quarta-feira, janeiro 17, 2007
ANTÓNIO LUCIANO DE SOUSA FRANCO
Uma homenagem
Maria Lúcia Garcia Marques
Realizou-se ontem (16 de Janeiro), na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, uma cerimónia académica de homenagem ao Professor António Luciano Pacheco de Sousa Franco, com o lançamento de uma monumental edição – três volumes – do in memoriam que lhe dedicaram os seus pares. Voltou a ficar mais próxima a recordação do amigo e foi pretexto para tirar da gaveta o texto que escrevi a poucos dias da sua morte e que nunca tive coragem de publicar.
Ao Amigo
- a 18 de Junho de 2004
Cumprimos hoje o último dos rituais – o requiem do 7º dia. E ainda não aceitamos que o António Luciano tenha partido. Mas, de facto, «O Amigo - morreu»! Assim, como se escreve. Em duas palavras – na curva de um minuto para o outro, sem aviso, sem predição, sem adeus ... assim!
E como na natureza, à volta de qualquer despojo, a vida movente começou a reorganizar-se atraída pelo precipício desse súbito vazio. Em busca de um sentido: primeiro circular e assombradamente curioso, depois judicioso como se a vida – ou a morte – precisassem de explicação ou sequer... autorização. Todos esquecemos – e imperdoavelmente nós, as mulheres, dadoras de vida – que a morte nasce com cada vida que pomos neste mundo. É o forro silente, subtil e absolutamente inseparável de cada momento de existir. Nasce a oriente, como uma estrela negra a caminho do sol, e para ele sobe até que, de repente, o atinge e apaga a luz da nossa vida. E tudo o que celebrávamos fica suspenso num pasmo e num silêncio tão vazio que é como se as raízes tivessem sido arrancadas com tanta força e perícia que nem tivéssemos sangue para nos aterrorizar ou lágrimas para (nos) chorar.
E foi assim que O Amigo partiu. E, subitamente, todos fomos próximos e queridos, todos nos apropriámos de bocados da sua vida que exibimos cruzados com a nossa, todos achámos que o conhecíamos – oh, como o conhecíamos bem ...!: é aquela história e aquela confidência e as pérolas que recolheramos das suas pródigas palavras, do seu sábio e escolhido convívio ...! Era O Amigo e estava ali, à nossa mão, à nossa mesa, padrinho dos filhos que íamos fazendo, enquanto ele ungia a sua solidão com profundos exercícios de saber e nos representava a todos nos altares e nas barricadas, nos olimpos e nas mesas de trabalho. Era a nossa salvaguarda, a nossa válvula de segurança, a nossa ração de combate, a nossa reserva de conhecimento e redenção para os dias difíceis que vêm sempre depois do carnaval da liberdade e dos tropeções da emancipação.
Era O Amigo-solidário e disponível. Com os defeitos das suas enormes qualidades que, complacentemente, adoptáramos todo inteiro e guardávamos como a jóia de família. Em alegre e benévola com-partilha.
Foi O Amigo que um dia – como não tínhamos pensado seriamente nisso ...? – escolheu o seu caminho privado, arrumou os seus afectos, acendeu a sua lanterna, saiu a terreiro e proclamou a sua verdade e a sua vontade, estendeu a sua mão e seguiu o seu caminho, por outrem acompanhado.
E num afã confuso de formigas surpreendidas por um obstáculo, os amigos movimentaram-se para longe ou para junto, reticentes ou definitivos, mas sempre na sua órbita. E foi o momento de se redesenharem e definirem nessa contraluz que não deixava, no entanto, de os iluminar. E O Amigo deixou o altar da amizade e da devoção sincera pelo palco do agir público, da admiração vistosa, do espectáculo do “poder-aos-molhos”.
E dos amigos choraram os olhos – O Amigo virara de bordo, era outra a face da Lua ... – mas mesmo na sombra, estávamos todos lá!
Porém, caído em mãos ávidas e bárbaras, criminosas na sua ignorância de criança que espatifa vorazmente o brinquedo demasiado sofisticado para ela, foi usado, explorado e, exaurido, tombou no átrio mesmo da sua nova ambição. E os amigos olham agora o futuro oco, ouvem o silêncio dos passos de quem partiu para longe – para lá? – do Ali onde o tinham imaginado sempre, tutelar e, a seu modo, fiel.
E sabem que, se, no seu caminho, O Amigo foi, porventura, muito do que queria ser, encontrou quanto buscava e partiu para a Luz, o caminho deles teve o que nunca mais terá: a pegada companheira, o orgulho e o júbilo da sombra amiga, a alacre cumplicidade do ser excepcional que era O Amigo-que-partiu.
E calam. In perpetuam rei memoriam!
... e agora, eu
Antunes Ferreira
Ontem estava fora do País, fazendo pela vida. E apesar de saber da Homenagem ao Prof. António de Sousa Franco, que os seus colegas de ensino lhe prestavam na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, não pude estar presente. A omnipresência, segundo dizem, é propriedade dos deuses. E eu... Gostaria de o ter feito. O meu Amigo merecia-o. De resto, o Ricardo Charters, outro Amigo de longos anos – estamos todos a ficar velhos… - recordara-me a sessão solene.
O António Luciano foi um Amigo desde que entrámos no Camões para o 1.º ano liceal (era assim que então se dizia). Das carteiras do edifício da Praça José Fontana, passámos para os anfiteatros da novíssima Faculdade de Direito, acabada de estrear, ainda a cheirar a tintas. Ao longo doa anos nunca nos afastámos – por mais longe que estivéssemos um do outro. Trocámos extensas cartas durante os oito anos em que me encontrava em Angola. Quantos desabafos e quantas revelações. A Amizade é assim. Vive-se. Não se agradece, nem se justifica.
No DN muitas e muitas vezes lhe pedi colaboração, nunca recusada. E quando me convidou para criar o Gabinete de Comunicação do Tribunal de Contas, a que presidia magistralmente (como, de resto, sempre fez durante toda a sua vida pessoal e profissional), aceitei, naturalmente. Depois foram os anos do Ministério das Finanças, ele como titular da pasta, eu como seu diminuto colaborador. Pensando bem (agora), talvez não o devesse ter feito, dadas as vicissitudes que se verificaram ali no Terreiro do Paço, e a minha tristeza e desânimo pelo que não fui capaz de fazer – com ele. Mas, ninguém deve chorar sobre o leite entornado.
Seguiram-se uns diabólicos cinco anos em que estive possuído por uma doença que não desejo nem aos meus piores inimigos, que os tenho. Uma depressão bipolar, seis psiquiatras e finalmente a Dr.ª Alice Nobre que me pôs fino e a quem chamo a minha Santa da Ladeira. Sequelas do Ministério? Dos aborrecimentos que ali se verificaram? Das minhas chatices? Da minha incompetência? Da minha ingenuidade? Ou da minha publicidade? Sim? Não?
Quando recomeçava a viver normalmente, caiu-me em cima a morte do António Luciano. Apesar de ainda muito combalido pois saía do negrume da maleita infame, acompanhei a sua mulher Matilde e a filha Inês, naquilo que me foi possível, do velório da Estrela até aos Prazeres, uma caminhada a pé que nunca mais esquecerei. Ponto final.
Por tudo isto, repito que muito gostaria de ter tido o privilégio e a honra de assistir à Homenagem Universitária de ontem. António Luciano Pacheco de Sousa Franco sempre foi um Professor. O Professor. A Universidade era a sua casa, a par com a residência particular, é óbvio. Por mais funções que tenha desempenhado, ele era um Mestre. E em todas – foi-o.
Um dia, num jantar em Bruxelas, durante um Ecofin, no Chez Leon, juntamente com o Rodolfo Lavrador – um quase filho-amigo… - disse-lhe, corroborando uma afirmação do Sérgio do Cabo, seu ajunto e outro bom amigo, que ele, António Luciano, era um extraordinário político, ainda que o negasse com frequência. Rimo-nos muito.
Na volta a Lisboa, sentado ao seu lado no TAP 347, acrescentei ao que atirara na véspera, frente a uma radiosa travessa de marisco, que ele era o Presidente da República de que Portugal necessitava. Estou a vê-lo. Afivelou aquele seu peculiar sorriso apetencialmente naif mas profundamente irónico: «Henrique Armando: Achas?...» E ficou-se por aí - e eu também. Se não achasse, não lho tinha dito.
Um Abração, Amigo. Vou ali atender gente da Comunicação. Volto já.
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2 comentários:
Fui aluno do Prof. Dr. Sousa Franco. Fiquei seu admirador. Um Homem sem mácula. Segui todo o seu percurso até à morte. Só a porca da política o conseguiu abater. O Cavaco bem o tentou quando o Prof. era Presidente do Tribunal de Contas. Mas não conseguiu nada.
Obrigado aos autores destes textos, mas, sobretudo, muito obrigado ao Mestre
hglnEu também!
Conheci o Prof. Dr. Sousa Franco em 18 de Setembro de 1997 em Banguecoque. Foi por ocasião da Reunião dos Ministros das Finanças da Ásia-Europa que teve lugar no Hotel Oriental.
Fui incumbido para esperar o Sr. Ministro e membros de sua delegação: Dr.Antunes Ferreira,Dr. Rodolfo Lavrador, Drª. Matilde Sousa Franco e esposa do Dr. Lavrador.
O embaixador Mesquita de Brito (em gozo de férias em Portugal)recomendou-nos que se procurasse oferecer a melhor hospitalidade. Acompanhou-me a Srª. Encarregada de Negócios, Dr. Isabel Craveiro. A delegação chegou a Banguecoque ao fim da tarde a bordo de um avião da British Airways e quase que eu e a Dr.Isabel Craveiro deitavamos os bofes pela boca a correr dentro do aeroporto.
Causa é que à última hora o avião mudou de "pier" e tomou outra junto à Sala VIP.
Quando ali chegamos já o Prof. Sousa Franco e sua comitiva sentados na sala VIP à espera da "clearance" dos passaportes e da bagagem.
Pedimos desculpa por não nos encontrarmos à chegada.
Seguimos para o Hotel Oriental em três quatro automóveis e batedores da polícia à nossa frente. Acompanhou-me o Dr. Antunes Ferreira, no meu carro, um 1500CC que embora novo, vi-me e desejei-me para acompanhar os "monstros" de grande cilindrada e as motos mais de 1000.
O Dr. Antunes Ferreira, uma pessoa aberta e dialogante (ficamos amigos desde essa altura) e até,depois mais adiante, fizemos uma mercancia: troca de "cebolas", do meu lavrado e da parte do Dr. Antunes Ferreira, bacalhau da sua seca.
Bem é que eu na Tailândia sou sempre um pobre do fiel amigo...
Como não há comunidade portuguesa...não há bacalhau!
O Ministro Sousa Franco era uma personalidade que cativava as pessoas ao primeiro contacto. Dentro dele e na minha análise não estava perante mim um Ministro ou o proeminente Prof. Universitário que o era, mas sim um HOMEM onde não se notava, aquelas vaidades de ministro a que me habituei a conhecer em Banguecoque durante a minha longa vivência nesta cidade.
Estou a ver o Prof. Sousa Franco a rir-se e correrem-lhe duas lágrimas pela face, quando eu (mau contador de história)no decorrer de um almoço no Hotel Sokuthai, contei uma história, real, a da "sopa fria", episódio que aconteceu durante num jantar oferecido pelo Emb. Mesquita de Brito a determinadas indivualidades, portuguesas, onde eu estive sentado.
Ficamos amigos, porque o Prof. Sousa Franco era uma pessoa sem vaidades pessoais e fê-la comigo quando eu não era mais nem menos que um "manga de alpaca" e um mero representante do ICEP.
A Drª Matilde era, como o marido, uma senhora que cativava. Acompanhei-a às compras e pensava eu que iria comprar cortes e mais cortes de seda tailandesa,malas e outras bugigangas, como já tinha visto a outras esposas de ministros...
Enganei-me!
Comprou umas pequenas lembranças e.... Analisem,analisem "regateava" preços de tudo que comprava.
Uma grande senhora.
Minha filha Maria no ano seguinte foi passar férias a Portugal, telefonei à Drª. Matilde para fazer o favor de esperar a minha filha à saida do avião no aeroporto e entregá-la aos meus familiares que a esperavam na gare.
Junto à bagagem de minha filha seguiram raises de flor de lótus do meu jardim.
Os lótus são eternos e espero que se tenham aclimatado no jardim da casa do Prof. Sousa Franco.
Foi terrivel para mim quando vi o Prof. Sousa Franco,através da RTPi, em Matosinhos, entre uma multidão de gente já completamente desfalecido.
Futurei o pior e foi isso. O Prof. Sousa Franco e meu amigo faleceria pouco depois.
Paz à Sua Alma.
Os homens morrem, fisicamente, mas as acções dos bons HOMENS são eternas!
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