sexta-feira, julho 13, 2007




À RODA DOS DIAS

Julho

Maria Lúcia Garcia Marques

Que supersticioso e mágico nos saiu este mês de Julho!

Uma 6ª feira 13 (dia de todos os perigos)
e, sobretudo, um 7 do 7 de 2007 que, em rima absoluta, inflama, nesta sua conjunção, os espíritos mais crédulos. E foi um corre-corre de casamentos e festas de aniversário – não contando os felizes acasos de alguns nascimentos – acontecimentos que, pela sua natureza própria, são altamente mobilizadores dos bons auspícios. É que sete invade a vida; vai da conta dos dias aos contos de fadas: sete são os dias da semana, as cores do arco-íris, as notas da gama diatónica ..., os anõezinhos da Branca de Neve, Polegarzinho e os seus irmãos ...

De facto e definitivamente o 7 é supersimbólico. A merecer uma consulta ao Dicionário dos Símbolos que nos lembra, a propósito: “Cada período lunar dura sete dias e os quatro períodos do ciclo lunar (7x4) fecham o ciclo. Por outro lado, a soma dos sete primeiros números (1+2+3+4+5+6+7) chega ao mesmo total: 28. Sete indica, por isso, o sentido de uma mudança depois de um ciclo concluído e de uma renovação positiva”.

Visto de outra perspectiva temos que “tendo criado o Mundo em seis dias, Deus descansou no sétimo e fez dele um dia santo: o sabbat – que não é verdadeiramente um descanso desligado da Criação mas o seu coroamento, a sua conclusão na perfeição. Este sétimo dia em que Deus descansou significa como que a restauração das forças divinas na contemplação da obra concluída, e marca um pacto entre Deus e o Homem”, entre o Criador e a sua Criatura. O sete simboliza assim a conclusão do Mundo e a plenitude dos tempos. São também sete as virtudes: as três teologais – Fé, Esperança, Caridade – e as quatro cardeais – Prudência, Temperança, Justiça e Força.

E acrescentam as minhas leituras: “No Islão, o sete é igualmente um número auspicioso, símbolo de perfeição: sete céus, sete terras, sete mares, sete divisões do Inferno, sete portas. Os sete versículos da Fatiha (surata que abre o Corão), as sete letras não utilizadas do alfabeto árabe que “caíram debaixo da mesa”, as sete palavras que compõem a profissão de fé muçulmana, a Shahada, etc. Durante a peregrinação a Meca deve-se dar sete voltas à Caaba
e fazer sete vezes o percurso entre os montes Cafa e Marnia”.

Também em África, o sete é o símbolo da unidade e da perfeição; “soma o “4”, símbolo da feminilidade e o “3”, símbolo da masculinidade, pelo que representa a perfeição humana – é o sinal do homem completo (com os seus dois princípios espirituais de sexo diferente), do mundo completo, da criação terminada, do crescimento da natureza. É, ainda, a expressão da Palavra Perfeita e, por isso, da unidade original”.

Se acreditarmos no Talmude, os hebreus viam também no número sete o símbolo da totalidade humana, masculino e feminino ao mesmo tempo; e isso pela soma de “4” e “3”: com efeito, Adão, nas horas do seu primeiro dia, recebe a alma que lhe dá existência completa na hora quarta e é na hora sétima que ele recebe a sua companheira, isto é, que ele se desdobra em Adão e Eva. Aliás, toda a Bíblia está repleta da simbologia do “sete” que a tradição judaica ainda preserva. Lembremos como exemplo o candelabro dos sete braços ...

E creio que tem também a ver com esta tradição um facto curioso acontecido comigo. Foi assim: herdeira de uma velha casa na aldeia de meus sogros e pai, na Beira Alta, decidi recuperá-la, conservando-lhe as características e restituindo-lhe a visibilidade dos materiais típicos da zona. Nessa intenção, mandei retirar o reboco caiado, tratar adequadamente a pedra agora posta a descoberto e picar o granito dos cunhais e molduras de portas e janelas “criminosamente” pintadas de cinzento.

A casa é tipicamente beirã: lojas em baixo com duas grandes portas térreas, habitação no andar superior a que se acede por uma porta ao nível das lojas, ladeada à esquerda por um pequeno óculo. Construção modesta, possui, no entanto, numa janela do 1º andar e numa das portas das lojas, um trabalho de cantaria na moldura superior: arco de quilha quebrada na janela, ornamento gótico do meias bolas na porta da loja. Ao observar este último, alguém comentou: “É engraçado, só tem cinco meias bolas ...! Se fosse casa de judeu teria sete”. Fiquei alerta.

Estávamos numa aldeia em pleno perímetro dos judeus fugidos à perseguição dos tempos de D. Manuel I (entre Belmonte e Escalhão) e, olhando bem, além das características gerais da casa – as lojas e o janelo junto à porta, que permitia ver quem batia antes de se lhe franquear a entrada – que indiciavam ter ela pertencido a um comerciante (e os judeus eram-no preferencialmente), divisava-se um remate assimétrico nas ombreiras da porta ornada com as referidas meias bolas. Do lado direito o sulco do remate inferior do friso formava um ângulo recto perfeitamente visível, enquanto que do lado esquerdo desaparecia subitamente sob uma espessa camada de argamassa pintada de cinzento.

Recomendei então ao artista que iria picar o granito das ombreiras que o fizesse com o máximo cuidado pois o friso poderia não acabar ali. E, de facto, três dias depois, estavam a descoberto mais duas meias bolas, o remate adequado do friso com o sulco em ângulo recto descendente e uma falsa segunda ombreira colocada ao lado da primitiva estreitando a porta e rebocada de forma a apagar os relevos denunciadores. Eram sete as meias bolas e estávamos de facto perante uma casa de antigos judeus.

Lançada, porém, no afã de lhe desvendar mais história, esquadrinhei cantos e recantos, lajes e cantarias e acabei por descobrir, meio apagada e toscamente gravada no granito da ombreira esquerda da porta de entrada, à altura média dos olhos de qualquer visitante, uma cruz – envergonhada, reticente ou arrependida, quem sabe? – ténue e sofrida protecção de quem morava lá dentro e a custo sobrevivia a zelos fundamentalistas. Mandei também avivá-la na pedra, feliz por, na minha casa e na minha terra, hoje um símbolo de fé já não excluir o outro.

2 comentários:

Anónimo disse...

Deliciei-me, como já é costume, com a crónica da D. Maria Lúcia, desta vez, muito elaborada e documentada, além de, como sempre, excepcionalmente bem escrita.

Anónimo disse...

Boa mistura presente/passado, e que mais descobertas houve na casa?