Carnaval - o que é isso?
Ainda salpicado de fim de semana, com o sacrista fechado, eis que desponta o Carnaval. Isto porque s’alevanta o sol, ainda que num esconde-esconde com nuvens ameaçadoras. Umas mais do que outras, diga-se em abono da verdade. Por conseguinte os donos dos desfiles da época esfregam as mãos de contentes e do frio. De Norte a Sul desta língua de terra ouviu-se um suspiro de alívio. Temos Entrudo. Temos euros – temos entradas de malta e de ma$$a$.
A vida é assim mesmo. O Carnaval, ainda que roce as ruas da amargura – onde vai ele em muitos lugares? – ainda tem, não sete vidas como os gatos, mas fôlego suficiente para ir tentando sobreviver. É óbvio que não se conta nestas modestas linhas com a loucura colectiva da Barão de Sapucaí, no Sambódromo. Este ano, pelo sim, pelo não, as autoridades distribuem 35 milhões de preservativos nesse local de perdição das cabeças. A bon entendeur…
Mais o Brásiu é o Brásiu, meu chapa. Não tem nada qui vê com os outros onde dizem havê Carnavais. Puxa, não! Si você não leva camisinha prà festança, aí você vai tê problema. Mi diga: será que o cara não enxerga o pirigo da AIDS? Você é desses do deixa pra lá? Então não podi entrá no cordão. Sambá tem qui si lhi diga. Ótimo. As mulatas são um espanto! Mais, cuidado. As mininas podem tê as bucetinhas infetadas. Não pensa, não, e tá numa frita. Em casa sua sinhora vai lhi côbrá. Tem juízo, negão.
Voltemos, assim, a Torres Vedras, a Loures, a Portimão, à Mealhada, a Sesimbra, à Povoa do Varzim, ao Estoril. A aberta nos cúmulos negros permitiu às portuguesinhas avançar para a via pública em trajes (?) mais do que reduzidos. A imitação do que se passa pela outra margem do Atlântico é perfeitamente estúpida. Lá é Verão, faz um calor tropical, tem fio dental e peitos ao léu. Aqui também, ainda que mais modestos. Mas tem frio, chuva e neve nas zonas acima dos 800 metros. E as mocinhas engripadas, sem aves. Uma ova! Ou melhor: um ovo!
Adiante. Entre os chamados carros alegóricos, os (as) travestis e as criancinhas de Harry Potter ou de Homem Aranha, esvai-se o tempo e a boa disposição. Os saquinhos de areia e de grão-de-bico que se atiravam com mais ou menos pontaria, as bichas-de-rabear, os penicos despejando-se, as enfarinhadelas e as bisnagas, onde vão? Conseguiram sobreviver os confetis e as serpentinas… Até quando?
Sem grande entusiasmo, diga-se. Vão umas décadas em que os pulhas do «Estado Novo» tentavam denodadamente fazer do corso no Estoril um émulo daquele que então se realizava na Avenida Rio Branco, com a Mangueira, a Vila Isabel, a Rocinha e muitas mais. Escola de samba é lá. Aqui é
ersatz, como dizem os
alemões. Daí a estranhíssima ideia ter dado com os burrinhos na
áuga. Nice, Biarritz, Veneza suspiraram de alívio. Daqueles malucos lá de baixo não podia sair coisa boa… E não saiu.
Estamos nisto. Usando máscara todo o ano, os portugas chegavam ao Carnaval e tiravam-na. Os embustes quotidianos eram substituídos pelas partidas que, a partir de certa altura, tinham mais piada e mais efeitos se telefónicas fossem. «É de casa do Senhor Carneiro? É o próprio?... Então, dê duas marradas no telefone!... hahahahahahahahah».
Hoje é o vira o disco e toca o mesmo, só que com outros disfarces. Ainda que com os CD seja só uma face. Coisa raríssima entre nós. Em vias de extinção, até... E o vira-casacas calino. Outros tempos, outros enganos. Hoje, ao contrário do antigamente, anda 69,3% da malta a enganar uns 12,7%. Os restantes – abstêm-se. Ou votam branco. O Entrudo de todo o ano é triste, sombrio, negro, deprimente. As falsas gargalhadas, ocas, são apenas bocejos de tédio. Os parolos – todos nós – caímos tranquilamente nas peças que nos pregam. Pudera, não. E a crise? Já nem se disfarça...
Viva o Carnaval? Abaixo o Carnaval? Se o gajo está nos últimos estertores já nem vale a pena esperar a noite inteira pra tudo se acabar na quarta-feira. Acaba-se já. Acabou.
Antunes Ferreira
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