sábado, março 31, 2007

Salazar e Lúcia
reunidos na RTP


João Miguel Tavares jmtavares@dn.pt
E de repente, parecia que estávamos numa versão a cores do Estado Novo: Salazar transformado no mais popular dos portugueses e a irmã Lúcia elevada à santidade nos altares da televisão pública. Alguém que me belisque, porque só pode ter sido um sonho mau. Foi tão descabida esta semana da RTP que ela deveria corar de vergonha e devolver o cheque a quem a sustenta. E não me venham dizer que a vitória esmagadora


do homenzinho de Santa Comba numa votação telefónica não pode ser assacada à estação do Estado - eu digo que pode. Pode, porque a simples existência de mais de 60 mil pessoas que acreditam que Salazar foi o melhor que tivemos em 870 anos de História só é justificável por sermos uma pátria sem heróis nem referências, e por já ninguém se lembrar do que foi a ditadura, o lápis azul, Caxias e o Tarrafal, e sobretudo o país miserável, analfabeto e subdesenvolvido que nos foi deixado por quatro décadas de clausura geográfica e mental. Ou seja, mesmo que a RTP não tenha pecado por acção, ela certamente pecou por omissão: na altura em que a estação comemora 50 anos de vida, e que tanto se orgulha de ter contribuído para a construção de uma memória colectiva, eis o seu brilhante legado: Salazar e a irmã Lúcia.


Sim, a irmã Lúcia. Porque, na mesma semana em que embaraçadamente elegeu Salazar, a RTP mudou-se de armas e bagagens para o santuário de Fátima, para cobrir o centenário da vidente. E fê-lo com a mesma atitude com que há 50 anos cobria os actos do presidente do conselho: com muita devoção e nenhum sentido crítico. Desde logo, pareciam ser mais os técnicos da RTP do que os peregrinos, mas sobretudo nada desculpa o tom sabujo e diabético com que a emissão foi conduzida logo pela manhã. Ainda espreitei pelo canto do televisor, a ver se o cardeal Cerejeira não estava a passar lá ao fundo. Muito há a contar sobre Fátima. Tudo está ainda por dizer sobre Lúcia. Mas a esse trabalho a RTP não se deu. Preferiu colocar o terço na mão e cantar hossanas à indigência intelectual do país. A imagem é hoje a cores, mas a cabeça, essa, continua a preto e branco.

NE - Desta vez, tratei de fazer as coisas com mais cuidado. Telefonei para o meu Diário de Notícias e pedi para falar com o João Miguel Tavares. Resposta clássica e dolorosa: está de folga. Mau, eu com tão nobres intenções, decidido a solicitar a sexa autorização prévia e catrapumba - o homem folgava. Acontece.

Quem me informou foi o Nuno Azinheira, boa praça pelo menos ao telefone. Disse-lhe quem era e dos meus 16 anos de DN ao peito. Por ele, claro que sim. Acentuei que poria o nome do jornalista e bem assim o do quotidiano, como qualquer pessoa de bem faria. Ficàmos óptimos. Inscrevi-o na minha lista de endereços.

Amanhã, falo com o João Miguel Tavares. Dir-lhe-ei o que fiz e o prazer que tenho em o transcrever aqui, no Travessa. Porque me parece excelente o seu texto (o senhor gajo escreve muito bem) e ainda porque lhe quero pedir para fazer o favor de ler o meu sobre a fradenta criatura. Emitimos no mesmo comprimento de onda, digo eu. Assim, aqui fica o texto, aqui ficam os parabéns ao autor e, ainda, um pedido - que lhe farei também amanhã. Quando tiver um tempinho livre, escreva umas coisas neste blog. Bem haja, João. AF









DESTINO: MÚSICA

Link italiano

Têm-se nos dirigido, por mail e outros meios, leitores que dão conta de que o link da Música Italiana do último DESTINO: MÚSICA não está a funcionar bem. Disso, como é conhecido, quem sabe é o Tapman. Que, imediatamente, me mandou um outro. Aqui vai ele:

http://www.mediafire.com/?2ykeyefjdog

sexta-feira, março 30, 2007


RODA DE FIAR

A condição diaspórica e a sua crítica


Referência:
METAHISTÓRIA
Autor: Vários (org. Charles J. Borges, S. J. & Michael N. Pearson)
Nova Vega, Lisboa, 2007
Colecção: Documenta Historica/Série Especial



Constantino Xavier
Não é habitual um investigador júnior intrometer-se numa homenagem a um reputado académico sénior. À partida, reconheço, portanto, as minhas joviais limitações, agravadas pelo facto de eu me situar numa área disciplinar diferente da da História, que tanto tem merecido a
atenção do Professor Teotónio de Souza. Mas é, talvez, justamente esta condição jovem que me faz merecer esta oportunidade, aliada ao facto de ambos partilharmos uma condição diaspórica goesa. O Professor uma de primeira geração e eu uma de segunda. É sobre esta condição
diaspórica, e sobre a urgência da sua permanente crítica, que eu pretendo reflectir neste espaço.
Professor Teotónio de Souza

(...)

A importância do trabalho e da carreira do Professor reside no facto de ele nos lembrar que a segunda face, a mais negra, nos acompanha constantemente. E fá-lo por via da crítica. Questionando a celebração, obriga-nos a voltar a pôr os pés em terra e a enfrentar a realidade,
por mais que isso nos custe. Recorda-nos que a condição diaspórica que glorificamos é, em larga medida, fruto da nossa imaginação e o espelho dos nossos medos e das nossas ânsias identitárias. E urge-nos a interrogarmo-nos sobre as reais vantagens e desvantagens, bem como as
oportunidades e os obstáculos, que rodeiam esta nossa condição.

É justamente aqui que se encontra a explicação pela hostilidade com que alguns sectores da nossa comunidade goesa, mas também da sociedade portuguesa em geral, têm recebido a valiosa obra e as reflexões do Professor. É natural – mas infeliz – que hostilizemos a voz dissidente
e crítica, que nos obriga a repensar e a interrogar aquilo que sempre demos por adquirido. Mas, por mais que se tente, é impossível silenciar essa voz que o Professor adoptou para si. Porque essa voz, cheia de interrogações, reside naturalmente e intrinsecamente em toda e qualquer condição diaspórica. O Professor tem-se limitado a activá-la e resgatá-la da passividade a que a procuramos condenar no seio da nossa intimidade – pessoal, associativa ou comunitária.

(...)


NE – Mais um colaborador – e mais um Amigo. O Constantino, de seu nome completo Constantino Hermmans Xavier é um jovem investigador que está em Nova Deli desde 2004. Conheço-o desde que era estudante, de casa de seus pais, o Aurobindo, goês, e a Margaret, alemã. Trata-se de um «miúdo», pois conta apenas 25 anos, mas já é um nome conhecido e reconhecido no universo goês – e não só.

No meio da sua intensa actividade académica ainda tem tempo para escrever para o Expresso, a Revista Atlântico e orientar e dirigir o supergoa.com que apresenta sobre a hora as novidades de Goa. Além, claro, do seu blog a
Vida em Deli que tem o respectivo link aqui na Travessa e com inteira justiça e justificação.

É do
Vida em Deli que passo a respigar os textos que entenda interessantes para quem lê o Travessa. Isto, como «aperitivo» porque quem estiver interessado vai mesmo ao blog do Constantino, através da linkagem. Aqui, e de acordo com ele, como é evidente, que autorizou tudo isto, eles terão uma «cabeça» própria: RODA DE FIAR. A roda que foi emblema de Mahatma Gandhi e que, por isso mesmo foi inserida no centro da bandeira da Índia.

O Constantino é leitor do Travessa, tal como eu o sou da Vida. Oxalá vão aumentando os que passam a ler um e outro. Um abração, Constantino.
AF

quinta-feira, março 29, 2007


À RODA DOS DIAS


Março

Maria Lúcia Garcia Marques


é pau, é pedra, é o fim do caminho
é um resto de toco, é um pouco sozinho
é um caco de vidro, é a vida, é o sol
é a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
[...]
é o vento ventando, é o fim da ladeira
é a viga, é o vão, festa da cumeeira
e a chuva chovendo, é conversa ribeira
das águas de março, é o fim da canseira


- é Tom Jobim
e o meu pé de olaia florindo sem mim.

Março de Marte? Não, ainda que pareça, é de Mercúrio: primeiro mês do calendário romano, ao contrário do que o nome indica, era consagrado a este deus, filho de Júpiter, mensageiro dos deuses e protector dos comerciantes e viajantes.



O calendário gregoriano “terceirizou-o”, mas deu-lhe o tempo das águas benévolas, dos “ventos bailadores” das primaveras. Os verdes rebentam em frágeis euforias promissoras, há flores, há chuvas que são prantos de amor e céus lavados a abrirem-se na frescura de azuis enamorados.

Por isso, para mim, Março é de Marte – o deus da pujança romana – o deus da Guerra mas também o deus da Natureza, dos vegetais, o protector da Agricultura.

Deus tutelar dos filhos do Lácio no que de melhor souberam fazer: a arte da guerra e o cultivo dos campos.

Mês este em que – “esgotada já a primavera do meu tempo”, como diz o poeta – recordo um outro março, velho de 45 anos, o “nosso” Março de 62, em que eu vivi a minha “primaguerra” – a mais sincera e saudosa recordação da juventude, quando ainda acreditávamos que as primaveras refloririam eternamente e que “NUNCA MAIS!”

No entanto (e mesmo quando o coração já me começa a arrefecer), senhor marçagão, com suas manhãs de Inverno e tardes de Verão, nos seus 31 degraus de trono caprichoso, Março é o meu mês: “Pastoral” de um Beethoven largado à solta, continua a levantar-se ao som das armas e a porfiar nos campos de lavra, pigarço e duro como um cavalo dos deuses!

quarta-feira, março 28, 2007

DESTINO: MÚSICA



Os italianos dos 50s-60s

Tapman
A
cedendo a amável solicitação, aqui mando uma selecção com 20 canções do tempo em que ainda havia música italiana. Alguns temas emblemáticos terão ficado de fora, mas há sempre uma segunda chance, assim os passeantes pela Travessa do Ferreira o manifestem. O link, que se insere como habitualmente é

http://www.mediafire.com/?2ykeyefjdog


01 Domenico Modugno – Ciao ciao bambina
02 Gigliola Cinquetti – Non ho l’età
03 Emilio Pericoli – Al di la
04 Betty Curtis – Chariot
05 Arturo Testa – Io sono il vento
06 Corrano Lojacono – Carina
07 Bob Azzam – Romântica
08 D. Marino Barretto Jr. – La piu bella del mondo
09 Edoardo Vianello – Guarda come dondolo
10 Nicola di Bari – Chitarra suona piu piano
11 I Cinque di Roma – Stasera pago Io
12 Iva Zanicchi – Dio come te amo
13 Jimmy Fontana – Il mondo
14 Michele – Se mi vuoi lasciare
15 Mina – Tintarella di luna
16 Pino Donaggio – Come sinfonia
17 Ornella Vanoni – L’appuntamento
18 Renato Rascel – Domenica e sempre domenica
19 Patty Pravo – La bambola
20 Nico Fidenco – A casa d’Irene


A nota do Editor -O pinhal do Restelo

Mais músicas – mais música. O Tapman, cada tiro, cada tordo. Destas também eu gosto, e muito. Muitíssimo. Sou da colheita de 41, mais precisamente de 20 de Setembro, portanto imagine-se o que elas me cantam. Um homem não é de pau, diz-se e diz-se bem; tem memória. Recordar é viver, dizia a canção, aliás a partir de ditado que sei lá quantos séculos tem.

Andava eu pelos meus 16 aninhos bem medidos, nadava no Algés e Dafundo e dava os primeiros passos no rugby encaminhado pelo Dr. Manuel Matias, no Belenenses, quando o caso me aconteceu. Eu morava no Bairro do Restelo, o de baixo, de «casas económicas», onde, um dia, aquando da visita da Isabel II a Portugal aconteceu que um bando de polícias andou de vivenda em vivenda a dar uma ordem.

Qual era? Os pobrezinhos que por ali moravam tinham de tirar os respectivos carros estacionados nas ruas principais, pois no programa da visita de Sua Graciosa Majestade constava uma passagem por um bairro de pescadores (sic). Ora homens habituados às redes e outros aparelhos marítimos não podiam ter automóvel. Daí a intimação. O meu compadre José Hermano Saraiva, vizinho do lado, que viria a ser ministro da Educação e embaixador no Brasil, também tirou o seu Jaguar para as traseiras.

No canto direito das «lojas» – edifício que albergava os estabelecimentos comerciais e que ainda lá está, impávido e sereno, na esquina da rua de S. Francisco Xavier - tinha ficado das obras de construção (uns bons anos antes) um terreno baldio, onde o pessoal ia deitando uns lixos à sorrelfa, bem como cresciam uns cardos alimentados por tal húmus. O que deveriam ter sido os passeios nunca tinham passado do passado. Terra no Verão, lama no Inverno. Nem uma pedrinha de calçada. Apenas os lancis e upa, upa.

Pois na noite que antecedeu a visita real, pelas onze horas, dois camiões da Câmara Municipal despejaram ali um grupo de bacanos bem como um montão de pinheiros cortados no Monsanto ali ao lado. E passada a meia-noite, mais árvores natais serôdias. Os homens, então, convencidos de uma impunidade total, labutaram denodadamente até raiar a madrugada. Três cívicos e dois guardas-nocturnos vigiavam de beata ao canto da boca.

Fazendo o quê? Plantando um pinhal que nem queiram saber e que reduziria o D. Diniz a proporções microscópicas. Como. Espetaram laboriosamente os pinheirinhos no solo, de forma a ocultar a lixeira e os cardos viçosos. Simularam um passeio com umas quantas tábuas onde estavam pintadas pedrinhas mais ou menos alinhadas. E abalaram que o sol já subia no horizonte.

No dia seguinte a ilustre visitante, por falta de horário nem pela encenação a la Leiria passou. A sorte é madrasta. Mas os supostos impunes não o eram. Eu fazia parte de um grupo de galfarros que ensaiavam um roça-roça (que o Jean-Jacques também Rousseau) na casa de umas moças que ficava junto do cenário. Vimos tudo, ao som do Modugno, da Cinquetti, da Mina, do Carosone, do Marini, eu sei do que mais. E testemunhámos essa mentira arbórea, obra de um Estado que se dizia Novo, mas que agia como um velho desdentado. Que ainda não começara a sua curva descendente.

Os pinheiros enfezaram e secaram convenientemente
sur place, pois ninguém os foi recolher. Já se fora o casal real, donde. A zona voltou à condição de cloaca temporariamente travestida. E a malta daquele tempo – e eu sou disso um (mau) exemplo – sempre que ouve agora, ainda que rarissimamente os heróis vocálicos italianos, logo relembra o pinhal da rainha isabelinha, assim baptisado sem bênção nem hissope. AF


terça-feira, março 27, 2007


Mais uma anedota
de portugas

Antunes Ferreira
Juro que aconteceu mesmo assim. De tal forma fiquei pasmado, que deixei passar dois dias para me distanciar – poucochinho – da alarvidade. Tenho de o dizer, sem qualquer pejo ou auto limitação: somos, nós os Portugueses, uma gente de merda. Movemo-nos na bosta com o à vontade de quem pratica um tal exercício há tantos séculos que já não sabe sobreviver sem trampa. Eu escrevi somos, não grafei são.

Perdoem-me a terminologia. Garanto-vos que é tal o asco, que ela podia ser muito pior. A Dona Maria Elisa escolheu voltar às lides televisivas com um concurso que já demonstrara, pelo menos a nível europeu, que era abaixo de cão, que me perdoe este animal classificado como o melhor amigo do homem. Até me trato por tu com ela; somos jornalistas, ambos; acho-a uma profissional excelente. Mas, neste retorno ao pequeno ecrã, meteu-se toda na poça. Desde o pé até aos cabelos.

Que os votantes que elegeram o Salazar como «o maior português» se tenham organizado para alcançarem os 41 por cento esmagadores, acho que só fizeram o que entendiam, entendem e entenderão: que é salutar que assim seja. Recorreram ao velho truque das chapeladas? Nada. Apenas se uniram e combinaram a tramoia. Disciplinadamente. Usaram as cliques. Os comunistas fizeram o mesmo, o que, aliás, lhes é habitual. Mas, a Direita usou o argumento calino. Nunca esse Cunhal que comia criancinhas ao pequeno-almoço. A dicotomia é interessante. O maniqueísmo é um tema recorrente, mas concreto. Os restantes candidatos foram meros comparsas.

Alem de serem uns perfeitos desconhecidos. Afonso Henriques? Não joga na Liga Bwin. Vasco da Gama? Há um centro comercial ali para o Parque das Nações que. Luís de Camões? Terá alguma coisa a ver com aquele velho Lyceu ao cimo da Duque de Loulé. Aristides de Sousa Mendes? Esse não existe, nem nunca existiu. Foi inventado ou então anda enredado e embuçado no Apito Doirado. Perguntem ao Pinto da Costa que, coitado, tal como Alberto João Jardim não integrou o lote dos finalistas. O povo é ingrato.

Temos, por conseguinte, aquilo que temos – e que merecemos. Há uns abencerragens, como é o meu caso, que escreveram sob a Censura, que passaram uns maus bocados com a inefável PIDE mais tarde DGS. Não passam, não passamos, de figuras spielberguianas, dinossauros que já deviam estar extintos, mas que, aparentemente, estão, estamos, ainda em vias de extinção.

Concurso e claques

Um concurso miserável vale o que vale – nada. As cliques dos clientes e as claques organizadas são o que são. Basta vermos as que se intrometeram no chamado Desporto-Rei, assim denominado com a permissão e, quiçá, o beneplácito do D. Duarte Pio. As que se incumbiram de dar a vitória ao «ditador paternalista» de Santa Comba são tão más como as que votaram Cunhal. São ambas Portuguesas. Donde – péssimas.

No entanto, a escumalha, os videirinhos, a canalha, os vermes rastejantes são tão vulgares, frequentes, intriguistas e raivosos que se tornaram habituais neste pobre País. Têm uma prática tão regular que o que dizem, de tão repetido, se transforma em verdade. Que não é. Especialistas em ludíbrios e manigâncias, não sabem viver como os homens. Erectos. É assim.

O Doutor António de Oliveira Salazar foi um ditador, ponto final. Dizem dele os saudosistas que foi um estadista de dimensão enorme, um homem honesto e sério que morreu pobre e está enterrado em campa rasa. E daí? Condescendo em aceitar que nos primeiros anos do seu consulado terá feito obra no reequilíbrio das contas portuguesas. Muito bem. Porém, à custa de quê e de quem?

Terminada a II Guerra, quando faltou ao prometido aos Portugueses, pois mandou tranquilamente falsear as «eleições tão livres como na livre Inglaterra» (a afirmação foi dele), não fez mais do que reeditar a fraude nas urnas que vinha sendo seu modelo e marca desde que traçara um percurso insidioso na Sala do Risco do Ministério das Finanças. As pressões dos Aliados para que abrisse o regime foram, uma vez mais, fintadas. De promessas estava o Inferno cheio. E ainda está.

O Tarrafal e a guerra colonial

Pois parece que nós nos esquecemos do Tarrafal, de Caxias, de Peniche, dos Tribunais Plenários, das prisões sem culpa formada, dos crimes, do assassinato de Humberto Delgado, da guerra colonial. Para só enumerar uns quantos itens de uma panóplia gigantesca. E não se venha, de novo, fazer a afirmação de que a sua ditadura não era uma ditadura, era uma dita mole.

Anedotas, num tal contexto, só as que corriam no tempo da Antiga Senhora, a que se chamava o Estado Novo. Juntamente com as revistas do Parque Mayer eram válvulas de escape. O santacombadense não roubou? Mas permitiu que a sua camarilha roubasse – e de que maneira. Morreu pobre a fradesca figura? E aqueles que por ele permitidos fizeram fortunas enormes morreram pobres também? Deixem-me rir, como diz o Jorge Palma na canção.

Que se lixe o concurso, que se trame a RTP, que se fornique a Maria Elisa. Temos mais com que nos preocupar. O voto salazarento significa a rejeição da democracia corrupta e desgraçada, demonstra a rejeição do Povo aos políticos da actualidade? Para quem? Para quantos? Onde? Como? Rejeito liminarmente esta atoarda. Que, no entanto, por aí corre.

Neste nosso Portugal há uma esmagadora maioria que não votou na alarvidade televisiva. Nem dois por cento se pronunciaram. Valha-nos isso. No entanto, tal não nos pode servir de consolo, aos que não demos qualquer voto, ainda que em branco, mesmo que nulo. Muito menos de desculpa. Para consumo interno, estamos conversados. Ruminemos, amigos, para ver se conseguimos digerir sem muito bicarbonato de sódio esta «escolha»…

Contudo, a nível internacional, há mais razões para nos preocuparmos. Já sabemos que, para nós, tudo que vem da estranja a nosso propósito é muito complicado. Se dizem bem – desconfiamos. Se dizem mal – amuamos. Mas, num ponto nós, os portugueses estamos de acordo: para que alguém se faça ouvir intramuros é excelente que a voz venha do exterior. Sem necessidade de microfone, altifalante ou ampliador.

Por tal motivo, arriscamo-nos a que o gozo por esse Mundo seja muito difícil de engolir, quanto mais de deglutir. Eleger como «o maior português» um ditadorzeco de pacotilha é motivo para gargalhadas tonitruantes. Em idiomas diversos, porque a galhofa também tem língua própria.
Acham um exagero? Pois então fiquem-se com o texto distribuído pela Reuters do Brasil e que transcrevo já em seguida. E é dos menos negativos…


Na lata do lixo da história

«LISBOA (Reuters) - O público de um programa de televisão português de grande audiência elegeu o ditador Antonio Salazar como “o maior português” por ampla margem de votos, enfurecendo muitos dos que se recordam de seu regime repressivo.

Salazar foi escolhido por 41 por cento dos espectadores, derrotando o líder comunista Álvaro Cunhal e figuras históricas como o primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, o poeta romântico Luís de Camões e o explorador Vasco da Gama, disse a emissora estatal RTP.

"Apenas masoquistas, imbecis ou loucos poderiam ter votado nesse carrasco como o maior português da história", escreveu um espectador no site do programa (www.rtp.pt). "Deixemos Salazar onde ele está: na lata de lixo da história."
Outro espectador prometeu deixar o país, que é uma das democracias mais jovens da Europa ocidental, se Salazar vencesse o concurso.

Antonio Salazar foi o fundador de um regime autoritário de direita que controlou a vida econômica, social e cultural de Portugal entre 1933 e 1974, quando um golpe militar quase sem derramamento de sangue converteu Portugal numa democracia.

Álvaro Cunhal, um dos líderes comunistas mais pró-soviéticos da Europa ocidental e que se tornou uma força política importante após a queda do regime de Salazar, em 1974, recebeu 19 por cento dos votos.

A RTP não informou o número final de telespectadores que votaram, mas na primeira parte do programa, 90 mil espectadores já tinham manifestado suas preferências. O programa foi um dos de maior audiência da RTP nos últimos anos.

Mais de 2.000 nomes tinham sido incluídos na lista dos maiores portugueses, mas, em janeiro, uma lista de dez finalistas foi redigida com base nos votos dos espectadores.

Telespectadores britânicos apontaram Winston Churchill como o maior britânico da história num programa semelhante, e, na França, o escolhido foi Charles de Gaulle».

A agência de Imprensa multinacional britânica caracteriza-se, normalmente, por fazer os textos respeitando escrupulosamente a regra, para mim fundamental, da notícia ser separada do comentário. A César o que é de César. Mas, perante uma tal embrulhada, o serviço é, desta feita, uma quase salgalhada. Percebe-se o espanto do redactor. Que nem faz ironia – porque ela não é precisa. Dá para sorrir. Mas para muito brasileiro dará para rir de boca escancarada. Mais uma anedota de portugas…

domingo, março 25, 2007




Tratado de Roma – meio século

Antunes Ferreira
É
hoje que se comemoram em Berlim (e por toda a União Europeia) os 50 anos do Tratado de Roma, que seis países assinaram: França, Alemanha, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo, criando assim no entender do comissário europeu Joaquín Almunia em artigo «as bases para o maior, mais inovador e generoso projecto de integração de Estados soberanos jamais empreendido na história da Humanidade».

No entanto, as comemorações não escondem que a Europa a 27 vive a maior crise deste último meio século. Resultante da reprovação – até quando? – da Constituição Europeia, documento imprescindível para o avanço da integração política. O tratado que a propunha, como se sabe, exigia a aprovação por todos os Estados-membros. A reprovação do documento nos referendos francês e holandês de Maio e Junho de 2005 foi a gota que fez transbordar o copo..

Note-se que a Declaração de Berlim (que a Travessa do Ferreira também publica de seguida) defende, como não podia deixar de ser, a UE. Aliás, Almunia também escreveu que «a Europa é mais do que nunca necessária. Porque unidos somos maiores e mais fortes. Porque só assim poderemos enfrentar os desafios que ultrapassam as fronteiras nacionais, e mesmo da UE, como as alterações climáticas, a dependência energética e a pressão dos fluxos migratórios. Encaremos, pois, o futuro com confiança, porque depois do muito que nos deu, a Europa ainda tem muito para nos dar».



Mas, uma coisa são as declarações mais simpáticas ou mais críticas, os enunciados de intenções, os desejos apetencialmente legítimos. Outra, bem diferente, são a realidade implacável, os desencantos perante a hipótese de falhanço, o receio do desmembramento. A União Europeia alcançou o euro. Muito bem. Mas precisa de ser mais do que um espaço económico e financeiro. Precisa de ser uma verdadeira União em todas as vertentes, nomeada e especialmente, a política.

A cimeira informal de chefes de Estado e de Governo dos 27 assinalou o cinquentenário do Tratado de Roma, acto fundador do que é hoje a União Europeia. As comemorações que decorreram em Berlim, por a Alemanha ocupar actualmente a presidência da UE, tiveram o seu início com uma interpretação da quinta sinfonia de Beethoven pela Berliner Philharmoniker, regida pelo maestro titular, o britânico Simon Rattle, a que se seguiu um banquete oferecido pelo presidente germânico, Horst Koehler.

O ponto alto das cerimónias foi a assinatura, por todos os Estados-membros, da já mencionada Declaração de Berlim, que faz historial do processo de integração europeia, traçando os rumos a seguir e os novos desafios que se colocam a uma Europa bem maior do que a dos seis estados que fundaram, em 1957, a então CEE, a Comunidade Económica Europeia. A capital da RFA está carregada de simbolismo, porquanto foi emblema de uma cidade dividida e, depois, passou a representar a reunificação da Alemanha, após a queda do muro de Berlim, em 1989.

Europeísta convicto, creio que as indecisões e a correspondente paralisação da vertente política terão de ser ultrapassadas com a celeridade possível. Não se podem adiar para as calendas coisas que são essenciais para o projecto europeu. Se não formos todos, Cidadãos da Europa, mal se coloca o futuro deste ciclópico projecto. Vae victis.

Os Homens conhecem-se e reconhecem-se sobretudo nos momentos difíceis, perante as adversidades, na frente dos aparentes pelotões de execução. Para que estes não passem de encenação de uma farsa é preciso que todos prossigamos sem grandes desfalecimentos esta caminhada que tem de ser ganha passo a passo, etapa a etapa. Porem, sem demoras desrazoáveis.
Jean Monet e Robert Schuman
O que já se fez neste meio século é muito e era impensável para Jean Monet e Robert Schuman, chamados e muito justamente os pais da Europa. Mas, não podemos, nunca podemos, viver do passado, muito menos no passado. Este teve a importância que nós lhe atribuímos – mas ir para alem disso é uma atitude impensável.

Respeitemos, portanto, os que nos antecederam, os que deram forma à actual UE, os que avançaram na moeda única, na livre circulação de cidadãos e mercadorias, na abolição concomitante das fronteiras. Outrossim, olhando para o futuro, temos de continuar a construir uma Europa cada vez mais unida, integrada e solidária. Vamos a isso.



A queda do Muro de Berlim


Declaração de Berlim

"A Europa foi durante séculos uma ideia, uma esperança de paz e de entendimento. A esperança tornou-se realidade. A unificação europeia trouxe-nos paz e bem-estar. Criou um sentimento de comunhão e venceu divergências. Foi com o contributo de cada um dos seus membros que a Europa se unificou e que a democracia e o Estado de direito foram reforçados. Se a divisão contra naturam da Europa está hoje definitivamente superada, é graças ao amor que os povos da Europa Central e Oriental nutrem pela liberdade. A unificação europeia é prova de que tirámos ensinamentos de um passado de conflitos sangrentos e de uma História marcada pelo sofrimento. Vivemos hoje numa comunhão que nunca antes se havia revelado possível.

Nós, cidadãs e cidadãos da União Europeia, estamos unidos para o nosso bem.

Na União Europeia, tornamos realidade os nossos ideais comuns: no cerne está, para nós, a pessoa humana. A sua dignidade é inviolável. Os seus direitos são inalienáveis, Homens e mulheres são iguais em direitos.

Aspiramos à paz e à liberdade, à democracia e ao primado do Direito, ao respeito mútuo e à responsabilidade, ao bem-estar e à segurança, à tolerância e à partilha, à justiça e à solidariedade.

É ímpar a forma como juntos vivemos e trabalhamos na União Europeia. Disso é expressão a colaboração democrática entre Estados-Membros e instituições europeias. A União Europeia assenta na igualdade de direitos e na colaboração solidária. Assim se torna possível a preservação de um justo equilíbrio entre os interesses dos Estados-Membros.

Defendemos na União Europeia a autonomia e as diversificadas tradições dos seus membros. As fronteiras abertas e a tão viva diversidade das línguas, das culturas e das regiões são para nós fonte de enriquecimento. Só em conjunto, e não isoladamente, poderemos alcançar muitos dos objectivos que nos propomos. A União Europeia, os Estados-Membros e as regiões e autarquias partilham entre si as diferentes actividades a empreender.

II

Enfrentamos grandes desafios que não conhecem fronteiras nacionais, e a União Europeia é a resposta que temos para lhes dar. Só em conjunto poderemos preservar para o futuro o nosso ideal europeu de sociedade, a bem de todas as cidadãs e cidadãos da União Europeia. Neste modelo europeu conjugam-se sucesso económico e responsabilidade social. O mercado comum e o euro dão-nos força. Deste modo, podemos moldar de acordo com os nossos valores a crescente interpenetração das economias no Mundo e a concorrência cada vez mais intensa que caracteriza os mercados internacionais. A riqueza da Europa reside nos conhecimentos e saberes das suas gentes; é essa a chave para o crescimento, o emprego e a coesão social.

Juntos lutaremos contra o terrorismo e a criminalidade organizada, sem deixarmos de defender a liberdade e os direitos cívicos na luta que travamos contra aqueles que os querem aniquilar. O racismo e a xenofobia jamais poderão voltar a ter uma oportunidade.

Pugnamos por que os conflitos que afligem o Mundo sejam resolvidos pacificamente e por que as pessoas deixem de ser vitimas da guerra, do terrorismo e da violência. É intenção da União Europeia promover a liberdade e o desenvolvimento no Mundo, vencer a pobreza, a fome e a doença. Queremos continuar a assumir um papel de liderança em prol destes objectivos.

Queremos avançar juntos na política energética e na defesa do clima e prestar o nosso contributo para afastar a ameaça global das alterações climáticas.

III

A União Europeia continuará a viver da sua abertura e da vontade dos membros que a integram para, simultaneamente e em conjunto, consolidarem o desenvolvimento interno da União. A União Europeia continuará também a promover a democracia, a estabilidade e o bem-estar para além das suas fronteiras.

A unificação da Europa veio dar vida a um sonho de gerações passadas. Manda a nossa História que preservemos tal fortuna para as gerações vindouras. Devemos para isso moldar, a cada passo e ao ritmo dos tempos, a configuração política da Europa. Por isso nos une hoje, cinquenta anos passados sobre a assinatura dos Tratados de Roma, o objectivo de, até às eleições para o Parlamento Europeu de 2009, dotar a União Europeia de uma base comum e renovada.

Porquanto temos a certeza: a Europa é o nosso futuro comum".



sábado, março 24, 2007



Para a Anónima Salina


O Tapman, cada vez mais popular (começo a alimentar umas quantas invejinhas) mandou-me o seguinte recado:


Em comentário ao post Renato / Marini, Anónima Salina pediu o tema que junto:
William Warfield - Ol' man river (Showboat-1951)
http://www.mediafire.com/?5ylzzw2qvm5


Já está. Espero que a minha pupila/filha fique satisfeita. E que volte ao Travessa e poste mais comentários. Repara, ó Salinas (sem s) nas fotos e textos do teu Chefe com malta diversa. Diz de tua justiça. Volta ao bom caminho, rapariga. Não te deslumbres com o Tapman... A.F.

quinta-feira, março 22, 2007

GENTES

Olof Palme com Antunes Ferreira

Olof Palme
e o tinto sem rótulo

Antunes Ferreira
Porto, 14 de Março de 1976. Comício do PS sob o lema «A Europa está connosco». Conheci Sven Olof Joachim Palme nessa altura. Era, então, chefe da Redacção do Diário de Notícias e, nas escassas horas vagas que conseguia ter, também desempenhava as mesmas funções no Portugal Socialista.

Desloquei-me à Cidade Invicta como militante e nessa última qualidade no então semanário do Partido Socialista. O comício foi um êxito. Mário Soares, muito por força do prestígio que já tinha antes do 25 de Abril, mas fundamentalmente para garantir um percurso democrático da Revolução dos Cravos, levou ao Pavilhão Rosa Mota uma plêiade de políticos, figuras de primeira água da Internacional Socialista e da Federação dos Sindicatos Livres.

Entre toda esta gente de grande dimensão, estava Olof Palme, então primeiro-ministro da Suécia e um social-democrata que se batia, por exemplo, contra a guerra do Vietename. Tentei falar com ele. Pedi ao meu bom Amigo Rui Mateus para interceder, o qual me disse que apenas lhe dizia quem eu era e mais não seria preciso. Palme, sem farroncas nem arrogâncias, concordou. Uns escassos minutinhos. Mas, disse-me que tinha gostado de me conhecer e, logo que possível…

Mas ainda houve tempo para me pedir que lhe indicasse um bom tinto português. Quer ele, quer sua mulher Lisbet eram apreciadores do néctar. Disse-lhe que para mim um dos melhores era o Dão Grão Vasco. Na altura, os alentejanos não tinham expressão. Mas acrescentei que na tal futura oportunidade iríamos beber um tinto sem rótulo que. Ficou, aparentemente, muito interessado.

Tempos depois, antes de voltar à chefia do Governo de Estocolmo, veio a Lisboa na qualidade de membro importante da Internacional Socialista. Dois dias antes, diz-me a Maria do Céu, excelente telefonista do DN e minha também excelente Amiga, que tinha em linha um Senhor Palma que não falava português. Palma? Passe.

Muito raro em políticos

Era o Palme, a comunicar-me a chegada. Fiquei parvo. Afinal, cumprira o prometido. Era tão raro que assim acontecesse, nomeadamente com figuras da política… Fui espera-lo ao aeroporto e fui com ele até ao Ritz onde se hospedava. E combinámos para a noite seguinte a prova da tal botelha sem dizeres mas com sabores.

Assim aconteceu. Uma, nada; algumas. E bem, pois quando voltámos ao hotel (minha mulher Raquel, o Olof – já assim nos tratávamos –e eu) no meu Honda 600, vínhamos bem atestados, ao contrário do boguinhas já no fim do depósito. Tive de o ajudar a chegar ao quarto. Qual de nós mais tropeção…

Dois dias depois, o Olof regressou ao seu país. No aeroporto disse-me que esperava voltar a ser chefe do Governo, mas que isso nada tinha que ver com o convite que me fazia para uma visita à Suécia. Naturalmente, agradeci e retorqui-lhe que não esperasse pela demora, que eu ia mesmo. Desavergonhado como sempre fui… Tu e a Raquel disse-me. E com umas garrafas daquele vinho…

Voltou ao poder em 82. Continuávamos a trocar telefonemas e a fazer planos. No Natal de 85, aquando das boas festas habituais, informou-me que, well Henrique, Raquel and you are my guests next 6th march. Lisbet wants to know you both. So, wait for my call, ok? Era a data marcada para o casamento do seu filho primogénito.

Mas, o homem põe e o destino, ou lá o que é, dispõe. No final da noite de 28 de Fevereiro de 86, já raiava a madrugada, estava de serviço no DN e o telex fatídico veio parar-me às mãos: Olof Palm assassinado. No centro de Estocolmo, à saída de um cinema, juntamente com Lisbet, mais precisamente na esquina da Sveavägen com a Tunnelgatan, um homem desfechou-lhe um revólver causando-lhe a morte imediata. Sua mulher ficou ferida, mas em gravidade.

Era o fim da linha da vida para o membro do SAP (Socialdemokratiska Arbetare Parti), militante anti-apartheid, lutador contra o colonialismo e democrata convicto. O passeio à noite com sua esposa dava bem a imagem de um democrata verdadeiro, que, sendo primeiro-ministro, andava pelas ruas, ia ao cinema e ao teatro e jantava em restaurantes populares – sem escolta.

A esquina da morte



Em 1987, um ano depois do seu assassinato nunca resolvido – foi o único chefe de Governo a quem tal aconteceu – fui a Estocolmo. E à esquina que mencionei. Flores no passeio assinalavam o exacto local onde o meu Amigo Olof caíra vítima das balas criminosas. Conheci, depois, Lisbet. A quem levei meia dúzia de garrafas sem rótulo. Naturalmente.

Nunca se conseguiu resolver este estranhíssimo mistério. O principal suspeito, um tal Christer Pettersson, já morreu. Esteve preso, mas a polícia sueca teve de o libertar por falta de provas conclusivas. Muito se falou de quem estaria por trás do braço matador. Barões da droga, máfias diversas, até a famigerada Loja P2 e, imagine-se, até a CIA.

Ficou-me a recordação de um homem simples, bom, amigo do seu amigo, lutador de causas difíceis, político, homem de Estado. Apreciador de anedotas e de vinho tinto. De preferência, sem rótulo e made em Portugal.

NR – Estava ontem a rebuscar em gaveta esconsa papeis diversos desordenados que os que me conhecem dizem ser o meu estilo – e é. No meio do desgoverno documental, encontrei umas fotografias. Esta era uma delas. Feita à pressa pelo Rui Mendonça, fotógrafo do PS e um bom camarada, além de completamente louco. Escura; escuríssima. Mas penso ser um documento histórico – para mim.

Daí o ter-me dado na veneta escrever o que atrás fica. Com uma imensa saudade, mas também com um agradecimento à vida por me ter permitido conhecer tanta gente, alguma dela boa, como é o caso. Se não me insultarem, voltarei a escrevinhar umas linhas sobre tais coisas. Boas e más.

quarta-feira, março 21, 2007



Carros de aluguer na Zâmbia

Braz Ferreira
Lá diz o velho ditado: “É mais facil apanhar um mentiroso que um coxo”.Não sei porque falo neste ditado pois o empregado da empresa de aluguer até nem era coxo...mas era mentiroso. Segunda-feira, la estava eu no meu escritorio esperando o carro que a empresa me tinha alugado. Chega-me um senhor de gravata muito, mas muito curta, tipo salário mínimo em Portugal, com um ar de Director de Agência. Pensei estar na hora de almoço tão forte era o cheiro de cebola que o pseudo director trazia à volta dele. Perdão, à volta e dentro dele. Talvez por isso a gravata tivesse reduzido de tamanho de tanta vergonha que estava passando.

Depois das apresentações, durante as quais a gravata tentava desesperadamente desenvencilhar-se do seu portador, nos dirigimos até ao veículo. Tal um desenho animado do Walt Disney, fui seguindo o cheiro do bife de cebolada. Se estivesse na Espanha poderia dizer que quando vi o veículo quase o culo me cayo en el piso. Mas estava na Zâmbia. O tal director perfumadissimo “a l’oignon numero 5”, me perguntou se eu tinha gostado do carro.

Not too much – respondi eu. Nuca tinha respondido tão bem pois o carro, um Nissan, tinha uma cor vermelha atomatada. Pensei logo em cozinha meridional pois já tinha dois dos principais ingredientes: as cebolas e os tomates. Mas no final das contas era o tal pseudo diretor que tinha que ter tomates para me apresentar um carro de aluguer naquelas condições
.
Mas passemos a descrever o dito cujo. Para melhor exemplificar, lembram-se há poucos dias do novo modelo da Ferrari, tambem de cor tomate, na exposição de Genève. Pois bem, não tinha nada a ver uma coisa com a outra. Esqueçam. Era como branco e preto. E era essa mesma a situação. Como dizia o Tarzan: eu europeu, tu zambiano.

O mistério dos piscas

O carro tinha dois orificios nas laterais, lembrando que, em tempos que já lá vão, deveria ter possuido dois pisca-pisca. Para serem solidários os dois tinham desaparecido juntos.
Tambem o radiador de côr vermelha desaparecia sob o capot. Quando fiz notar este pequeno detalhe ao pseudo director, ele levantando o capot me mostrou que era uma simples questão de um parafuso que tinha acompanhado os pisca-pisca.

E delicadamente colocou o radiador no lugar, pois era uma questão de disciplina, herança da colonização britânica: cada coisa no seu devido lugar. Nesta altura dos acontecimentos, devo reconhecer que até tive um certo receio de terminar a vistoria do automóvel. Que outras surpresas me esperavam ainda nesta exótica aventura africana? Mas decidi fazê-lo somente por uma questão de curiosidade, não tivessem sido os nossos antepassados desbravadores de mistérios em terras africanas.

A mala trazeira, com vontade de dormir, abria descaradamente a boca mostrando não as amigdalas mas uma roda de socorro que tambem gritava por ele. E os para-lamas esperavam ansiosamente receber notícias dos pisca-pisca para poderem juntar-se a eles.
Terminada a verificação externa, passámos à interna. Em primeiro lugar os bancos. Eles deveriam ter sido testemunhas caladas de um jantar pantagruélico. Manchas de cores variadas e codeas de pão, em espírito de equipa, olhavam-me descaradamente dizendo-se: este cara vai sentar-se em cima de nós...

Coisa que eu nunca ousaria ter feito, não por compaixão com as codeas, mas porque era obrigado para poder testar o motor do carro. Os tapetes de chão deveriam ter sido limpos pela ultima vez, quando do tempo do Livingstone. Eram peças raras dignas de serem parte importnate do museu de Lusaka. Uma vez sentado, quase ouvindo gemer as codeas, o tal pseudo director acebolado me explicou como ligar o carro.

Um acto sensual

O porta-chaves era a chave do segredo de segurança. Para tal deveria ser introduzido numa caixinha por baixo do volante antes de dar volta à chave. Só que ao praticar este acto sensual de introdução do porta-chaves na caixinha, esta, completamente invadida pelo prazer, deixou-se cair no meu colo. O tal director imediatamente se debruçou sobre o meu peito para apanhar a caixinha e botá-la no seu devido lugar. Mais uma vez a tão conhecida disciplina trazida pelos ingleses.

Nesse exacto momento, pude sentir o cheiro concentrado da cebola que quase me trazia lágrimas aos olhos. Para não criar mais problemas, aceitei o carro como estava, pois nem era eu que o pagava. Pelo menos conseguia livrar-me dos odores de cozinha mal lavada.
E foi o que aconteceu. Lá voltei eu para o meu escritório pegando na chave com a ponta dos dedos até a ter lavado no banheiro.

E à tardinha quando deveria voltar para casa, ao tentar arrancar o carro, só tive de esperar uns trinta minutos até conseguir praticar o tal acto sensual de introdução do porta-chaves na caixinha. No dia seguinte a empresa reclamou e trouxeram um outro veículo. Vou poupar-lhes a segunda vistoria pois correria o risco de me repetir e alongar o texto, sendo assobiado pelos leitores.

Mas somente para resumir, em uma semana só me trouxeram três carros diferentes, na cor é claro, pois no que diz respeito às condições eram mais ou menos da mesma família.
Os pisca-pisca do primeiro carro devem ter chamado os do terceiro e os do segundo devem ter sido impedidos de deixar a agência obrigados pelas forças militares zambianas. Por issso gostaria de terminar dizendo que para aluguer de carros na Zambia só A...VIS...TA, contado ninguém acredita.



Anúncio

Um anúncio é sempre… um anúncio. O mau é quando se anuncia e, depois, sai um flop bué de péssimo, como dizem os meus netos. Uma cena (usam ainda eles…) pior-que-deus-me-livre. Quando se anuncia – arrisca-se. Será que tudo vai dar certo? Será que não terei, daqui a uns dias, de pedir desculpa pelo incumprimento do anunciado, ainda que não seja por minha culpa? Dos enganos vivem os escrivães, diz-se, sem eu saber muito bem porquê. Mas lá que se diz – diz-se.

Bom, cruzo os dedos (se fosse a minha falecida Mãe, encomendava-me ao santo padre Cruz) e aí vai.

Vou ter novos colaboradores. São eles:

João Carlos Pereira, um excelente treinador de futebol e pessoa culta, simpatiquíssima, sabedora e competente. A nossa Académica que o diga. Por agora, ocupa-se do seu restaurante A Concha, em São Pedro de Moel, excelente. Mas, um dia destes, vai voltar às quatro linhas. Preparem-se.

António José Mocho, meu Amigo e colega desde os bancos do Lyceu Camões até à Faculdade de Direito, homem grande dos automóveis e das artes de Comunicação. Este «jovem» um aninho mais novo do que eu, tem feito coisas muitas. Até já fomos os dois adjuntos de ministros. Vidas...

João Figueira, professor da Universidade de Coimbra, jornalista de base, meu estagiário in illo tempore e meu Amigo/filho. Este senhor gajo levei-o eu para o DN, marcou passagem a sério por Macau e até ganhou vários prémios de jornalismo. Mestre, prepara-se agora para o doutoramento. Boa sorte.

Luís Silva, Caldas da Rainha, animador cultural. Atendeu-nos impecavelmente no Inatel da Foz do Arelho onde trabalha e – face aos conhecimentos e à maneira de ser - convidei-o para este blog, o que aceitou. Escolherá os temas que bem entender - tal como os outros.

Para já são estes. Outros se seguirão, com outro anúncio da sua entrada na liça. Este blog não pára. A não ser que seja apanhado pela GNR por excesso de velocidade. Oxalá não.

terça-feira, março 20, 2007

DESTINO: MÚSICA






Renato Carosone
e Marino Marini

Tapman
E
stes são os dois nomes que primeiro nos vêm à ideia quando nos referimos ao tempo em que havia música tipicamente italiana bem enraizada nas tradições locais e muitas vezes cantadas no dialecto da região. São canções alegres ou melancólicas que nos arrastam para as recordações dos que eram jovens nos fins dos anos 50 e princípios doa anos 60. É só abrir os ouvidos, fechar os olhos e sentir o tempo voltar para trás. Renato Carosone estará nas faixas ímpares e Marino Marini nas pares.

01. Tu vuò fa l’americano
02. Guarda che luna
03. Chella là
04. Marina
05. Torero
06. Kriminal tango
07. La pense
08. Come prima
09. O’ sarracino
10. Mustapha
11. La donna riccia
12. Piccolissima serenata
13. Ricordate Marcelino
14. Piove
15. Giuvanne cu ‘a chitarra
16. Volare
17. Lazzarella
18. La piu bella del mondo
19. Tre numeri al lotto
20. Maruzzella

Não se esqueçam: é muito simples. Basta visitar o endereço abaixo
http://www.mediafire.com/?7yyd5w2mmne

NE - Tiros de revolver

Ora cá temos a segunda proposta e correspondente oferta do nosso
Tapman – um herói alado que se prepara para substituir (e com vantagens diversas) todos os que restam da corja dos superqualquercoisa. Tanto mais que o Capitão América, apesar do seu escudo mágico, foi o primeiro a passar à peluda: abatido à saída de um tribunal com cinco tiros de revolver.

Deixem-me que, a propósito ou despropósito, vos conte uma estória que comigo se passou na redacção do DN, esforçava-se o ano da graça de 75 para passar o testemunho ao de 76, numa corrida cujos obstáculos eram muitos e diversos, em pleno PREC.

Um jovem que se auto-apelidara jornalista foi incumbido de «picar» um telex de agência que dava conta de que um senhor beltrano fora assassinado por um senhor fulano. Mais precisamente, o criminoso desfechara todas as balas de um revolver (que, como se sabe, tem seis projecteis) no bucho do desinfeliz.

E a notícia lá veio, manuscrita – nem toda a malta já utilizava as máquinas de escrever, recordam-se, com um carreto e algumas ainda com campainha – e entregue a quem de direito. Que, depois de ter passado os olhos pelo papel – lauda lhe chamava o Victor da Cunha Rego, agarrado a terminologia brasileira – o amarrotou (o papel, não o estagiário ajudante de auxiliar de praticante plumitivo) e o aventou para a cesta secção.

Abreviando: rezava assim, a dita «notícia»: Ontem, em Portalegre o senhor beltrano foi vítima de assassínio pois o senhor fulano desfechou-lhe à queima-roupa sete tiros de revolver, dos quais, felizmente, apenas um mortal. Ponto final, parágrafo. Na outra linha.

E por aqui me fico. As palavras, os bonecos e, sobretudo, as músicas que o Tapman nos desfecha desta feita.
A.F.

sexta-feira, março 09, 2007




REGISTO

Siza Vieira ganha Prémio Secil
* Aos 74 anos, o arquitecto reincide…

Antunes Ferreira
Siza Vieira, aos 74 anos, volta a ganhar – o que se lhe tornou já um hábito. O mais famoso arquitecto português deu-se, agora, ao luxo de «reincidir», o que torna o caso mais grave, pois a reincidência é considerada uma agravante de qualquer falta cometida. Pelo menos, assim dizem os juristas.

Isto porque Álvaro Siza Vieira foi o vencedor do prémio Secil Arquitectura 2006, um dos galardões nacionais mais importantes para os arquitectos. Foi escolhido por unanimidade com o Complexo Desportivo Ribera Serrallo, em Cornella de Llobregat, um município nos arredores de Barcelona. A obra de Siza Vieira, 74 anos, foi encomendada pelo município espanhol e edificada entre 2003 e final de 2005. É constituída por um pavilhão multiusos com capacidade para 2500 pessoas, duas piscinas – uma interior e outra exterior – e uma área de ginásio e serviços comuns.

Em declarações à TSF, o arquitecto afirmou que estava «muito satisfeito» com o prémio, porque é «importante ver o nosso trabalho reconhecido, sobretudo quando recebemos tantas críticas». Siza explicou que a obra, erguida entre 2003 e 2005, é um complexo desportivo multiusos com capacidade para 2500 pessoas, feita à base de «materiais económicos».

«Tem um recinto para desporto, uma piscina (que pode estar ligada ou separada do recinto, que assim é dupla), e tem também um restaurante», disse à estação de rádio. É a segunda vez que Álvaro Siza Vieira recebe o prémio Secil Arquitectura. «Considero este prémio muito importante, já existe há muito anos e o júri é composto por pessoas muito competentes». O galardão, cujo júri foi presidido pelo arquitecto Sergio Fernandez, será entregue pelo Presidente da República a 30 deste mês, na Cidade Universitária, em Lisboa.

Recorde-se que Siza já havia vencido em 1992 o Prémio Secil de Arquitectura, com o auditório e biblioteca infantil da biblioteca pública municipal do Porto. Em 1993 recebera uma menção honrosa da Secil pela Casa de Miramar. Este galardão pretende “incentivar e promover o reconhecimento público de autores de obras” que, incorporando o cimento, “constituam peças significativas no enriquecimento da arquitectura portuguesa”, explica um comunicado da Secil.

A cimenteira atribuiu ainda os prémios Universidades e Concurso de Arquitectura. Na primeira modalidade foram distinguidos os projectos de Francisco Romão, da Universidade Lusíada de Lisboa, (Museu de Escultura de Caxias); Rafael Verhaeghe Marques, da Universidade Autónoma de Lisboa, (Escola de Música e Dança, no Convento do Salvador em Alfama) e Ana Filipa Simões da Silva, da Universidade de Évora (Hammam, “Casa-pátio” em Évora).

No Concurso de Engenharia Civil, foram distinguidos João Marcos Lavos e Romeu Gomes Reguengo, da FCT-UNL (Museu Oceanográfico no Portinho da Arrábida); António Silva Braga, Hugo Ribeiro e Joana Pascoal Teixeira, da FEUP (reconstrução da ponte Pênsil) e Luis Santos Conceição, Sílvia d’Assunção Dias, Sílvio Assis Fernandes e Pedro Campos Leal, da Academia Militar (estudo prévio de um passadiço sobre o rio Nabão, Tomar).

Quem é quem

Álvaro Joaquim de Melo Siza Vieira, nascido em Matosinhos, a 25 de Junho de 1933 é um arquitecto de prestígio internacional, sendo o mais consagrado português. Realizou obras emblemáticas como o Pavilhão de Portugal da Expo'98, em que avulta a famosa pala, a Igreja de Santa Maria, em Marco de Canaveses ou o Museu de Arte Contemporânea da Galiza. Mas a sua obra pode ser encontrada em muitos pontos do Mundo além de, naturalmente, Portugal.

Formou-se na Escola Superior de Belas Artes do Porto, que frequentou de 1949 a 1955. Influenciado, numa primeira fase da sua obra, por nomes internacionais da arquitectura como Adolf Loos e Frank Lloyd Wright, cedo Siza conseguiu afastar-se dessas influências claras e traçou a sua própria linguagem que nos remete tanto para influências clássicas como para o desenho claro e limpo que definiu a obra de Mies van der Rohe, os planos horizontais, a clareza das formas, o requinte do espaço.

Cria verdadeiros marcos na história da arquitectura portuguesa como a Casa de chá, as Piscinas de Matosinhos, o Museu Serralves, a igreja de Marco de Canavezes, ou mais recentemente, o Museu para a Fundação Iberê Camargo no Brasil, onde marca uma nova linguagem arquitectónica, muito à semelhança de Le Corbusier - que, na sua terceira fase, afasta a racionalidade das villas. Siza consegue reinterpretar-se ou mesmo redesenhar-se, procurando uma linguagem que, até então, tinha vindo a mostrar em alguns apontamentos de obras recentes com uma complexidade formal aliada a uma aparente simplicidade do desenho.



Genialidade reconhecida

Os génios são assim. Das coisas mais fúteis fazem obras-primas. Essa sua aparente simplicidade é uma marca que nos permite classifica-lo desta maneira. É uma simplicidade visível tal como o foi o ovo de Colombo. O navegador conseguiu pô-lo em pé, no meio da admiração geral. Álvaro Siza tem posto em pé uma obra que demonstra a sua genialidade.
Para ele, como para alguns outros – estou a lembrar-me de Manoel de Oliveira que em Dezembro completa 99 anos e continua a fazer filmes e, mais importante ainda, projectos para o futuro – a idade não conta. Siza Vieira não pára, porque não pode parar, mas igualmente porque não quer parar.

Estamos perante um coleccionador de galardões. Já recebeu a Medalha de Oiro de Alvar Aalto, bem como o prémio Pritzker que disputam entre si o mais apetecido a nível mundial na Arquitectura. Ambos reivindicam serem os Nobel da arte de desenhar monumentos, edifícios, instalações diversas e afins. Siza guarda-os em meio a uma panóplia impressionante. É, indiscutivelmente, uma figura de Portugal e do Mundo.

Este registo do Homem, da sua Obra e do Prémio ora recebido, não pretende ser mais do que isso mesmo, um registo. Mas também é uma homenagem modesta, mas sincera a um grande Português que tem levantado bem alto pelo orbe terráqueo o nome do nosso País. Parabéns Siza Vieira. Obrigado Siza Vieira.
______
Este texto escrevi-o socorrendo-me de fontes diversas. Desde a Wikipedia até à minha TSF, muito me ajudaram essas entidades. E especial à última, a que recorro frequentemente, deixo aqui um abraço de gratidão e de Amizade. O responsável pelo Travessa do Ferreira – que sou eu –não esquece os bons momentos profissionais que viveu na TSF, durante anos. Por isso o adjectivo minha que me permiti escrever.

quinta-feira, março 08, 2007

DESTINO: MÚSICA

Mais um colaborador se junta, a partir de hoje ao Travessa do Ferreira. Há quem diga que se trata de um enciclopedista da Música. Estaremos, portanto, perante um Rousseau em sol maior? Nem pensar. É, sim, o Tapman, um Senhor que sabe realmente de sons, de claves, de pautas, de melodias, de executantes, de intérpretes, enfim e que, a meu convite, passa a estar aqui quinzenalmente. Com uma enorme satisfação de todos, espero.

Diz ele, na proposta que me fez e que, obviamente, aceitei também, que «quinzenalmente mando-lhe uma colectânea original com aproximadamente vinte faixas em ficheiro .rar, com indicação do link onde se encontra para download. Aceito pedidos». Avancem, minhas Senhoras e meus Senhores. É fácil, é de borla e dá… muita música. Tapman tem mais de 190 mil títulos. Só…

O interessante da questão é que as coisas não se ficam só por textos e fotos. Se o leitor melómano quiser ouvir as canções de Johnny Mercer só tem que clicar no link que aqui também se apresenta - está a andar.

http://www.mediafire.com/?cme1yudkwwg
Essa é, neste particular, mais uma aliciante, alem das que constituem os pequenos textos de Tapman. Penso que será muito interessante esta viagem pela Música. As faixas só podem ser ouvidas depois de se fazer o download do album inteiro. Isso faz-se em cinco-dez minutos, consoante a velocidade da net de cada um, e é gratuito. outro.

Está na hora do embarque. Tomem os vossos lugares, não necessitam de apertar os cintos de salvação, mas preparem-se para a descolagem. Não é proibido fumar nos lavabos nem em qualquer outro lugar (enquanto não sair legislação sobre o assunto…) – mas também não é aconselhável. Por mor da saúde.

O nosso percurso será tão excitante quanto cada um de nós o entender. O nosso destino é a Música, onde chegaremos no espaço do clic e no tempo correspondente. O comandante já levantou o polegar direito. Está tudo ok. Levantamos. Voamos. Se fosse o Domenico Modugno, seria…
e incominciavo a volare nel cielo infinito... Volare...oh, oh; Cantare...oh, oh, oh, oh; Nel blu, dipinto di blu; Felice di stare lassù; E volavo, volavo felice più in alto del Sole ed ancora più su… Se os mais novos pretenderem saber quem foi o Modugno, consultem o google, sil us plau (sff em catalá vernáculo). Os da minha idade e eu próprio não precisamos. São os anos… A.F.

NR – Se quiserem sugerir ou solicitar algo neste assunto, tal como o refere Tapman, façam-no através de comentário neste blog ou, ainda, pelo ferreihenrique@gmail.com. Serão, como sempre, bem vindos.


As canções de Johnny Mercer
(1909-1976)


Tapman
Um dos mais consagrados liricistas de todos os tempos. Compositor, cantor e actor, foi na escrita de letras para canções que mais se distinguiu. Poucos como ele têm tantos standards no American Songbook. Nesta colectânea foram reunidos 20 temas, todos compostos e interpretados por individualidades diferentes.

01. Come Fly With Me (Jimmy Van Heusen) – Frank Sinatra
02. Dream (Johnny Mercer) – Ella Fitzgerald
03. Ac-Cent-Tchu-Ate The Positive (H. Arlen) – Susannah McCorkle
04. Moon River (Henry Mancini) – Nancy Wilson
05. Jeepers Creepers (Harry Warren) – Tony Bennett /Count Basie
06. Goody Goody (Matt Malneck) – Rosemary Clooney
07. Tangerine (Victor Schertzinger) – Dean Martin
08. Day In, Day Out (Rube Bloom) – Diana Krall
09. Too Marvellous For Words (Richard Whiting) – John Pizzarelli
10. Laura (David Raksin) – Julie London
11. Early Autumn (Woody Herman) – Billy Eckstine
12. P.S. I Love You (Gordon Jenkins) – Billie Holiday
13. Satin Doll (Duke Ellington) – Johnny Hartman
14. Once Upon A Summertime (Michel Legrand) – Carmen McRae
15. Skylark (Hoagy Carmichael) – Mel Tormé
16. Autumn Leaves (Joseph Kosma) – Doris Day
17. Emily (Johnny Mandel) – Andy Williams
18. And The Angels Sing (Ziggy Elman) – Louis Prima/Keely Smith
19. Dearly Beloved (Jerome Kern) – Bing Crosby
20. The Glow Worm (Paul Linke) – Johnny Mercer

terça-feira, março 06, 2007



NO MACHINA SPECULATRIX

Sócrates e a Imigração

Porfírio Silva edita um blog muito bem concebido e concretizado, o Machina Speculatrix. O Ricardo Charters d’Azevedo, apesar de alguns ameaços que me dirigiu quanto à minha veia bloquística (que, vindos dum malandro de um Amigo que ele é, são elogios encapotados…) foi quem me alertou para o texto que transcrevo e, naturalmente, para o blog.

Este já está firmemente plantado e implantado nos meus FAVORITOS –e bem o merece. E até já lá deixei um comentário/aviso, dizendo que assim acontecera e que tinha muito gosto nisso. Espero que o Porfírio Silva – que penso nem conhecer – não me bata ou, sequer, me invective por esta liberdade. Penso que me consigo safar.

Renovo o convite que lhe fiz no referido comentário/aviso: venha conviver connosco e colabore (como quiser e lhe apetecer) neste Travessa do Ferreira. Desde já, os meus agradecimentos e, estou certo, os dos que têm a paciência de nos visitar e, pasme-se, até, de nos ler… A.F.


Porfírio da Silva
Começou hoje, e continua amanhã, na Fundação Calouste Gulbenkian, a conferência internacional Imigração: Oportunidade ou Ameaça? O Primeiro Ministro, José Sócrates, proferiu na sessão de abertura uma intervenção que ilustra o facto de Portugal ter, entre todos os países da União Europeia e mesmo do mundo, uma das políticas de imigração mais inteligentes e mais progressivas.

A largueza de vistas com que o governo de Portugal trata a questão da imigração nota-se bem quando, nesse discurso, Sócrates explicita que a imigração tem de ser entendida à luz de questões centrais para as nossas sociedades actuais, como sejam a evolução demográfica, o crescimento e o emprego, as dimensões civilizacionais e culturais que permitem dizer que "a miscigenação construtiva de civilizações e de culturas é um dos mais importantes efeitos criativos de longa duração do fenómeno da imigração" (palavra de Primeiro Ministro).

A dado passo, disse Sócrates: "A nossa visão deste fenómeno é uma visão positiva, optimista e aberta. Vemo-lo mais como um desafio e uma oportunidade do que como um risco, apesar de termos bem consciência de que ele também implica uma dimensão de ameaça, própria dos fenómenos globais e do intercâmbio humano. É por isso que não podemos partilhar das concepções que querem a Europa como uma fortaleza de difícil acesso a quantos a procuram com o objectivo de melhorar honestamente a sua vida e a dos seus filhos. Não!"

"A nossa é uma visão diferente. São, por isso, bem-vindos todos os que quiserem comungar dos nossos valores constitucionais, das nossas leis e do nosso esforço de construção de uma sociedade partilhada, desenvolvida, justa e solidária." A isto eu chamo falar claro e sem demagogia: nem ignoramos os riscos, nem aceitamos que queiram subverter a nossa sociedade e os nossos valores fundamentais, nem nos fechamos numa falsa fortaleza que só os fracos e os ignorantes podem desejar ou pensar que seja possível.

Como de costume, com Sócrates temos sempre coisas concretas. Não esquecendo a próxima presidência portuguesa no âmbito da União Europeia, eis o cardápio de Sócrates para gerir de forma segura e ágil os fluxos migratórios, respondendo à pergunta "que fazer?": "Em primeiro lugar, controlando com rigor as fronteiras para que os dispositivos de acolhimento possam funcionar com eficácia, proporcionando boas condições de integração a todos os que aspiram a viver legalmente entre nós.

Em segundo lugar, definindo com rigor os limites quantitativos e qualitativos no interior dos quais se deve processar o acolhimento. Em terceiro lugar, desburocratizando e simplificando os pedidos de ingresso de modo a favorecer a procura legal e a evitar as entradas clandestinas.

Em quarto lugar, promovendo - quer no interior da União quer nos principais países de proveniência - uma política de informação clara, rigorosa e ampla sobre as normas que regulam a imigração e desenvolvendo acordos bilaterais com os países de proveniência com vista a uma adequação dos fluxos migratórios às capacidades de absorção nacional dos pedidos de ingresso.

Em quinto lugar, promovendo condições de facilitação do retorno voluntário e de repatriamento condigno aos que se encontram em situação de ilegalidade insanável. Em sexto lugar, incrementando políticas de desenvolvimento recíproco entre países de acolhimento e de proveniência, sendo certo que a imigração regulada e controlada se constitui como factor de crescimento e de desenvolvimento.

Em sétimo lugar, promovendo condições para uma eficaz coordenação europeia do fenómeno, designadamente, para uma acção concentrada sobre as fronteiras de maior risco quer na imigração clandestina em massa quer no tráfico."

Bravo!(Eu não sou de entusiasmos com governos, mas não posso deixar de aplaudir quando, numa questão onde grassa tanta demagogia e tanta irresponsabilidade, um PM fala claro e com lucidez.)

Não fui eu o autor destas linhas que aqui ficam. Ainda que muito boa gente, carregada de «excelsas intenções» gostasse de o afirmar. E por aqui me fico, na esperança de ter mais Porfírio um destes dias.

domingo, março 04, 2007


Quanto a dinheiro…

Antunes Ferreira
Esta «adaptação» do provérbio chinês tem que se lhe diga. O meu Amigo Fernando Teixeira dos Santos, cujo fair play eu conheço perfeitamente (mas não lhe falem ironicamente do seu FêCêPê…) deve ter-lhe achado graça. Mas, ó autor desconhecido, tem muito cuidado com o que destila esse teu cristalino bestunto: a DGCI é gaja para aproveitar… Com Macedo ou sem.

Um dia, antes de ser nomeado Director Geral das Contribuições e Impostos, o meu igualmente bom Amigo António Nunes dos Reis, transmontano da mais pura cepa e fumador inveterado, vinha de Bruxelas, integrando a comitiva do ministro Sousa Franco, de que eu também fazia parte, como habitualmente.

Nunes dos Reis que se sentava nos lugares mais à frente da Executiva, deslocou-se para a última fila, a fim de fumar o seu cigarrito. Dada a excelente relação que se estabelecera entre nós, ele é um porreiraço natural de Freixo de Espada à Cinta (terra de onde ninguém é, mas eu sou, costuma afirmar de puro gozo), solidarizei-me com ele e acompanhei-o, abandonando a cadeira ao lado do ministro.

Claro que me meti com ele, pois já corria à boca pequena que ia ser nomeado para aquele importantíssimo lugar. «António, não tens vergonha nenhuma: vais passar a fod…-me todos os meses…». E ele, nada, impávido e sereno, puxando deliciado as suas fumaças. «Nunca pensei – prossegui – que um gajo à maneira como tu pudesse fazê-lo…». E o bicho, vejam lá, também portista dos sete costados, moita-carrasco.

«É pá, não me estás a ouvir ou queres que faça um boneco?». «Ó Henrique, eu era lá capaz de uma coisa dessas. Eu até nem gosto de homens!...». Caímos na gargalhada, de tal forma ruidosos que o Rodolfo Lavrador, chefe de gabinete do MF, também foi lá atrás, «ó Antunes Ferreira, conte outra vez a anedota, para eu também me rir. E olhe que o ministro, se calhar, igualmente gostaria de a ouvir…». E avisei-o de que não se tratava de uma piada minha.

Repeti-lhe a pergunta e o Nunes dos Reis reafirmou a resposta. As risadas, se possível, subiram de tom. E o malandro do transmontano: «é pá, deste-me uma ideia para a campanha que quero lançar. Só os termos…» E eu: «usas tramar, com um não a antecedê-lo, como é óbvio, e acrescentas para que você não se chateie todos os dias. Espera lá, é melhor aborreça. Mas não terá tanto impacto…».

Desta feita, até o comandante saiu do cockpit. Alegadamente para cumprimentar o governante. Mas, hoje, à distância de uns anos, quase juro, que foi para ver se descortinava a origem e o porquê da risota meio desbragada. Receio de desvio do avião, com tais efusivas manifestações vocálicas, não foi. Aqui – tenho a certeza.

Juro mesmo que não fui eu o autor do sugestivo cartaz.

sábado, março 03, 2007



LER & ENTENDER
A Índia no Século XXI
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Pretende-se noiva, ASPECTO DE FADA, elegante, muito alta, educada, MODERNA, extremamente bela, de família industrial para 27/187 jovem elegante, esguio, muito belo, filho único de um abastado Ministro do Governo da Índia, de casta hindu elevada, actualmente muito apreciado. O jovem é vegetariano, tem bons hábitos, está bem estabelecido em Londres com o seu próprio negócio. A casta não é impedimento. Se estiver disposta a fornecer primeiro pormenores sobre a sua pessoa, responda por favor para…
In Hindustan Times, 15 de Setembro de 2000
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Antunes Ferreira
Pavan K. Varma é diplomata de carreira, indiano, tendo desempenhado funções nessa área em Nova Iorque, Moscovo e Nicósia. É considerado hoje um dos autores de não ficção mais lidos e admirados na Índia. Neste momento é o Director do Centro Nehru, em Londres e Director-Geral do Conselho Indiano para as Relações Culturais.

Autor do livro A Índia no Século XXI, dado à estampa pela Editorial Presença na sua colecção Sociedade Global, Pavan Varma adquiriu através dele uma notoriedade que se tem vindo a espalhar pelo Mundo. A obra, datada de 2004, começou por ser publicada na Índia. No ano seguinte, sai em Londres a edição inglesa. Em Outubro do ano passado é o mercado livreiro português que a acolhe. E muitas latitudes mais vão-na consumindo.

Para quem, como eu, gosta muito do Oriente, era essencial ler o livro. Fi-lo. Além do mais, casado com uma goesa, como já tenho dito e redito, a Índia tem em mim um especial observador, atento tanto quanto possível. De resto, aquando da minha permanência profissional no Diário de Notícias, entrevistei Indira Gandhi e, depois, seu filho, Rajiv Gandhi, ambos na qualidade de primeiro-ministro daquele imenso território, parte esmagadoramente maioritária do subcontinente.


Além disso, tenho muitos Amigos, para alem de familiares de minha mulher que tão bem me acolheram, espalhados um pouco pela União Indiana. Desde Goa, naturalmente, a Nova Deli, desde Mumbai (antiga Bombaim) a Bhubaneshwar, desde Bangalore a Shrinagar, desde Madras a Calcutá, desde Cochim a Amritsar, desde Calecute a Jaipur, desde Haiderabade a Agra percorri aquele imenso país que é actualmente o segundo maior do Mundo em população.

A Índia (Bharat, em devanágari) tem uma história riquíssima, uma cultura milenar, tradições enormes. No seu seio nasceram quatro das mais importantes religiões: hinduísmo, budismo, jainismo e siquismo. Contraste vivo entre os extremos da riqueza e da pobreza, ela é já hoje, a décima segunda maior economia mundial. E está considerada como uma das Grandes potências emergentes do século actual. É detentora do poder nuclear, o que lhe confere uma importância muito grande no contexto internacional.

Mistério quase impossível

N
o entanto, para muita gente – e boa – ela persiste em ser um mistério quase impossível de entender. Pelo menos, dificílimo. As contradições que nela existem, os sectores que nela coabitam, as raças que a integram, as 22 línguas que são usadas, os dialectos às centenas, tudo isso leva a que o imbróglio continue a deixar muito cenho franzido, muitas dúvidas quase existenciais, muitas interrogações permanentes.

É neste contexto que o livro de Pavan Varma é uma verdadeira obra-mestra. Tal qual o Taj Mahal? Longe vá a comparação, mas que o diplomata, escritor e homem da cultura, produziu coisa de enorme vulto – lá isso produziu. Propôs-se delinear o que será a Índia no século XXI. Para tanto socorreu-se da análise do Indiano, ou seja, debruçou-se sobre ele mesmo, numa introspecção árdua mas conseguida.

Daí partiu para os caminhos que o país vem trilhando, nomeadamente nos finais do século passado, mais precisamente a partir das enormes reformas de 1991, desenhadas e já iniciadas no governo de Rajiv Gandhi. Honestamente, o autor não pretende escamotear nada da realidade, desde a subsistência, ainda que mais atenuada, das castas, até ao espírito que enforma aquela que é chamada a maior democracia do Mundo.

E com razão. Independentemente de curar de saber se os milhões e milhões de cidadãos indianos são todos aptos a entender o direito de voto, o que ele representa e, logo, para o que serve, o facto incontroverso é que através de eleições onde cada ser humano é igual ao parceiro do lado, são escolhidos os órgãos do Poder na Índia. Processo que, com mais ou menos acidentes de percurso, vigora desde a independência, em 1947.

Os actos eleitorais no país são, sem grandes dúvidas, a «actividade política organizada mais extensa da história da Humanidade» escreve Sibal Kanwal, na sua obra Understanding India, edição da Indian Horizons, uma edição em vários volumes de que ele faz parte. A publicação que é feita regularmente em Nova Deli, é da responsabilidade do Conselho Indiano para as relações Culturais que já atrás citei.

A dicotomia mais gritante

N
a verdade, se há país em que a dicotomia mais gritante pode ser constatada, ele é a Índia. Onde, nos dias de hoje, o software é dos melhores do orbe terráqueo, onde os especialistas neste domínio se contam por alguns milhões, onde uma grande parte das maiores multinacionais, transportadoras aéreas, seguradoras, bancos e outras realizam a sua gestão administrativa e informatizada.

Por outro lado, o gigante do subcontinente tem vindo a desenvolver empreendimentos que rapidamente se transformaram em fontes de receita muito volumosas. É o caso do chamado turismo de saúde. Não se trata aqui da actividade dos homens santos; é uma realidade científica, médica e hospitalar. A preços muito razoáveis, homens e mulheres de muitos países industrializados deslocam-se à Índia para se submeterem a check ups completíssimos e excelentes.

De igual modo, os tratamentos mais sofisticados, realizados em instalações a roçar a perfeição, realizam-se em profusão cada vez maior. Profissionais de saúde de grande capacidade, desde médicos a enfermeiros, desde paramédicos a operadores de equipamentos são inúmeros e muito qualificados. E baratos, se comparados com outros igualmente competentes mas de outras zonas do Mundo.

Mas a antítese é também verdadeira. Bastou-me visitar o bairro dos leprosos de Calcutá, a que chamam a Cidade da Alegria, a que Dominique Lapierre deu dimensão mundial no seu livro do mesmo nome, para ver o que é o drama da doença e da miséria mais espantosa. Aliás, tive o prazer e a honra deter tido o jornalista e escritor francês como meu cicerone pelas ruas onde uma outra celebridade, a Madre Teresa, exerceu o seu múnus de tamanha importância.

Dominique, que inclusive deu o nome a uma fundação destinada a auxiliar os habitantes do bairro, disse-me que fora ali que sentira o maior impacto humano que alguém pode receber, mas também aí fora o local em que encontrara, a par de rivalidades sanguinárias e criminosas, a maior demonstração de solidariedade entre gente desgraçada e sofredora. «Já não volto a escrever com o Larry Collins, não porque nos tenhamos afastado, muito menos zangado», disse-me. «Simplesmente porque descobri este Mundo; o Mundo».

Já tinha vivido o drama dos inquilinos dos passeios na então Bombaim. Uma prima de minha mulher, também goesa, em casa de quem vivi uma semana, morava no Bairro de Baycula. Da janela do seu segundo andar, tive a primeira imagem nocturna das lutas entre pessoas que estendiam as suas esteiras em «lugares marcados» dos passeios. Onde não apenas dormiam, mas viviam, defecavam, pariam e morriam. Se algum «invasor» lhes tentasse usurpar o «microterritório», podia até ser eliminado fisicamente.

Já vira em Haridwar, «situada onde o Ganges termina a sua descida dos Himalaias e inicia a sua longa viagem para o mar, entre planícies, cidade sagrada para os hindus», no dizer de Varma, como os crentes mais esqueléticos, famélicos, escanzelados, se banhavam nas águas infectas do rio e bebiam com as mãos em concha, ao lado de restos de cadáveres mal cremados que o caudal ia levando.

Pois Pavan faz a equação impossível entre tudo isto. De uma forma notabilíssima, com um engenho descritivo e uma análise crítica tão perfeitos que deixam um leitor, como é o meu caso, espantado à enésima potência. Se algo posso indicar dessa síntese sincrética e amalgamada, o anúncio que acima publico, transcrito, comentado e explicado pelo autor, é um exemplo extraordinário.

Mesmo que não se tenha estado na Índia, mesmo que não se goste do Oriente, mesmo que os preconceitos ocidentais nos levem a rejeitar esse pot pourri a que os Ingleses chamaram Índia – deve ler-se A Índia no Século XXI. Façam-no, naturalmente se o quiserem – e, depois, digam-me coisas. Desde já vo-lo agradeço.