sábado, julho 14, 2007






Acordo
ortográfico




Nelly Carvalho
A
cordo ou desacordo? Parece que ninguém se entende bem nesta questão de ortografia da língua portuguesa, sobretudo os maiores interessados que são os povos que a falam. Cada um acha que o outro foi o privilegiado na escolha da forma de escolhida para a grafia e todos temem se atrapalhar na hora da mudança.

O acordo ortográfico começou a tomar forma em 1986 e foi decidido por uma comissão formada de um brasileiro - Antônio Houaiss – e vários portugueses, além de observadores das repúblicas africanas de fala portuguesa. A pretensão inicial era apenas a louvável unificação das ortografias brasileira e portuguesa. Mas, desde o princípio foi olhado meio enviezado e com má vontade e chegou a ser chamado Acordo Mortográfico, porque achavam que não emplacaria. Agora, entretanto, parece que vai emplacar e entrar como norma.

Porém, o projeto inicial ampliou-se e foram incluídas a abolição do hífen, do trema e do H interior. Só faltaram incuir a abolição da escravatura... O Y,W,K voltarão triunfantes. A primeira vista parece simplificar a nossa vida, esta atualização do código escrito. Mas, na realidade, embutidas nestas regrinhas simples, estão as exceções que vão ser pedras no sapato do já mal alfabetizado povo brasileiro. Afinal, a palavra escrita é um retrato que temos na mente, e a ausência do hífen iria provocar grafias quilométricas que são avessas ao espírito da língua portuguesa, de certa forma, assemelhando-a ao alemão, esse sim, com uma longa tradição aglutinativa.

A primeira ortografia da língua portuguesa pertence a uma época remota quando o Brasil ainda não existia como nação. Foi a fase fonética e reinou durante este período a anarquia ortográfica. A seguir, por influencia dos escritores clássicos chegando aos românticos, tivemos um período do pseudo-etimológico, quando ressuscitaram letras mortas e sem valor fonético. Foi o tempo da “asthma” e da “phtysica”.

A partir de 1911, Gonçalves Viana, em Portugal, lançou bases da atual ortografia, adotada no Brasil com modificações, oficialmente em 1943. E é a que usamos hoje. Posteriormente, houve uma tentativa mal sucedida de reformulação e unificação em 1945, logo anulada. Chegou a ser ensinada nas escolas e adotada em livros didáticos. Mas foi revogada. A partir de então, a Língua Portuguesa ficou com as duas ortografias oficiais, o que se tornou um problema mais político que lingüístico, pois a língua portuguesa ficou regida por duas leis ortográficas, o que acontece com nenhuma outra língua.

Continuando as mudanças unilaterais, em 1971, foram suprimidos os acentos diferenciais – ainda hoje usados (sêca – seca/ côco -coco), inadvertidamente, por muitos que foram alfabetizados antes desta data.


O atual projeto de reforma que partiu de uma acertada decisão de unificar as “grafias” (porque nem a língua, nem os usos, nem as pronúncias jamais serão regidos por lei) ao ampliar-se, encontra ainda forte reação, sobretudo dos intelectuais portugueses.

O acordo/desacordo será uma adaptação, um ajuste, havendo inclusive, casos opcionais. É como funcionam as reformas ortográficas em espanhol, sabiamente conduzidas e autoritariamente impostas pela Real Academia Espanhola a todos os países "hispanohablantes”.

A reforma é apenas uma pequena tentativa de atualização de grafia, ajustando-a aos usos comuns dos povos lusófonos. Vamos chegar a um acordo sobre o que for resolvido sobre nossa ortografia?
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Abaixo as alíneas

Antunes Ferreira
A Professora universitária Nelly Carvalho já teve um texto de sua autoria publicado neste blogue, o que me deu muito prazer e, por certo, aos leitores que o visitam. É uma estrénua defensora da nossa língua. De resto, lecciona Português na Universidade Federal de Pernambuco.

O artigo, como habitualmente, foi publicado no PE360GRAUS da Globo, a quem endereço os meus parabéns e os meus agradecimentos. Outro tanto vai para o blogue da Embaixada de Portugal no Brasil que frequentemente dá a conhecer os trabalhos de Nelly Carvalho.

Reincido: Nelly Carvalho regressa ao Travessa do Ferreira. De novo respeito a grafia da professora, tanto mais que o título deste seu texto é sintomático – Acordo Ortográfico. Malaca Casteleiro, o ponta-de-lança da equipa portuguesa neste imenso e complicado assunto (para usar linguagem futebolística em que o desacordo é abissal…), ainda terá que esperar muito pelo fim deste ciclópico cometimento.

Entretanto, todos os contributos são bem vindos para se «ressuscitar» um acordo a que, como diz a professora Carvalho, muitos chamaram «Mortográfico». Estou certo de que todos os que falam a língua de Camões, Jorge Amado, Pepetela, Craveirinha, Corsino Fortes ou José Rangel, estão empenhados e terão de assim continuar num documento que seja actual, verdadeiro, coerente e actuante, sem se limitar a texto com parágrafos, números e alíneas.

Sejamos realista – que o mesmo é dizer práticos. Uma língua constrói-se, aprimora-se, desenvolve-se enquanto praticada por seres – vivos. De contrário, é uma língua morta.




1 comentário:

Maria Faia disse...

Caro Amigo Ferreira,

Interessante e construtivo este seu post.
A questão da Língua Portuguesa é-me muito querida porque, "vá-se lá saber... eu gosto muitíssimo da minha língua...".
E, apesar de me considerar ainda jovem, já sou do tempo em que se aprendia verdadeiramente a ler e a escrever em português gramatical e foneticamente correcto, de acordo com os cânones desse tempo.
Hoje, vejo espantada e revoltada que se acabam cursos superiores, se formam "doutores e engenheiros" e, estes não sabem escrever, e usam incorrectamente a sua própria língua.
Como é que chegámos a este estado?
Por isso, apesar de no texto que apresenta se dizer que o povo brasileiro é "mal alfabetizado", eu tenho que dizer, e para lamento de muitos de nós, que o povo Português também é mal alfabetizado.
Muito haverá por fazer nesta matéria e, eu espero que, quem direito, faça mesmo alguma coisa.
Não é possível continuarmos a tratar tão mal a nossa língua mãe.

Beijinho para si.