quinta-feira, dezembro 27, 2007





À RODA DOS DIAS

Dezembro

Maria Lúcia Garcia Marques
D
e onde quer que se olhe, Dezembro é um mês difícil. Paradoxal, diria eu.

É o último mês do calendário, mas celebra o começo de um tempo novo. Quer se creia quer não, o nascimento do/dum Deus-Menino passou a balizar a contagem do tempo – anno Domini (a.D.) – a ser marco universal da História – antes e depois de Cristo (a.C. e d.C.). E, quer se queira quer não, globalizada a festa deste advento, mercadeja-se um regozijo de circunstância, vive-se de luzes e outros brilhos, e a alegria parece multiplicar-se como que reflectida num jogo de espelhos paralelos. Há o calor das tradições sobreviventes, uma ou outra amizade ressuscitada, reencontros felizes, benevolências e reconciliações. Paz na terra...

Mas porque todos os espelhos têm o seu lado baço, esta é só metade da legenda e é nestes dias de Festas que se querem Felizes, que dói mais a dor do mundo. É o tempo de todos os balanços e os negativos vêm à tona com especial crueza e acutilância – e, quer o queiramos quer não – há uma culpa difusa que nos magoa por dentro e nos embacia o júbilo. São os desastres da Mãe-Terra, as fomes, as pragas e a doença, as injustiças e as humilhações, a exclusão, as solidões – tanto as próximas como as longínquas – que nos assolam a consciência e nos travam o coração.
É o tempo da Caridade induzida (antes esta que nenhuma ...) por esta Pobreza polimórfica cuja fome jamais se mitigará porque é o avesso perene de toda a Abundância e alerta, incessante e vivo, para toda a humana falência.

E por isso se acordam os homens de boa vontade, se chamam universalmente os pastores/curadores dos bens do mundo, nos interpelam a nós, nas nossas posses e poderes, no nosso afecto, para que se acorra aos multiplicados presépios do infortúnio e da exclusão, com as nossas dádivas – não apenas de socorro mas também de irmandade e esperança. Algo que, à nossa escala comum, se assemelhará à imagem que o Poeta (Ruy Belo) traçou de “Um Rosto no Natal”:


(...) Eu caminhava e como que dizia
àquele homem de guerra oculta pela calma:
se cais pela justiça alguém pela justiça
há-de erguer-se no sítio exacto onde caíste
e há-de levar mais longe o incontido lume
visível nesse teu olhar molhado e triste
Não temas nem sequer o não poder falar
porque fala por ti o teu olhar
Olhei mais uma vez aquele rosto. Era Natal
é certo que o silêncio entristecia
mas não fazia mal, pensei, pois me bastara olhar
tal rosto para ver que alguém nascia.


Nascer é ter Futuro e futuro é ter Esperança, esperança fide-digna, verdadeiramente digna de Fé. É dizer como Scarlett O´Hara, algures em “Tudo o Vento Levou”, sentados no último degrau deste ano que finda, olhando bem em frente: Amanhã, amanhã é outro dia!


***
E
aqui se me acaba o calendário. (Vitória, vitória, acabou-se a história!)! Foram folhas que caíram num chão amigo. Foram palavras com alma que vos fui encomendando. E agora acendamos a Estrela de 2008 com a esperança de que ela fique brilhando para todos, desanuviada e feliz.

NE - Ora muito bem. Terminou este ano desmiolado, começa um 2008 qual melão: só depois de aberto é que. De resto, o João Pinto portista ficou para a pequena história: previsões... só no fim do jogo.
Maria Lúcia: Está vocemecê intimada a continuar à roda dos dias. Não faltava mais essa que a minha voluntária & ilustre colaboradora acenasse e abalasse. A ser assim, aventava-a pela janela - de rés-do-chão, baixinho, está visto, se não ninguém mais aturava o JASGM. Principalmente, eu.
Por isso, menina: Janeiro, a tempo e horas, sem horas extraordinárias. Dizem que se está em tempo de crise. Crise estranha, em que os restaurantes caros estão a abarrotar de malta em crise; em que os andares de luxo de carradas de euros, são comprados na planta por malta em crise; em que os automóveis, os telemóveis, os computadores, os frigoríficos, o digital recheiam os haveres da malta em crise; em que as férias na estranja, Brasil, Tailândia, Leste, México, Maurícias, eu sei lá, aumentam exponencialmente para a malta em crise. Viva, pois, a crise. Com ela é que se vive bem, de preferência em economia subterrânea, ainda que o Teixeira dos Santos não goste nada.
Donde, querida Maria Lúcia: nem o Apóstolo das Índias a dispensaria da Travessa do Ferreira. Lázara: Levante-se e ande. A.F.

1 comentário:

Antunes Ferreira disse...

Uma anotação importantíssima: Maria Lúcia Garcia Marques continua no Travessa, ainda que noutros escritos que não aqueles que produziu mês após mês.

Tenho a certeza de que os que visitam este blogue ficarão muito satisfeitos: uma colaboradora de tal quilate não se arranja todos os dias. Perdê-la seria uma falta gravíssima de que muitos me pediriam contas.

Fica o Travessa e ficam os visitantes e leitores à espera da primeira colaboração nova. Pelo que me toca - muito obrigado, Maria Lúcia.