segunda-feira, julho 23, 2007
Que língua se fala no Brasil?
Rosilene Rodrigues
Que língua se fala no Brasil? A pergunta parece óbvia, pois todos sabem que é o português. Basta pegar um jornal, ligar o televisor, passar os olhos nas prateleiras de uma livraria, salta à vista que o português é a língua do Brasil! Observe que a pergunta faz referência apenas à fala e… será que falamos a mesma língua que escrevemos e lemos?
Há diferentes opiniões acerca do assunto; mas, para consolidar nossa opinião, observemos algumas situações concretas de uso da língua. Suponhamos que você está numa aula de Língua Portuguesa e se esqueceu de trazer o material necessário. O professor passa uma atividade e você diz ao amigo: - Me empresta sua apostila.
Ao ler a frase acima, muitas pessoas talvez nem reconheçam nela uma infração ao padrão culto da língua de tão comum que é. Note que essa é uma forma correta de falar naquele local e naquele momento. E que qualquer pessoa poderia utilizar uma frase como essa (não apenas as chamadas “pessoas incultas”). A frase acima pertence ao repertório lingüístico de qualquer brasileiro, pois é assim que falamos (ou você é daqueles que, pela manhã, dirige-se ao padeiro e diz: Dá-me dez pãezinhos?!). Podemos escrever diferente como, por exemplo, “Empresta-me sua apostila”, mas falamos daquele jeito.
Imaginemos outra situação: Um jovem , caminhando pela cidade, encontra-se com outro da “mesma tribo” e diz: “Fala véi, como cê tá? Tava falano docê gorinha mesmo!”
Essa frase, pode nos deixar estarrecidos, indignados; todavia expressões como “cê” (você) , “tá” (está) “falano” (falando) “docê” (de você) e “gorinha” (agorinha) são próprias da linguagem oral (apenas linguagem oral!).
Comece a observar, porque é assim mesmo que muita gente fala. Embora na escrita choque um pouco, porque está cheia de traços que não costumamos encontrar em textos escritos (ou pelo menos não deveríamos encontrar!): a preposição pra (em vez de para); o infinitivo vim (em vez de vir); a construção Você assistiu o filme? (em vez de Você assistiu ao filme?); a regência Professor, posso ir no banheiro? (em vez de Professor, posso ir ao banheiro?); as expressões fazer eles (em vez de fazê-los); o verbo tiver (em vez de estiver).
Na fala, o pronome nós é cada vez mais substituído por a gente, e, paralelamente, as formas de primeira pessoa do plural (fizemos, gostamos, íamos) vão caindo em desuso. Há pessoas que não as usam praticamente nunca. Querem mais? Na fala, a marca de plural não aparece em todos os elementos do sintagma. Assim, formas como “Esses aluno danado!” (ou ainda “ques aluno danado!”) está presente na fala de muitos de nós. Na escrita, naturalmente, a marca de plural é sempre obrigatória em todos os elementos flexionáveis: Esses alunos danados. Também é comum ouvirmos: “Cê vai saí com nóis?” , escrevendo, tem de ser: Você sairá conosco?
Acredito que não é necessário continuar. As diferenças são muitas, como todos sabemos. Elas constituem uma das dificuldades principais que enfrentamos nas instituições de ensino, ao tentar produzir textos escritos. Aliás, por que temos tanta dificuldade em escrever textos em português? Não é nossa língua materna?
A resposta é simples, mas pode surpreender alguns: não, o português escrito não é a nossa língua materna. A língua que aprendemos com nossos pais, irmãos e avós é a mesma que falamos, mas não é a que escrevemos. As diferenças são bastante profundas. Em outras palavras, há duas línguas no Brasil: uma que se escreve e outra que se fala. E é esta última que é a língua materna dos brasileiros; a outra tem de ser aprendida na escola, e a maior parte da população nunca chega a dominá-la adequadamente.
Mas não sejamos hipócritas em achar que tudo é permitido, pois, em determinadas situações comunicativas, espera-se da pessoa (dependendo da função social que ela exerce) uma linguagem (mesmo a oral) mais próxima da norma padrão escrita. Não se aceita que um administrador, por exemplo, num simpósio, fale “a gente fomos”, “pra mim fazê” (mim não faz nada!), “cê tá se empenhano”.
Na sociedade, exercemos papéis diferentes. Eu, por exemplo, mal deixo de ser mãe de um garoto de quase seis anos e já sou professora de alunos do sexto ano; algumas horas depois já sou professora da graduação, esposa, filha, funcionária, colega, amiga… E, em cada uma dessas situações, a linguagem é diferente (mesmo na fala!).
Falar ou escrever bem uma língua não significa usar em todos os momentos da sua vida, a norma padrão, mas sim adequar a linguagem ao ambiente, ao propósito enunciativo. Tanto é inadequado dizer “Por obséquio, passe-me a salada!” num almoço com a família, quanto um advogado dirigir-se ao juiz, num tribunal de júri, “Meu caro colega, o réu é inocente!”. A questão é de inadequação e não de erro.
Amar a nossa Língua
As coisas são o que são. Umas quantas pessoas ensinaram-me a amar a nossa Língua Portuguesa. Escolho: o meu tio e professor primário em Montalvão, Domingos Antunes; a Dona Clélia Marques, minha professora da quarta classe, na Escola Mouzinho da Silveira; a Dr.ª Maria Helena Lucas, minha professora no Liceu Camões e, a citação é de justiça e mérito, a Dr.ª Maria Lúcia Garcia Marques. Claro que livros e autores constam também de um acervo sem fim. Poderia aqui mencionar uns tantos, mas eles multiplicar-se-iam de tal forma, que cairia no ridículo de quase reproduzir um lista telefónica, ainda que das páginas brancas.
Sem cair na repetição calina, o blogue da Embaixada de Portugal no Brasil entrou de pleno direito nesta panóplia. O Francisco Seixas da Costa já faz parte, por isso mesmo (já fazia antes pelo mérito de primoroso cultor da nossa Língua) dos «culpados»a que acabo de me referir. Sem atenuantes, acentuo. Através do blogue tenho vindo a encontrar textos que reproduzo neste Travessa. O que muito gosto me dá, como podem compreender.
Hoje aqui registo o artigo da Dr.ª Rosilene Rodrigues de Carvalho que é Mestra em Estudos de Linguagem pela Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT, professora de Língua Portuguesa na Rede Pública Estadual de Ensino e na UESP-FAIESP, Universidade Especial Sobral Pereira – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da mesma. O artigo foi publicado em «A Tribuna», de Mato Grosso. A quem agradeço, bem como à Autora. Com uma promessa: vou continuar nesta senda e a ser vosso leitor. A.F.
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