República". A sua independência, a sua verticalidade, a sua competência motivam invejas, conluios, campanhas contra ele. Por isso se exilou dois anos depois.

Sempre considerou e afirmou-o repetidamente, que o Jornalismo era a sua grande paixão. Aquando do seu exílio, viaja para Londres, de onde envia as "Cartas da Inglaterra" para o Jornal do Commercio a partir de 7 de Janeiro de 1895. Escreve então na imprensa:
"E jornalista é que nasci, jornalista é que eu sou, de jornalista não me hão de demitir enquanto houver imprensa, a imprensa for livre (...)"

Dele se contaram e contam e julgo que contarão muitas estórias, qual delas mais interessante do que as restantes. O domínio da nossa língua, a utilização que fazia esmeradamente dos vocábulos mais requintados e inusuais está na base de muitas delas. Que já passaram mesmo à lenda.

Num dia tão importante como é hoje, o dez de Junho, a língua que é a nossa Pátria, como disse Pessoa, fica bem aqui registada, penso, através de um desses contos inventados pelo Povo Brasileiro. Por isso e uma outra vez respeito a grafia usada do lado de lá do Atlântico. Assim, o que aqui publico foi-me enviado pelo compincha que é o
António Gravelho, também ele jurista. Para mim, tem carradas de piada. Donde, só me resta o agradecimento devido ao remetente que, assim, também assenta arraiais no Travessa. A.F.

1 comentário:

Anónimo disse...

Os brasileiros têm imensa piada. Não apenas pela forma «adocicada» de falar, mas também pelas expressões que usam. Esta anedota é muito boa, fez-me rir a bandeiras despregadas.

E o Dr. Ruy Bandeira que foi um grande lusófono presta-se a isso. Por isso, alem de umas boas gargalhadas que fazem sempre bem para desopilar, os meus agradecimentos aos Drs. António Gravelho e Antunes Ferreira.