sexta-feira, dezembro 23, 2005

PÁGINAS

Da Montanha


Estou a reler Torga. Comecei pelos Contos da Montanha. E, se habitualmente, devoro num ápice os livros em que me embrenho, neste caso é absolutamente o contrário. Em Miguel Torga há que estar, saborear as palavras, rolá-las na boca qual Demóstenes, ainda que o não façamos para combater a gaguez. Do Transmontano continuo a colher tudo o que a terra produz, nomeadamente quando o húmus é tão fértil, tão gineceu, tão pletórico. E comprazo-me em aprender e apreender.
Pseudónimo literário de Adolfo Correia da Rocha, Miguel Torga nasceu em São Martinho de Anta, uma aldeia de Trás-os-Montes. Aos treze anos deixa o país e vai trabalhar para uma fazenda em Minas Gerais, no Brasil. Completa o liceu cinco anos depois, quando regressa a Portugal
Uns anos mais tarde, licencia-se em medicina, em Coimbra, na sua Coimbra em que viverá até que a morte o leva em 1995. Um excelente otorrinolaringologista. Um Mestre na Arte de escrever.
Nas suas próprias palavras, o nome Torga foi escolhido por ser «uma planta transmontana, urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas entre as rochas. Assim como eu sou duro e tenho raízes em rochas duras, rígidas, Miguel Torga é um nome ibérico, característico da nossa península (...)».
Pois, caros Amigos, estou a fruir de um Escritor que, sempre que nele me embebo, me faz colocar e recolocar uma pergunta: Porque não terá sido ele o primeiro Nobel português da Literatura? Que me perdoe o meu Amigo José Saramago, a quem o galardão máximo assentou que nem uma luva, mas o Torga (que tive o privilégio de conhecer e de com ele trocar ideias por algumas vezes) era, para mim, o primeiro destinatário do prémio – igualmente por mérito próprio.
Retomo o início. Estou dentro dos Contos da Montanha. Melhor: estou na montanha. Porque Torga era, é e será, a Montanha.

Antunes Ferreira

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